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Mudança de carreira cripto: jovens em situação de vulnerabilidade social viram desenvolvedores Ethereum
Numa aldeia indígena em Mâncio Lima, a 660 km de Rio Branco (AC), a professora Naiara Araújo de Lima, 28 anos, integrante do povo Poyanawa, mãe de duas crianças (11 e 7 anos), se desdobra para conciliar atividades domésticas, aulas na escola local e afazeres na comunidade ribeirinha da Amazônia com a formação em programação na blockchain do Ethereum.
A rede Ethereum, que abriga mais de 2.500 aplicativos de finanças descentralizadas e da chamada web3, abriu para Naiara as portas para uma alternativa de geração de renda e de desenvolvimento de uma carreira com perspectiva de crescimento internacional.
E isso à distância, a partir de uma aldeia indígena do interior do Acre que, como vários outros home offices, não precisa mais do que um bom computador com uma excelente conexão à internet para se inserir nas últimas tendências da tecnologia.
Naiara conta que teve muita dificuldade para aprender programação porque não estava familiarizada com o assunto e seu background é de pedagogia, mas que contou com a ajuda dos professores e dos demais colegas para perseverar no curso, recém-terminado em setembro.
Junto com Naiara, começaram o curso outros quatro membros da aldeia, mas só ela e a colega Amanda Almeida da Costa chegaram ao fim. A professora, que acaba de passar num concurso público para dar aula no ensino fundamental da aldeia, agora pensa em conciliar as atividades docentes com as de desenvolvedora cripto.
“Foi difícil sim, era tudo muito diferente, mas nada que alguém que realmente se dedique não possa conseguir. Tive muito apoio do pessoal da aldeia, que viu uma oportunidade incrível de carreira”, disse Naiara.
As atividades aconteceram de segunda a sexta, durante três meses, três horas por dia, num total de 290 horas de conteúdo técnico ministrado pela Blockchain Academy, braço de educação do grupo 2TM, dono do MB (antigo Mercado Bitcoin), em parceria com a Gama Academy, startup de educação especializada em mercado digital que teve aporte da Ânima Educação e que já formou 200 mil profissionais.
Voltado para jovens em situação de vulnerabilidade social, o programa Cripto Dev é on-line, gratuito e tem foco na inclusão de pessoas pretas e pardas, indígenas, mulheres, moradores das regiões Norte e Nordeste do Brasil e jovens de baixa renda.
O programa está na segunda edição, com um total de 40 profissionais formados, sendo que oito foram contratados pelo 2TM. A próxima turma deve começar em outubro.
Headhunters e demais interessados nos recém-formados podem fazer entrevistas dentro de uma feira montada num metaverso específico para o recrutamento.
Melhor aluno
Diferentemente de Naiara, Jefferson Luiz da Silva Barros, 24 anos, morador de Camaragibe, na Grande Recife, já tinha experiência em programação (tinha cursado Ciência da Computação, mas teve de interromper os estudos), mas na chamada internet 2.0.
Antes de virar desenvolvedor do ethereum, ele fazia trabalhos free lancer de webdesigner e de edição de vídeos.
Considerado pelos professores como provavelmente o melhor aluno da sua turma, Jefferson terminou o curso e já foi contratado como desenvolvedor blockchain em um dos maiores bancos brasileiros.
Jefferson relata empolgado que acompanhou este mês a atualização do Ethereum, que mudou o sistema de autenticação de blocos para um formato mais escalável e econômico energeticamente.
“O Ethereum tem um propósito diferente do bitcoin, de criação de NFTs e de tokens de ativos que já existem. São muitas as aplicações e possibilidades”, disse.
Jefferson conta que ajudou os colegas que tiveram mais dificuldade com programação, como Felipe Geasi, morador do Rio de Janeiro, formado em artes visuais e que trabalhava como operador de sistema de uma companhia de delivery de comida.
“Não sabia programar uma linha de código. Tive que me esforçar para acompanhar a turma, foi muito dolorido. Mas o grupo ajudou bastante. Não existia clima de competição e todos se ajudavam”, disse Felipe, que agora busca migrar para a área de desenvolvedor blockchain.
Salários competitivos e fuga de cérebros
Um desenvolvedor de blockchain em início de carreira começa ganhando entre R$ 4.000 e R$ 5.000 mensais, não muito diferente dos demais programadores da web2.
Com um pouco mais de estudo e experiência, particularmente em aplicações financeiras, os salários passam facilmente de R$ 10 mil mensais, podendo chegar a US$ 400 mil (R$ 2,12 milhões) por ano, no caso dos auditores de códigos, um dos profissionais mais disputados internacionalmente.
JC Bombardelli, professor da Blockchain Academy, afirma que ensinar programação blockchain para jovens de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social não difere do trabalho com outros públicos.
Ele conta que sabia que a maioria dos alunos chegava para a aula esgotados pelo cansaço em suas atividades cotidianas, então tinha que aumentar a energia e a animação para manter o engajamento e evitar eventuais desistências.
“Essa é uma das coisas belas no mercado de tecnologia: formação acadêmica não é porta de entrada. Então, mesmo as que poderiam considerar ter alguma deficiência de formação ou background técnico, podem ter uma chance igual a partir da dedicação nos estudos e prática nas tecnologias. Todas as grandes tecnologias têm comunidades enormes e quase sempre com conteúdos gratuitos. Sabemos que não é uma missão fácil e ainda existirem varias outras dificuldades na vida dessas pessoas, mas é possível. Foi uma experiência bem interessante e recompensadora”, disse Bombardelli, ressaltando que ensinar sobre ethereum foi uma decisão lógica pensando na quantidade de oportunidades que surge e da aposta do mercado nas aplicações da rede.
Daniela Cabral, vice-presidente de Recursos Humanos do MB, conta que a ideia de criar a Cripto Dev surgiu da necessidade de formar mais profissionais especializados em blockchain para as empresas do grupo.
“Nada melhor do que fazermos isso focando nas pessoas que mais precisam de oportunidades. É necessário investir mais em mulheres para tecnologia e todo mercado financeiro, criar programas focados em pessoas com deficiência, negros e tantos outros grupos que precisam de atenção e apenas uma oportunidade para ingressarem no mercado de trabalho”, disse.
Segundo o professor Bombardelli, a disputa por profissionais de tecnologia especializados na web3 tem se acirrado nos últimos anos e muitas startups e bigtechs internacionais têm visto nos desenvolvedores brasileiros uma mão de obra altamente capacitada para trabalhar a distância e em fuso horário compatível com as equipes nos EUA e Europa.
“Isso faz com que infelizmente tenhamos um movimento muito parecido com cientistas e pesquisadores de ‘fuga de cérebros’ entre os desenvolvedores, que recebem ofertas de melhores salários e muitas vezes com qualidade de vida na construção de uma carreira internacional”, disse.
Reportagem de Toni Sciarretta
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