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Juro alto e cenário externo derrubam cotação do dólar; o que esperar agora?
O alívio observado no câmbio tem impressionado. Em apenas uma semana, o dólar recuou 5,88% ante o real e encerrou a sexta-feira negociado a R$ 5,1743. O cenário externo ajuda a explicar boa parte da valorização recente da moeda brasileira e um viés mais positivo para o real no curtíssimo prazo tem se consolidado entre os participantes do mercado nos últimos dias, embora ressaltem que o cenário ainda exige cautela no câmbio.
Das 33 divisas mais líquidas do mundo, o real foi, de longe, a de melhor desempenho, seguida pelo rand sul-africano. Enquanto o dólar caiu quase 6% na semana contra a moeda brasileira, em relação ao rand o recuo foi de 4,17%. E, entre os vetores que ajudam a explicar o forte desempenho do real na última semana, estão a comunicação errática do Federal Reserve (Fed, o banco central americano); a recuperação dos preços das commodities; o alívio no juros dos Treasuries e uma redução do pessimismo com a economia chinesa, o que se soma ao ambiente de taxas de juros em níveis elevados no Brasil.
A atuação dos investidores estrangeiros no mercado de câmbio tem chamado atenção em particular. Dados da B3 sobre a posição no mercado futuro de câmbio, minidólar e cupom cambial (DDI) mostram que, entre o fim de junho e o dia 28 de julho, os investidores estrangeiros reduziram a posição comprada (que ganha com a alta) em dólar em US$ 3,633 bilhões. Já os fundos locais, ao longo do mês de julho, reduziram posição vendida (que ganha com a queda) em dólar em US$ 2,985 bilhões.
“O Brasil está em uma posição técnica muito boa. Se entrarmos em um cenário de dólar fraco global — e, para isso, a China tem que estar bem —, pode acontecer o que nós vimos no começo do ano: um desmonte rápido de posição”, afirma Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital. Para ele, o melhor ambiente para uma apreciação mais sustentada do câmbio no mercado local pode ser alcançado com a economia chinesa em recuperação e os Estados Unidos, na margem, mais fracos. “Foi o que vimos na última semana.”
O real, para ele, se sobressai entre as outras divisas emergentes, ao ser apoiado por um juro real mais elevado. Cabe lembrar que a taxa de juros real ex-ante, que considera o swap de juro de um ano e as expectativas de inflação em 12 meses do Focus, tem permanecido acima de 8% nos últimos dias.
“Nós estamos vendidos no dólar. Nós gostamos de vender o dólar contra bolsa americana. É um bom ‘hedge’. Desde que o dólar foi acima de R$ 5,30 nós montamos posição vendida. O nosso BC ainda vai subir juros e o carrego vai seguir alto. Além disso, tem muito estresse com eleição já no preço”, diz Portella. “Na margem, as commodities agrícolas seguraram a queda; e o cobre e o minério de ferro voltaram a subir. A China estancou a piora e os EUA, na margem, estão perdendo fôlego”, o que dá apoio ao câmbio, nota o gestor da Novus.
Em relatório enviado a clientes, os estrategistas de mercados emergentes do Citi passaram a adotar um viés positivo para o real, ao acreditarem que a moeda continuará a se beneficiar do carrego alto, após um ciclo de aperto monetário mais acelerado que outros emergentes. “Mas as eleições estão no radar, o risco fiscal está aumentando, assim como o ruído político. O real pode superar seus pares no ambiente favorável a risco no curtíssimo prazo, mas continuamos cautelosos nos próximos meses com as notícias fiscais, à medida que [o presidente Jair] Bolsonaro tenta se tornar mais competitivo.”
Da mesma forma, Gustavo Menezes, gestor macro da AZ Quest com foco em câmbio, aponta que o cenário ainda está incerto, o que tem deixado o comportamento dos ativos mais volátil. “A proximidade do cenário eleitoral coloca dúvidas quanto à política econômica que vai ser implementada no próximo governo e, também, o próprio cenário externo está muito indefinido. As expectativas de inflação cederam agora nos EUA, mas elas podem voltar a subir e o Fed teria que continuar o seu trabalho de ajuste de juros, o que impediria que o dólar se desvalorizasse”, afirma Menezes.
No curto prazo, porém, o gestor da AZ Quest vê um ambiente favorável ao real, diante do diferencial de juros, que se tornou “mais evidente” na semana passada, com a postura menos agressiva do Fed. “O BC do Brasil deve manter uma posição ainda dura e preocupada com o futuro, enquanto os EUA já colhem um pouco os benefícios das ações do passado. Isso deixa o diferencial de juros mais evidente a favor do Brasil e deve ajudar o real no curto prazo”, avalia Menezes.
O chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, observa que o banco francês, em nível global, acredita que o período de dólar forte no mundo está próximo do fim. “O dólar não vai desabar, mas está fazendo um pico. E isso vai se confirmar na medida em que o desenho da política monetária americana fica mais claro”, afirma. O índice DXY, que mede o desempenho do dólar ante uma cesta de outras seis divisas fortes, chegou a 109,29 pontos em julho, mas perdeu fôlego e encerrou a sexta-feira cotado a 105,83 pontos.
“O movimento recente do câmbio é muito mais global do que local, mas o real costuma ser mais volátil”, observa Arruda. “Olhando para a frente, nossos indicadores de curto prazo apontam que faz sentido o dólar ser mais baixo — em torno de R$ 5, e não de R$ 5,40 —, mas o que temos defendido é que, com a eleição chegando, a volatilidade mais alta vem para ficar”, diz o economista.
“Com os candidatos falando e aparecendo mais, vamos ter comentários que vão ser entendidos de maneira correta e, algumas vezes, não. Além disso, também temos as pesquisas de intenção de voto. Todo esse processo gera incerteza e incerteza tem impacto nos preços”, afirma Arruda. Assim, para ele, mesmo com a apreciação recente, o câmbio deve operar mais volátil e, na dúvida, a chance maior é de o real ficar mais depreciado do que os fundamentos sugerem.
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