Melhor chance do real é no primeiro semestre, diz Credit Suisse

O ambiente global favorável a exportadores de commodities e a taxa de juros em dois dígitos, que já supera os números recentes de inflação, têm dado amplo apoio ao real desde o início do ano. Ao avaliar, em especial, os termos de troca, é possível que o real tenha espaço para se apreciar adicionalmente nesta primeira metade de 2022.
A avaliação é do diretor de investimentos (CIO) do Credit Suisse Brasil, Luciano Telo, que, em entrevista ao Valor, pondera que o cenário pode ser mais favorável ao dólar no segundo semestre. Entre os motivos elencados por ele, estão a incerteza trazida pelas eleições presidenciais e o aperto monetário do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que pode acelerar o ritmo de elevação de juros nos Estados Unidos. Leia os principais trechos da entrevista:
Valor: O que explica a forte apreciação recente do real?
Luciano Telo: Quando o real não se valorizava, atribuíamos isso a dois fatores: os riscos fiscais e os juros. A alta forte [da Selic] estava contratada, mas foi se confirmando ao longo do tempo. O real começou a ter mais força quando os juros foram para dois dígitos porque, de fato, começamos a cruzar o ponto de ter juro real positivo e começou a ficar mais interessante ficar na moeda. Um segundo movimento foi um choque adicional do preço das commodities. O cenário, que já era favorável para exportadores de commodities, ficou ainda mais forte, principalmente depois do conflito na Ucrânia. Tivemos um choque que irá ajudar as contas externos do Brasil. Apesar de todos os países perderem com a guerra, vamos ter um efeito de commodities que favorece os termos de troca.
Valor: A apreciação do real ainda tem espaço para continuar?
Telo: Se nós compararmos o real com uma cesta de moedas emergentes, o “gap” já fechou nos R$ 4,80 por dólar e isso aconteceu também com moedas de países desenvolvidos. Quando olhamos por outro ângulo, com os termos de troca, achamos que pode ir além. O mercado tem falado no nível de R$ 4,50 por dólar. O real está em tendência de curto prazo mais favorável e também tem muito fluxo de entrada.
Valor: O processo de aperto monetário pelo Fed não seria um fator limitador para a queda do dólar?
Telo: No segundo semestre é outra história. Já tem pelo menos seis altas de juros apontadas [na curva americana], mas há uma discussão sobre se o Fed vai acelerar o ritmo para 0,5 ponto e tem grande possibilidade de isso começar já na próxima reunião. O segundo semestre tem uma história mais pró-dólar. Sobre as commodities, a discussão que a gente pode ter é sobre quanto tempo vai durar esse choque. Temos a questão da guerra, mas, muito provavelmente, será um choque que irá demorar um pouco mais. As sanções vão continuar da mesma forma, mesmo com uma resolução da guerra e o processo de desglobalização deve permanecer. A melhor chance do real é no primeiro semestre.
Valor: E em relação ao cenário doméstico? O que deve influenciar o comportamento da moeda?
Telo: A eleição vai trazer incerteza. É natural que o mercado queira reduzir posições e posições em dólar costumam proteger a carteira. No período pré-eleitoral, pode ter impacto no mercado doméstico você eventualmente reduzir a volatilidade das carteiras tendo posições em dólar. O único ponto é que os juros estão tão altos que você abriria mão de um juro de carregamento bastante alto. Se alguém for montar uma posição mais defensiva, seria mais próximo do terceiro ou do quarto trimestre, mas não até a metade do ano. Historicamente, a partir de março começamos a ter discussões eleitorais, mas como estamos em um ambiente de fluxo favorável, o que me parece é que isso foi um pouco adiado.
Valor: Com os juros altos ao longo de todo o horizonte, o investidor estrangeiro deve se mostrar mais atraído pela nossa renda fixa?
Telo: É possível que voltemos a atrair recursos externos para a nossa renda fixa. Seria até mais fácil do que está sendo o caso. Estamos vendo investimentos em ações. O fluxo está vindo para a bolsa e vimos aumento na participação de estrangeiros. São R$ 91 bilhões de entrada de capital estrangeiro no Brasil para a bolsa. Em todo o ano passado, sem considerar IPOs, foram R$ 70 bilhões.
Valor: O senhor vê oportunidade na renda fixa doméstica agora?
Telo: A taxa da NTN-B para 2035 está, agora, em torno de 5,6%, mas já chegou a estar mais alta. Os prefixados estão acima de 12%. São níveis que, se compararmos com o que se espera de juro nominal e juro real no Brasil, atraentes. Como não sabemos ainda a extensão da inflação e temos tido surpresas sempre de mais inflação, não conseguimos ver o fim do ciclo. O BC sinalizou que está perto do final, mas isso também depende da perspectiva que você vai ter para o preço do petróleo e das commodities. Não consigo enxergar claramente um catalisador de fechamento [queda] dos juros futuros, mas me parece que tem bastante prêmio. Quando ficar claro que o ajuste dos juros está perto do fim, será uma oportunidade na renda fixa. Não aumentamos posições. Temos uma posição leve em NTN-Bs e uma pequena em prefixado com vencimento em 2025.
Valor: Há uma discussão forte no mercado sobre os rumos da inflação e as próprias implícitas estão em níveis bastante elevados…
Telo: O mercado, de fato, aumentou muito as projeções de inflação – as longas também. O mercado não é irracional, mas tem dificuldade de saber o quão duradouro será o choque das commodities e do petróleo. E existem discussões mais profundas de médio e de longo prazos, como a questão sobre se a globalização vai começar a diminuir. Provavelmente, o mercado acaba indo um pouco mais forte em uma direção para, eventualmente, corrigir os excessos, mas ninguém consegue ter previsão tão precisa. A convergência da inflação à frente teria de corrigir as [inflação embutida nas taxas das NTN-Bs] implícitas para baixo, mas estamos em um momento de bastante incerteza.
Valor: Como está a carteira do banco de forma geral?
Telo: No momento inicial da pandemia, tínhamos estímulos máximos no mundo e era preciso ter uma alocação adicional em bolsa brasileira e global muito acima do que normalmente teríamos. No ano passado, reduzimos as posições em bolsa. Hoje, temos 20% de bolsa no nosso portfólio, sendo 12,5% em Brasil e 7,5% no exterior. Na parte de NTN-B, temos 15%, que consideramos como um nível neutro histórico, mas tem potencial para aumentar neste ano. O juro real está em níveis altos. Precisamos enxergar o momento em que o mercado vai ficar seguro de que não precisa de um nível tão grande de prêmio. Temos, ainda, 30% em multimercados, 7,5% em prefixados e o restante colocamos em crédito e renda fixa pós-fixada.
Valor: O banco está mais otimista com a bolsa brasileira do que com as ações globais. Por quê?
Telo: Tivemos um rali muito grande das bolsas globais, principalmente o S&P 500, e a bolsa brasileira teve um desempenho de -11% ano passado. Por ‘valuation’, era uma situação bem diferente. O valuation do Brasil estava muito descontado em relação a qualquer par emergente. Na prática, agora, estamos vendo um fluxo muito grande, mas não foi algo bem distribuído. São as ações de commodities que estão subindo e isso eventualmente se estende para outras ações que compõem o índice. Não é a bolsa brasileira que depende da economia doméstica que está subindo, mas sim a bolsa que recebe fluxo estrangeiro devido à onda global pró-commodities.
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