Mercado eleva cautela com ativos locais
Discussões sobre uma recessão à frente tornam cenário mais desafiador
Se no início do ano predominou uma dinâmica mais positiva para os ativos brasileiros, os agentes agora se mostram bem mais cautelosos quanto ao desempenho futuro dos mercados domésticos, no momento em que o cenário externo se mostra mais desafiador, com discussões sobre uma recessão à frente, e em que o arcabouço fiscal tem se tornado ainda mais frágil.
Somados, esses fatores levaram o dólar a subir a R$ 5,3206, no maior nível desde 4 de fevereiro, e o risco Brasil superou 300 pontos na semana passada, como apontaram os contratos de cinco anos do CDS, uma proteção contratada pelos investidores contra riscos de default.
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“O governo, para lidar com todas essas altas de combustíveis que estão acontecendo no mundo e no Brasil, está fragilizando muito o nosso arcabouço fiscal. Estamos falando de desonerações fiscais aprovadas que são quase 1% do PIB ao ano. É muito dinheiro”, observa Marco Freire, sócio e gestor da Kinea Investimentos.
De acordo com Freire, esse cenário de fragilidade adicional da âncora fiscal se dá em um ambiente internacional mais complicado. “Por isso estamos mais cautelosos em Brasil”, diz o profissional em vídeo sobre o desempenho dos fundos multimercado da Kinea. Em carta, a gestora aponta que reduziu posições construtivas em ativos brasileiros ao longo do mês.
Para a Kinea, “investir no país tem sido balancear, pelo lado positivo, preços atrativos e alta estrutural de commodities e, pelo lado negativo, a ausência de uma âncora fiscal crível para enfrentar mares externos turbulentos”.
A piora na percepção de risco fiscal, inclusive, tem dado apoio a um aumento expressivo nos juros reais de longo prazo, que agora estão acima de 6%. Na sexta-feira, de acordo com a Renascença, a taxa da NTN-B com vencimento em agosto de 2060 estava em 6,092%, diante da maior desconfiança quanto ao rumo das contas públicas, que leva o mercado a exigir prêmios de risco ainda mais altos.
“O avanço de medidas econômicas que concedem benefícios sociais e subsídios à margem das principais regras fiscais e eleitorais tem produzido piora nos prêmios de risco soberano”, afirmam os economistas do Safra em relatório semanal enviado a clientes. Eles notam, em especial, que o CDS de cinco anos do Brasil subiu de pouco mais de 200 pontos para 300 pontos, em um nível mais elevado que outros países da América Latina.
“Isso significa que investidores estrangeiros cobram um prêmio de risco maior para investir no Brasil, o que também acaba encarecendo o financiamento da dívida pública”, avalia o Safra.
Em revisão de cenário, os economistas do Bradesco notam que, embora algumas medidas que têm sido aprovadas fiquem restritas a 2022, “outras têm caráter permanente, com consequências para a trajetória da dívida pública”.
Os profissionais observam, ainda, que o cenário fiscal mais desafiador, aliado ao quadro externo, impôs uma intensa depreciação do real em junho. No mês passado, o dólar subiu 10,13%. “O aumento dos juros nos países desenvolvidos não favorece as moedas dos países emergentes. No caso do Brasil, se, por um lado, não enxergamos qualquer risco vindo do balanço de pagamentos, por outro, a política fiscal exige cautela”, afirmam.
O Bradesco aponta que seu cenário básico pressupõe uma política fiscal consistente para os próximos anos que seja capaz de inverter o crescimento da relação dívida/PIB. Assim, os economistas mantiveram inalterada a projeção de dólar a R$ 5 no fim deste ano e em 2023, “mas reforçamos que o cenário é extremamente desafiador”.
Os estrategistas do Citi também apontam que o risco fiscal que acompanha a PEC dos Combustíveis, aprovada no Senado, “explica o desempenho inferior do real em relação ao dólar e o aumento dos juros dos títulos locais”. E, embora acreditem que será mais difícil aprovar medidas significativas após o recesso do Congresso, os estrategistas do Citi não descartam a adoção de novos estímulos.
Não por acaso, os gestores da Ibiuna Investimentos ressaltam que uma estratégia mais cautelosa com os ativos brasileiros se mostrou apropriada em junho, “em particular à luz de novas pressões por gasto fiscal fora do teto de gastos no período pré-eleitoral”.
Em carta, a gestora aponta que suas preocupações com os fundamentos do Brasil permanecem, “diante da perversa combinação entre incerteza acerca do regime macroeconômico (a âncora fiscal, em particular) a vigorar a partir de 2023; e o ruído na esfera política com a proximidade da corrida eleitoral”. Para a Ibiuna, a atuação do governo e do Congresso por uma queda dos preços dos combustíveis “adicionou incerteza relevante sobre as estimativas de inflação deste e do próximo ano”.
Assim, a gestora mantém postura defensiva nos ativos brasileiros. Na renda fixa, concentrou o risco em posições aplicadas em juros reais e em “trades” de valor relativo nas curvas de juro real e de inflação implícita. A Ibiuna também zerou, no início de junho, a exposição tática comprada no real e, diante da queda relevante da bolsa local, reduziu a posição que combinava compra do real protegida por venda do Ibovespa. O índice, inclusive, encerrou a semana passada abaixo do nível psicologicamente importante dos 100 mil pontos.