Muito se fala em quando e quais ações devem ser compradas, o que é, claro, muito importante para o investidor. Contudo, pouco se discute algo tão importante, quando é o momento certo de vendê-las
A maioria dos investidores adota a estratégia conhecida como value investing (investimento em valor) para comprar ações. Tendo como grande ícone ninguém menos que Warren Buffett.
A estratégia consiste, de forma bastante simplificada, em selecionar empresas sólidas e com futuro promissor (empresas de “valor” na terminologia da estratégia), comprar estas ações quando o mercado as estiver vendendo com valor baixo, por exemplo em uma crise econômica, e mantê-las em longo prazo para aproveitar sua valorização.
Provavelmente este é um dos motivos da sua popularidade entre os investidores. Na verdade, Buffett faz parecer bem fácil, além de ser inegável o seu sucesso utilizando esta estratégia: de acordo com o The Wall Street Journal, Warren Buffett obteve um retorno médio de 21% ao ano entre 1965 e 2018, aproximadamente o dobro do retorno do mercado medido pelo S&P500 no mesmo período.
Em termos absolutos, se alguém tivesse investido apenas US$ 1000 em 1965 teria algo como US$ 24 milhões em 2018. Uma multiplicação de 24 mil vezes o patrimônio em 53 anos, algo realmente assombroso, em especial quando comparado a um investidor do S&P500 que, no mesmo período, teria multiplicado seu patrimônio por “apenas” 155 vezes. Os US$ 1000 teriam se tornado US$ 155 mil, contra US$ 24 milhões de Buffett.
Um dos pontos centrais da estratégia consiste no investimento em longo prazo. A ideia é que as empresa de “valor” precisam de tempo para crescer e prosperar, desenvolver e lançar novos produtos, conquistar novos mercados. Tudo isso demora e demanda paciência do investidor, que será recompensado no final. Buffett já chegou a afirmar que se um investidor não estiver disposto a manter a ação de determinada empresa por no mínimo 10 anos, não deveria nem pensar em comprá-la.
Apesar do value investing ser bem claro (pelo menos na teoria) em quando um investidor deveria comprar uma ação, esta estratégia é bem mais nebulosa em quando o investidor deveria vender uma ação. Afinal investir em longo prazo não significa que nunca se deve vender uma ação. O próprio Buffett mantém algumas ações por várias décadas, como é o caso da ação da Coca-Cola, mas em outras situações já vendeu ações, algumas vezes em prazos bem mais curtos que os citados 10 anos.
A estratégia de vender uma ação é tão importante quanto a de comprar ação. Naturalmente, como tudo relacionado a investimentos, não há uma resposta única e inequívoca para esta questão, mas alguns pontos são fundamentais para o investidor ponderar quando decidir vender uma ação:
1) O investidor não deveria vender ações se estiver precisando de liquidez. Algumas vezes isso acontece, mas na verdade foi um erro de planejamento da carteira como um todo. A construção ideal de uma carteira de investimentos pressupõe que uma parte dos recursos estará alocada em uma reserva de emergência, como Tesouro Selic, fundos ou CDBs de alta liquidez, que geralmente pagam próximo à Selic. Esta reserva de emergência serve justamente para estas situações, evitando que o investidor seja obrigado a liquidar boas ações em um momento desfavorável.
2) Cuidado com a aversão a perda ao escolher uma ação para vender. Daniel Kahneman, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 2002, demonstrou que os investidores possuem um viés ao escolher uma ação para vender: tendem sempre a vender a ação que deu lucro e a não vender a que deu prejuízo até o momento. Isto não é racional: as coisas podem mudar, claro, mas o mais provável é que você acertou na ação que está subindo e errou na que está caindo. Logo esse viés tende a fazer com que vendamos as ações que estão subindo muito cedo (perdendo potencial de ganho) e que carreguemos demais ações perdedoras, aumentando os prejuízos. Este comportamento se deve a nossa aversão a perda ser desproporcional. Em outras palavras a dor de perder dinheiro é proporcionalmente muito maior que a alegria de ganhar dinheiro, algo como duas vezes maior de acordo com Kahneman. A dor psicológica de perder $100 só é compensada pela alegria de ganhar $200 ou mais. Esteja ciente do viés ao decidir vender uma ação.
3) Cuidado com o excesso de compras e vendas (“trade”) de ações em sua carteira. Pesquisas demonstram que investidores pessoa física tendem a girar a sua carteira muito mais que investidores profissionais. Isto gera perdas com pagamento de tarifas, e pior, dificulta a construção de uma estratégia vencedora. Tenha certeza de possuir boas razões para vender uma ação.
Para o adepto do value investing, o investidor realmente de longo prazo, a decisão correta de vender uma ação é quando este não enxerga mais o mesmo “valor” de quando decidiu comprar a ação. Isto pode ocorrer por um erro do investidor na análise da compra, o que sempre pode e irá acontecer (até com Warren Buffett) ou se a situação da empresa, suas perspectivas, mercados, tecnologia, produtos, por quaisquer motivos mudaram e a empresa não é mais tão atrativa. Nesta situação o investidor deverá vender a ação sem nenhum remorso e independentemente do tempo que a carrega.
Não basta ao investidor saber comprar ações, é preciso também saber vendê-las de forma adequada, para ter sucesso em longo prazo. Isto é inteligência financeira.