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A bolha do patrocínio dos sites de aposta: quando elas estouram, resta o vento
O futebol é movido a dinheiro e momentos. De tanto falarmos em dinheiro, o tema dos contratos de publicidade que geram fortunas para os clubes ganhou as mesas de bar e as redes sociais. “O contrato do meu time é maior” é o novo “meu centroavante faz mais gols”. E o momento do dinheiro são os patrocínios dos sites de apostas. Serão duradouros, ou mais um momento que só servirá para deixar saudades?
Seguindo o mesmo que ocorre na Europa, todos os clubes brasileiros hoje possuem uma casa ou um site de apostas para chamar de sua.
Assim como as competições, que passaram a ter os nomes das casas de apostas. Há muito dinheiro nesse mercado, e uma disputa grande entre os players para garantir um lugar na lista de apps dos torcedores.
Então, o que difere o site de aposta A da casa B é confiança do apostador de que receberá pela aposta. E, eventualmente, os benefícios, como bônus, cashback e outros.
Logo, quanto mais propaganda e divulgação da marca, maior a quantidade de clientes fiéis, maior a base, e maior o valor da empresa.
Assim, a base de clientes é fundamental em um processo de venda. Investir na divulgação da marca faz parte dessa estratégia.
Quanto as casas de aposta pagam aos times?
Mas há dinheiro e movimentação suficiente que justifique o pagamento de R$ 120 milhões anuais para o Corinthians, R$ 85 milhões para o Flamengo, R$ 52 milhões para o São Paulo, e tantos outros considerados “o maior patrocínio da história do clube”?
Vamos tentar verificar isso nesta coluna.
Só os 3 citados montam R$ 257 milhões.
No início de 2023 a estimativa era de que os clubes da Série A recebiam cerca de R$ 330 milhões dos sites de apostas, número que certamente saltará para mais de R$ 600 milhões em 2024.
Depois há os patrocínios às competições e às placas dos estádios, aos clubes da Série B, e tudo mais. Dá para falar, tranquilamente, que as casas de apostas injetam perto de R$ 1 bilhão anuais apenas no futebol brasileiro.
Casas de apostas e o mercado publicitário
Porque há mais dinheiro irrigando o mercado, como cota do BBB 24 – segundo a imprensa custa R$ 120 milhões – posts de redes sociais, publicidade em novela, telejornais, portais de internet, influenciadores e por aí vai.
Portanto, dá para dizer, sem medo de errar muito, que as casas de apostas injetarão mais de R$ 2 bilhões no mercado publicitário. Isso incluindo os investimentos diretos em futebol, em 2024.
Lei das bets
Vamos lembrar, entretanto, que este movimento ocorre ainda antes de iniciado o processo de formalização das empresas de apostas no Brasil.
Logo, a lei foi sancionada em janeiro, as empresas têm 6 meses para se regularizarem, pagando a outorga e atendendo às obrigações. Haverá uma série de portarias do Ministério da Fazenda para aumentar os controles sobre as casas de apostas.
Quanto mais regras, maior a dificuldade em atendê-las, mas maior a segurança para o sistema. E isto significa que é possível que nem todas sejam capazes de permanecer no mercado mais adiante. Pelo menos formalmente, o que exigirá outros controles por parte do estado.
Antes de avaliar os números, vamos a algumas explicações técnicas. Conversei com especialistas para entender como essas empresas operam, especialmente em relação às receitas.
Além disso, utilizei duas referências internacionais de empresas de capital aberto: a Flutter e a 888.
Como se formam as receitas
Para tentar facilitar, vamos transformar o processo no fluxo abaixo:
E quanto representa tudo isso?
O que importa para nossa simulação é o NGR. Mas, com os dados disponíveis é impossível calculá-lo. Logo, a simulação seguirá a trilha definida abaixo.
Mas, como referência, o GGR varia por jogo, e costuma ser entre 5% e 15%. Se observarmos as referências das casas internacionais, como Flutter e 888, este número consolidado fica entre 9% e 13%. Lembre-se: esta é a parte que fica com a casa de apostas.
Vamos então começar os exercícios par ao Brasil.
Quanto se aposta no Brasil?
Então, não há regulamentação nos sites de aposta, nem controle – e espero que haja algum órgão que monitore e publique os volumes de apostas feitas e dados gerais, como existe nos principais mercados europeus.
Assim, a única fonte de informação disponível é o Balanço de Pagamentos divulgado pelo Banco Central.
E, ainda assim, é insuficiente.
As apostas nos balanços
Há duas linhas onde se registram apostas nos balanços patrimoniais:
Serviços de saúde, educação, e outros culturais, pessoais e recreativos (Linha 1): registra o que seriam “taxas de serviço pagas para a empresa responsável pelo jogo ou aposta”. Não dá para saber do que se trata este valor, pois a parcela que cabe às casas de apostas (GGR), não é paga separadamente do valor apostado. Vamos ignorar esta linha.
Outras Transferências (Rendas secundárias) (Linha 2): registra os valores transferidos para a conta corrente da casa de apostas (movimento “1” no fluxo acima), e a parte repatriada dos prêmios (movimento “6” do fluxo). Ou seja, não sabemos quanto entrou, de fato, nem o tamanho dos bônus, o que limita o cálculo do GGR.
Na Linha 2, o número estimado de valores depositado na conta da casa de apostas é de R$ 41,4 bilhões, que nem é número total, pois as casas têm oferecido valores relevantes de bônus para segurar o cliente.
Parte desses depósitos, mais os bônus oferecidos pelas casas, converteu-se em apostas, e parte das premiações voltou ao Brasil (movimento “6” do fluxo), no valor estimado de R$ 37,1 bilhões em 2023.
Para estimar o GGR, aplicaremos um múltiplo de 1,20 sobre os valores que retornaram ao Brasil (movimento “6”), levando os R$ 37,1 bi para R$ 44,5 bi, que seria o total apostas ganhas em 2023 por clientes brasileiros.
Se considerarmos que o GGR varia entre 5% e 15%, temos o seguinte volume estimado de apostas e GGR em 2023:
% de GGR | Valor Apostado | Valor de GGR | GGR Líq Impostos |
5% | R$ 46,8 bi | R$ 2,3 bi | R$ 2,1 bi |
10% | R$ 49,4 bi | R$ 4,9 bi | R$ 4,3 bi |
15% | R$ 52,3 bi | R$ 7,8 bi | R$ 6,9 bi |
Aproveitei e fiz a conta de qual teria sido o GGR líquido de impostos para as casas, caso a regulamentação estivesse em funcionamento no Brasil.
Quanto sobra para o marketing?
Utilizando as referências da Flutter (dona das marcas Sisal e BetFair) e da 888 (dona das marcas William Hills e 888), o que sobra para elas após pagamentos de custos operacionais e despesas, e antes dos gastos com marketing, varia entre 35% e 50% das receitas, dependendo da maturidade do mercado, e ambas gastam com marketing entre 15% e 19% das receitas.
Considerando um mercado regulado no Brasil, e que siga o benchmark internacional – afinal, ninguém gosta de perder dinheiro – teríamos os seguintes números, a partir dos dados estimados de 2023.
GGR Líq Impostos | Resultado antes do MKT – 35% de margem | Resultado antes do MKT – 50% de margem | Investimento m MKT – 15% das receitas | Investimento em MKT – 19% das receitas |
R$ 2,1 bi | R$ 721 milhões | R$ 1,0 bi | R$ 309 milhões | R$ 391 milhões |
R$ 4,3 bi | R$ 1,5 bi | R$ 2,2 bi | R$ 652 milhões | R$ 826 milhões |
R$ 6,9 bi | R$ 2,5 bi | R$ 3,5 bi | R$ 1,0 bi | R$ 1,3 bi |
Note que, em condições de operação normalizadas e reguladas, baseado no que empresas de capital aberto praticam no mundo, e com dados estimados para o Brasil em 2023, as casas de apostas teriam disponíveis para investir em marketing algo entre R$ 2,5 bi e R$ 3, bi anuais (no melhor cenário), e deveriam investir entre R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão.
Obviamente que o valor no Brasil está inflado.
Pelas contas preliminares, só no futebol investirão cerca de R$ 1 bilhão em 2024, mais algo na casa de R$ 1 bilhão em outras mídias, oque dá quase o dobro do que a movimentação encontrada sugere como referência internacional.
Falta de regulação
Isso ocorre porque não há regulação em funcionamento. Então, ninguém paga impostos, as marcas estão tentando aumentar a base de usuários. Isso para serem conhecidas e vendidas para as grandes que não chegaram ao país. Quais? A Flutter, por exemplo, comprou recentemente a Sisal e a 888 comprou a William Hills.
Se a regulamentação e controle estiverem ok, a tendência é que estes investimentos fantásticos se transformem numa bolha. Porque o negócio não sustenta esses valores de marketing por tanto tempo.
Os clubes estão se aproveitando de uma oportunidade, mas ela vai passar.
Estarão eles preparados para o futuro, construindo relacionamentos, ou vivendo um ano de cada vez
Quando a bolhas estouram, resta o vazio.
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