O cinema ‘ainda está aqui’, mas o público só deve voltar ao nível pré-pandemia em 2027

Público em 2024 é 27% menor do que em 2019, último ano antes da pandemia; exibidores culpam falta de filmes e defendem preço de ingressos

Brasileiros que estão indo ao cinema nas últimas semanas encontram ao menos três opções dividindo o público e o topo das bilheterias. O sucesso nacional “Ainda Estou Aqui”, a ação do “Gladiador 2”, o infantil “Moana 2” e o musical “Wicked” surgem em um ano em que os cinemas veem uma aceleração da volta, ainda muito gradual, do público às salas.

Marcos Barros preside a Abraplex, a associação das grandes redes exibidoras, como o Cinemark, a UCI e a Cinesystem, rede da qual ele é fundador e CEO. Para Barros, o cinema é um dos setores que teve a recuperação mais difícil após a covid-19.

“Temos menos público, mas também temos menos filmes para oferecer hoje. O cinema vai voltar, não existe dúvida, mas é uma recuperação lenta”, afirma. De acordo com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), há um número recorde de salas em funcionamento, são 3.481 abertas hoje.

Contudo, diz a Abraplex, ainda faltam pessoas para ocupá-las. O público subiu desde que os cinemas puderam reabrir, mas ainda é 27% menor do que em 2019, o último ano antes da pandemia. E a expectativa do setor é que o número de pessoas indo ao cinema só volte a empatar com o pré-covid em 2027.

Há cinco anos, 177 milhões de pessoas foram aos cinemas. Este ano, de acordo com as estimativas da Abraplex, devemos fechar com cerca de 129 milhões.

O resultado final vai depender do desempenho da fila de apostas das redes. Começou nesta quinta (28), com “Moana 2”. Nas últimas semanas do ano chegam “Mufasa”, da saga do Rei Leão, “Sonic 3” e o brasileiro “O Auto da Compadecida 2”.

Em entrevista à Inteligência Financeira, Marcos Barros e Valdinei Strapasson, gerentes de programação da Cinesystem, falaram sobre aquele que para eles foi o grande problema dos últimos anos: a falta de bons filmes.

Eles também defendem o preço dos ingressos, com críticas à lei da meia-entrada, e confirmam uma redução de pessoal. Um único funcionário para vender ingresso e pipoca, por exemplo, é a nova realidade do setor.

‘Prateleira vazia’ afastou público do cinema, defendem exibidores

Parece que tem muito filme novo na praça, mas para os exibidores esse sentimento é um engano, reflexo da falta que vivemos nos últimos anos.

Barros combate a tese de que as pessoas têm medo ou perderam o gosto pela ida ao cinema. O executivo defende que o problema foi a “prateleira vazia” que o setor encontrou quando os cinemas foram autorizados a voltar a funcionar.

Tudo que tinha pronto foi para o streaming. E as gravações que estavam ocorrendo foram suspensas até serem possíveis do ponto de vista sanitário.

“A Riachuelo fechou, mas as roupas ficaram dentro das lojas. No cinema não, nós reabrimos de prateleira vazia. Os estúdios levaram tudo o que era possível para o streaming porque as pessoas estavam em casa”, diz ele.

Para completar, os estúdios quiseram, de acordo com Barros, testar a tese de que poderiam ficar só com seus serviços, onde não dividem a renda com exibidores. Estratégia que ele vê sendo revista, com estúdios passando uma programação maior de filmes com parada no cinema e a chegada de novos players, como Apple e Amazon.

“Quando você tem um filme que as pessoas querem ver, elas vão. Elas tão indo menos porque tem menos filme”, argumenta. Um exemplo de que o público vai quando há filmes de destaque seria o fato de o recorde de audiência dos cinemas brasileiros ter sido esse ano, com o sucesso arrasador de “DivertidaMente 2“, que levou mais de 22 milhões de pessoas para as salas.

Os sucessos inesperados e os fracassos lamentados

Em 2024, as redes esperavam que a continuação de “Coringa”, com Lady Gaga ao lado de Joaquin Phoenix, fosse bombar as salas de cinema. De “Deadpool vs. Wolverine”, por exemplo, também se esperava mais.

Isso frustra os exibidores. Por outro lado, há os sucessos com os quais não se contava. O tamanho de “DivertidaMente 2” no gosto do público surpreendeu, além da grata surpresa que “Ainda Estou Aqui” representa.

Escolhido como o título brasileiro para concorrer ao Oscar de 2025, o filme de Walter Salles com Fernanda Torres não estava na lista dos grandes públicos com os quais contavam. “Foi um sucesso inesperado”, diz Valdinei Strapasson.

Na conversa com a Inteligência Financeira, o gerente de programação da Cinesystem fala sobre os novos fatores que provocam corridas inesperadas ao cinema. Seja o boca a boca de um segmento da sociedade, como no caso de “Ainda Estou Aqui”, seja uma trend no TikTok.

Foi o caso da comédia romântica “Todos Menos Você”. “Nós esperávamos entre 100 mil e 200 mil pessoas vendo esse filme. Acontece que, depois que viralizou no TikTok, esse filme chegou a quase 2 milhões de espectadores”, explica.

O problema para Valdinei é que atualmente o cinema vê esses dois polos empatarem, com as surpresas apenas compensando as decepções. Portanto, o que falta, diz o gerente da Cinesystem, é aquela porção de filmes de médio desempenho que garantem que as salas nunca fiquem totalmente vazias.

“Temos o cinema lotado, depois semanas de cinemas vazios, depois lotação de novo”, diz. “Eu posso te falar 5 ou 10 filmes que vão fazer a diferença no ano que vem. Em 2019 eu poderia te dizer 30 filmes”, completa. Spoiler para você: um dos filmes que ele espera ver encher as salas no ano que vem é a animação “Lilo & Stich”.

Redes enxugaram pessoal e buscam novas fontes de receita

Um stakeholder importante das redes de cinema são os shopping centers. Durante a fase mais aguda da covid-19, os centros comerciais reduziram as cobranças de aluguel, que foram retomadas, segundo o presidente da Abraplex, quando as prateleiras ainda estavam vazias.

A solução foi fazer o que os cinemas evitaram fazer durante o período de salas fechadas: enxugar pessoal.

Funções foram unificadas, totens de venda foram implementados e as reduções atingiram todas as áreas da operação. “Com um determinado público, você precisa de 8 funcionários de limpeza. Se você só tem 60% desse público, você pode funcionar com apenas 5”, exemplifica.

Não há número exato do tamanho do corte. Contudo, de acordo com a estimativa de Marcos Barros, projeta-se em cerca de 20% a redução de pessoal entre as empresas exibidoras.

Em outra frente, os cinemas buscaram novas fontes de receita. Por exemplo, alugando salas para a realização de eventos corporativos e até festas de aniversário. Se você frequenta o cinema com regularidade, já deve ter visto anúncios do serviço de comemorar seu novo com seus amigos em uma sala alugada. Ou seja, é uma aposta que vai ser ampliada.

Meia-entrada aumenta o preço do ingresso de cinema, afirmam exibidores

Os exibidores mantém parte das críticas que fazem ao poder público desde antes da pandemia. Por exemplo, às leis que preveem meia-entrada e gratuidades para alguns segmentos.

Marcos Barros, presidente da Abraplex, afirma que cerca de 75% dos ingressos vendidos hoje pelas redes são na modalidade de meia-entrada. O resultado, argumenta o executivo, é uma inteira mais cara para compensar os custos dos descontos e gratuidades.

“O governo faz cortesia com o chapéu alheio”, critica. “Quem não usa essas benesses do estado acaba pagando uma inteira muito cara. Para equilibrar teu custo médio, você tem que aumentar a inteira para a meia ficar num preço mais razoável”, prossegue.

A lei da meia-entrada foi sancionada em 2013, visando permitir o acesso de pessoas em formação, categorias prioritárias e população de baixa renda ao serviço.

De acordo com a associação, o tíquete-médio hoje dos ingressos gira em torno de R$ 20, puxado para baixo pela proporção das meias-entradas. “A inteira está R$ 50, mas é porque tem alguém pagando muito menos do que você”, afirma.

As críticas dos exibidores ao poder público não param por aí. A questão da entrada de alimentos de fora ainda está mal resolvida para as redes de cinema. “É um contrassenso. O setor investe para ter essa venda, mas as pessoas podem consumir de fora. Eu comparo com um restaurante. Eu posso levar meu vinho, mas eu tenho que pagar uma taxa, que a gente chama de rolha”, argumenta.

Ainda há outros temas na agenda. A cota de tela para filmes nacionais, retomada no governo Lula, é uma delas, por exemplo. As redes cobram mais combate à pirataria, uma lei que crie uma janela de exclusividade antes da ida dos filmes ao streaming e uma parcela maior de recursos de incentivo ao audiovisual para o cinema comercial.

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