Seu clube vendeu 20% dos direitos de transmissão. E agora?

Há uma injeção de recursos no sistema, porém ela consumirá a receita futura dos clubes

Se este processo não for associado a uma forte reorganização financeira, com gestão equilibrada do fluxo de caixa, será como jogar água quente na chapa que ferve - Ilustração: Renata Miwa
Se este processo não for associado a uma forte reorganização financeira, com gestão equilibrada do fluxo de caixa, será como jogar água quente na chapa que ferve - Ilustração: Renata Miwa

Há duas semanas publiquei a coluna O que esperar do futebol em 2024 com as previsões para este ano. Um dos temas foi o efeito “all in” que veríamos no futebol brasileiro nessa temporada. Ele é fruto do aumento do montante de dinheiro em circulação na indústria, que chega através do dinheiro da venda dos direitos de transmissão no futebol e dos patrocínios das casas de apostas.

Nesta semana vamos fazer algumas contas para ver o tamanho desse impacto. E começamos com quem vendeu os 20% dos seus direitos de transmissão por 50 anos.

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Antecipadamente, a análise é baseada em algumas premissas e trata-se de uma simulação.

Dinheiro antecipado

Assim, pensando nas receitas, fazemos os cálculos considerando o impacto em diferentes valores de direitos de transmissão no futebol da Série A. Veja:

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A ideia é simples: um clube que em 2025 receberia R$ 120 milhões passará a receber R$ 96 milhões. Já um clube que receberia R$ 80 milhões passará a ter R$ 64 milhões. A diferença anual ficará entre R$ 14 milhões e R$ 24 milhões, dependendo do tamanho da receita.

E daí alguém dirá: “Mas os clubes receberam um valor antecipado”. Verdade. Porém, é preciso saber o que será feito com esse valor.

Há clubes em diferentes situações, que vão daquele estrangulado em dívidas e que paga valores enormes de despesas financeiras, até os que não têm dívidas e podem utilizar o dinheiro à vontade.

Aliás, comprar os direitos direitos de transmissão de futebol, sem que houvesse uma contrapartida de reorganização financeira reforça uma tese. A de que nunca houve uma intenção de melhorar o futebol do país. Isso apenas de colocar algum dinheiro no bolso do clube para gastar durante o mandato em vigor.

E, para o comprador, é uma operação financeira, apenas.

Obviamente que do lado dos clubes, vender os direitos sem ter um valor mínimo garantido é a certeza de quem ninguém sabe ler cenários.

Isso porque, uma vez que os direitos de transmissão no futebol passam por um momento de contração de valores, há uma espécie de “fly to quality”.

Então, os veículos de streaming – principais compradores – precisam começar a dar resultados, e direitos de transmissão são caros.

Ou seja, gasta-se mais com Premier League, Champions League, e a partir daí os valores decrescem de forma relevante. E, no caso do Brasil, sem um produto “Liga de Clubes” organizado, fica ainda mais difícil vender o futebol brasileiro.

O que será feito com o recurso

Vamos, então, avaliar o impacto da venda dos direitos no uso dos recursos.

Partimos da ideia de que o clube tenha recebido R$ 100 milhões pela venda dos 20% dos direitos de transmissão, e (i) aplicou integralmente o montante para pagar dívidas, ou (ii) aplicou metade do valor (R$ 50 milhões).

Considerando um custo financeiro médio de CDI+7% ao ano, que baseado na expectativa do Boletim Focus indica um custo anual de cerca de 17% ao ano, os impactos são os seguintes:

Pensando num clube que recebe R$ 100 milhões dos direitos de transmissão, e recebeu R$ 100 milhões pela venda dos 20%, o efeito de redução nas despesas financeiras (R$ 17 milhões ou R$ 8,5 milhões) é menor que a redução na receita (R$ 20milhões).

A importância da reorganização financeira

Portanto, considerando um clube que tem R$ 100 milhões de receita com direitos de transmissão e que recebeu R$ 100 milhões pela venda dos 20% desses direitos, o impacto do pagamento das dívidas no fluxo de caixa do clube não é relevante. Exceto se for para pagar atrasos que dificultam a gestão financeira.

Ainda assim, se este processo não vir associado a uma forte reorganização financeira, com gestão equilibrada do fluxo de caixa, será como jogar água quente na chapa que ferve.

Estamos falando da venda de 20% de um direito por 50 anos, cujo cenário não indica grandes possibilidades de aumento do valor, e que ao longo desse período podem até deixar de existir. Trata-se de um risco enorme para os dois lados.

Receita futura comprometida

Da parte do comprador, e usando a mesma referência anterior – pagamento de R$ 100 milhões para comprar 20% de R$ 100 milhões, por 50 anos – podemos fazer um cálculo. Vamos considerar a atualização do valor dos direitos em 4,5% ao ano. A TIR (taxa interna de retorno) desse fluxo é de 24,5%.

Imaginando que os direitos deixem de existir antes dos 50 anos, a TIR para fluxos menores seria de 19% (10 anos), 22,7% (15 anos), 23,8% (20 anos) e 24,2% (25 anos).

A conclusão aqui nem é tão complexa.

Então, temos uma injeção de recursos no sistema, que consumirá receita futura dos clubes. Neste caso, o impacto é maior que um eventual pagamento de dívidas, sem contrapartida obrigatória para a aplicação do dinheiro. Isso acaba gerando uma euforia enorme no mercado, inflacionando preços de negociações.

Convenhamos, nada muito diferente do que vimos inúmeras vezes no futebol brasileiro, especialmente no período em que os clubes recebiam luvas por direitos de transmissão.

Sabemos como isto terminará. Assim como sabemos qual será o impacto da bolha de aumento dos contratos de patrocínios oriundos das casas de apostas. Mas este é um tema para uma próxima coluna.

Por enquanto, o torcedor ficará feliz. Lá na frente…

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