Convocação da Seleção: os valores milionários que envolvem os jogadores
Para os clubes, é necessário que vejam as categorias de base como uma fonte cada vez mais recorrente de receitas
A indústria do futebol trabalha, conceitualmente, com dois tipos de receitas: as recorrentes e as não-recorrentes. De forma simplificada, receitas recorrentes são aquelas possíveis de serem “controladas” pelo clube, e que se repetem com certa previsibilidade (recorrência). Já as não-recorrentes são as que ocorrem de maneira errática, e normalmente não são programadas pelos clubes, como as negociações de direitos de atletas.
Considerando esta divisão, as receitas recorrentes são majoritariamente formadas pelos direitos de transmissão, publicidade, patrocínios, bilheteria, sócios-torcedores.
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E, ainda que haja alguma previsibilidade, estamos falando de receitas cada vez mais variáveis, pois acabam dependendo muito da performance do clube nas competições.
Nos direitos de transmissão, parte dos valores é pago conforme desempenho, seja ao final do campeonato, seja pela evolução ao longo das fases, e finalmente, pelo título.
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Bilheteria e Sócio-Torcedor aumentam ou diminuem conforme o time vai melhor ou pior nas competições – lembre-se sempre: brasileiro não gosta do time; gosta de ganhar – e mesmo nos contratos comerciais há sempre bônus de performance.
O erro das contratações milionárias
Maravilha. Mas o tema hoje, de fato, são as receitas não-recorrentes. A negociação de atletas induz os gestores dos clubes a um erro que custa caro: trabalhar as categorias de base apenas em busca do atleta fora-de-série, aqueles que valem milhões de euros e resolvem parte dos problemas financeiros e de caixa.
Trabalhar categorias de base não é fácil. Há inúmeros desafios, como o fato de ter que cuidar de garotos acima de 13 anos, que muitas vezes moram longe de suas famílias, com pressão de “darem certo”, para solucionar dificuldades estruturais.
Depois, falamos de um projeto que leva pelo menos sete anos para amadurecer, considerando que o garoto entre com 13 e se forma, de fato, com 20.
Ainda temos que lidar com a necessidade de eles amadurecerem mais cedo, com 17, 18 anos, porque precisam jogar, chegar à seleção, serem negociados.
Ainda há problemas relacionados a questões legais e contratuais, pois os atletas só podem assinar contratos a partir dos 16 anos, com prazo máximo de 5 anos, renováveis por mais 2 anos.
Pela dificuldade do processo, os clubes deveriam ter maior cuidado com a formação e processo de negociação. Precisam criar estruturas que pensem nesse investimento como algo que precisa dar retorno, primeiramente social, mas também financeiro. E, no final, andam em conjunto.
Jovens jogadores no centro das preocupações
Cuidar do desenvolvimento social, educacional e potencialmente financeiro de um garoto deveria ser o centro desse tema.
Então, garantir que eles tenham infraestrutura que os permita desenvolverem seus talentos físicos, mas também suas capacidades culturais, é fundamental para que este processo seja mais que um funil onde menos de 5% de quem entra se transforma em atletas de alto nível.
Precisamos trabalhar para que os outros 95% possam optar entre uma remuneração errática de 1 salário mínimo mensal em clubes semiprofissionais, ou estarem prontos para ingressarem numa faculdade.
Para os clubes, é necessário que vejam as categorias de base como uma fonte cada vez mais recorrente de receitas.
Ou melhor, de recuperação do investimento, seja em pessoas que em infraestrutura. Formar atletas melhores, mas essencialmente, cidadãos melhores, aumenta o valor geral da estrutura do clube.
Além dos maiores talentos
Para isso é fundamental trabalhar a formação de base de maneira mais holística. Hoje os olhos moram apenas nos maiores talentos, os atletas dos milhões, mas eles podem mirar para aqueles que serão utilizados em campo pelo próprio clube, pelos atletas que podem adaptarem-se a outros países e ligas, e que mesmo sendo negociados por valores mais modestos, formam uma base que remunera o investimento e permite chances de desenvolvimento profissional.
Veja, por exemplo, a convocação que o treinador Fernando Diniz, campeão da Copa Libertadores pelo Fluminense – parabéns ao elenco, ao treinador e aos torcedores! – fez para a Seleção Brasileira que jogará contra em breve contra Colômbia e Argentina.
Temos o Endrick, jovem talento do palmeiras, que já foi negociado com o Real Madrid, mas precisa completar 18 anos antes de finalizar a transferência.
Além dos € 35 milhões pagos pelo clube espanhol, o Palmeiras colocou gatilhos que aumentam o valor conforme o atleta apresente desempenho qualificado enquanto estiver no Palmeiras, e quando chegar ao Real Madrid.
E convocações para a seleção principal do Brasil contam para os bônus de performance. A soma de todos os bônus pode chegar a € 25 milhões, o que faria o valor final da negociação saltar dos € 35 milhões originais para € 60 milhões.
Valor gerado na Europa
Trata-se de uma forma interessante de adicionar valor ao ativo, assim com manter percentuais sobre futuras negociações, se aproveitando de parte do aumento de valor gerado por jogar na Europa.
Que foi o que aconteceu com o lateral-esquerdo Carlos Augusto, também convocado por Diniz. Quando o Corinthians negociou o atleta com o Monza, em 2020, manteve 40% do valor de negociação futura do atleta.
Nesta temporada foi transferido para a Inter de Milano por € 13 milhões, mais bônus de performance, o que já garantiu ao clube paulista € 5,2 milhões. Somados aos € 4,2 milhões da negociação original, temos um atleta que rendeu aos cofres do Corinthians a soma de € 9,4 milhões.
Se o clube aproveitou bem ou mal o dinheiro, é outra história, mas conseguiu rentabilizar de forma mais eficiente o ativo desenvolvido.
Formação de atletas
Outro atleta convocado, o atacante João Pedro, atualmente no Brighton da Inglaterra, rendeu menos ao Fluminense, seu clube brasileiro de origem.
Vendido em 2020 para o Watford por anunciados € 11,5 milhões, foi transferido em 2023 para o Brighton por € 34,2 milhões.
Nessa negociação o Fluminense recebeu 2,5% pela formação do atleta – o chamado Mecanismo de Solidariedade. E “apenas” 5% sobre a diferença de preço (5% x € 22,7 = € 1,13 milhão). No final, enquanto o Monza lucrou € 3,2 milhões, o Watford lucrou € 21,6 milhões.
Este é um tema que deveria estar na pauta e nas mesas de reuniões de toda e qualquer boa gestão no futebol brasileiro. Somos um país que forma muitos atletas, e que também os desperdiça em grande proporção. Valorizar nossos talentos é valorizar nossos clubes, e nosso futebol.