Estudo mostra que clubes recebem mais verba de direito de transmissão, mas o gol de placa ainda está longe de acontecer

Futebol brasileiro é carente de estruturas e um calendário racional, por exemplo

Um dos temas mais falados no futebol brasileiro recentemente está relacionado aos valores de negociações dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro da Série A a partir de 2025. Uma discussão que ganhou tanta relevância que virou conversa de bar, ou de rede social e grupo de mensagens. Nesta coluna vamos analisar os números, mas especialmente os impactos.

Ao longo da semana, o jornalista Rodrigo Capelo preparou uma matéria no portal GE a respeito do direito de transmissão do futebol, e eu contribuí com os cálculos. Antes de entrar nos detalhes, vamos relembrar o tema para quem não está familiarizado.

Dois grupos tratam do direito de transmissão no futebol

Há uns 2 anos, os clubes de futebol das Séries A, B e alguns da C se reuniram para iniciar o processo de formação de uma liga de clubes, nos moldes do que conhecemos na Europa, como a Premier League, a LaLiga e outras.

O objetivo de uma liga é trazer a gestão do produto que nasce nos clubes – o campeonato nacional – para os próprios clubes.

No Brasil as competições nacionais são organizadas pela CBF, cujo principal objetivo deveria ser cuidar das seleções nacionais e do fomento do futebol nas divisões menores e regionais.

Não vou recontar a história, mas de forma resumida, os clubes se dividiram em dois blocos por divergências relacionadas a diversos temas, mas especialmente o que tratava da divisão dos valores recebidos pela venda dos direitos de transmissão. Isto gerou um grupo chamado Libra e outro chamado LFU, que já é a fusão de dois grupos iniciais, o Forte Futebol e o União.

Clubes que fazem parte dos grupos que cuidam da transmissão

Veja abaixo quais clubes estão em cada um dos grupos que tratam dos valores da venda dos direitos de transmissão do futebol:

LIBRALFU
Atlético-MG, Bahia, Flamengo, Grêmio, Palmeiras, Red Bull Bragantino, São Paulo, Santos, Vitória; Paysandu, Remo; ABC, Guarani; Sampaio Corrêa.Botafogo, Corinthians, Ceará, Cruzeiro, Fluminense, Fortaleza, Internacional, Juventude, Mirassol, Sport, Vasco; Atlético-GO; Athletico-PR, Amazonas, América-MG, Avaí, Botafogo-SP, Chapecoense, Coritiba, Criciúma, Cuiabá, CRB, Goiás, Novorizontino, Operário-PR, Vila Nova; CSA, Figueirense, Ituano, Londrina, Náutico, Ponte Preta, Tombense.

Cada um deles seguiu por seu caminho e definem modelos diferentes de distribuição do dinheiro que vem das transmissões. Diferentes, mas parecidos.

Distribuição do dinheiro das transmissões

Abaixo, você acompanha a divisão da verba:

LIBRALFU
TVs Aberta e Fechada: 40% igualitário30% por Performance*30% por número de transmissões   Pay-per-view: Se os 20 clubes da Série A estiverem no mesmo pacote, os clubes da Libra recebem 40% da Receita Líquida total do produto, distribuídos da seguinte forma: 45% igualitário, 25% por Performance (*), 30% pelo clube indicado no cadastroTotal da receita auferida: 45% igualitário30% por performance (*); 25% por número de transmissões   Pay-per-view Segue o mesmo padrão acima.

(*)Performance: classificação ao final do campeonato

Pouca diferença entre os grupos

No final, a diferença entre os blocos é pequena, e impacta cerca de 7,5% do bolo a ser dividido, que é a parcela de 30% do dinheiro que vem do pay-per-view e tem distribuição associada ao clube que o assinante torce.

Muita discussão e briga para pouca diferença naquele que foi o item que causou a cisão do grupo original.

O que mostra que, na prática, foi apenas uma justificativa para que o narcisismo dos dirigentes ganhasse ares de busca pelo melhor para o seu clube. E, portanto, uma dose de interesses de terceiros em fazer parte do negócio.

Negociação antecipada

Ah, é importante dizer que os clubes da LFU, na ânsia de fazerem algum dinheiro rapidamente, venderam 10% dessas receitas futuras pelos próximos 50 anos para um grupo de investidores.

Receberam um valor por isso, mas deixarão esse dinheiro na mesa por um bom tempo. Guarde esta informação para quando mostrarmos os cálculos. Enfim, os grupos foram a mercado negociar, e as condições foram as seguintes:

LIBRALFU
Fechou contrato com a Globo para TVs aberta, fechada e pay-per-view.Fechou o seguinte pacote, por rodada:
– Record e Cazé TV: 1 partida exclusiva em aberto; – Amazon: 1 partida exclusiva em streaming;
– Globo: todas as partidas do grupo em pay-per-view (exceto a escolha da Amazon), mais duas partidas em fechada e uma aberta, diferente da Record/Cazé TV.
Valores: R$ 1,17 bilhão pela parte fixa de aberta, fechada e pay-per-view40% da receita líquida do pay-per view, estimada pelo Flamengo em R$ 500 milhões.Valores:
– Entre R$ 750 milhões e R$ 950 milhões da Globo, dependendo do número de clubes (11, 12 ou 13+);
– R$ 265 milhões da Amazon;
– R$ 200 milhões da Record;
– R$ 175 milhões da Cazé TV;
10% da receita bruta do pay-per-view em 2025 e 5% a partir de 2026.
Existe ainda um acordo de patrocínio com a Betano de R$ 87 milhões, que para comparar laranja com laranja. Deveríamos desconsiderar, mas deixaremos aqui por liberalidade.  
Total estimado: R$ 1,378 bilhãoTotal Estimado: R$ 1,557 bilhão

Valor aumentou

Aqui, contudo, temos uma notícia positiva: o valor bruto dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro da Série A aumentou. Se fizermos o ajuste necessário que é excluir o valor da Betano, e a parcela da Libra que vai para a Série B (R$ 10,3 milhões), o aumento foi de 27%. Acima do que eu imaginava, e do que o mercado internacional está praticando.

A valorização foi possível porque a LFU precisou fragmentar seus direitos, trazendo mais empresas para o jogo. Não tem sido a prática internacional, mas foi a alternativa encontrada para chegar nos valores idealizados.

Mais patrocinadores

Além de mais players de transmissão, um aspecto importante será o aumento de patrocinadores na competição.

Se antes era necessário fazer parte dos pacotes da Globo, Sportv e Premiere, agora existem pelo menos mais 15 marcas que farão parte das transmissões de Cazé, Record e Amazon.

Então, há mais gente associando o nome ao futebol brasileiro, o que mostra a força comercial do esporte.

Vamos seguir, então, com as contas. Na Libra, a única exclusão que existe é da parcela a ser repassada para a Série B, quem em 2025 será de R$ 10,3 milhões.

Na LFU também existe esta dedução, que em 2025 será de R$ 260 milhões, mas que já tem R$ 100 milhões em direitos comerciais negociados, e para fins de análise consideramos que é factível vender a transmissão por R$ 160 milhões. Aqui podemos ter um ajuste para cima ou para baixo.

Descontos

Mas há outros aspectos que impactam os números da LFU.

Há uma comissão de R$ 16 milhões a ser paga para os intermediários. Além disso, há aqueles 10% da receita bruta que deve ser destinado aos investidores. E, ainda, o Corinthians não entra nesse cálculo do investidor, porque não vendeu nada.

Avaliações

Vamos então tentar fazer algumas avaliações a partir dessas premissas, baseado na matéria escrita pelo Rodrigo Capelo, mas com algumas variações.

Antes, um disclaimer: vou trabalhar com valores médios, máximos e mínimos, porque é impossível fazer os ajustes e alocar corretamente os valores de acordo com os contratos, uma vez que eles estão estruturados para alocar os valores entre 20 clubes, mas um grupo tem 9 e outro 11 clubes.

Ou seja, há que se fazer uma série de cálculos que só são possíveis ao final da competição. Melhor não inventar.

Comparativo

 LIBRALFU
Direitos de Transmissão Brutos (inclui previsão de PPV, que na Libra é de R$ 500 MM líquido e na LFU de R$ 800 MM bruto)R$ 1,378 bilhãoR$ 1,557 bilhão
Parcela do Corinthians (considerando a média, e antes de repassar ao investidor) (R$ 141,5 milhões)
Comissões (R$ 16 milhões)
Série B(R$ 10,3 milhões) 
Saldo Pré-InvestidorR$ 1,368 bilhãoR$ 1,399 bilhão
Parcela do Investidor (R$ 139,9 milhões)
Saldo líquido para divisãoR$ 1,368 bilhãoR$ 1,259 bilhão
Valor médio por clube (9 e 10)R$ 151,9 milhõesR$ 125,9 milhões

Se considerarmos que a média significa algo como o 10º lugar, e considerando que na Libra a distância entre o maior e menor valor distribuído é de 2,4 vezes e na LFU é de 1,9 vezes, teríamos os seguintes valores no topo e no piso:

 LIBRALFU
MáximoR$ 225 milhõesR$ 181 milhões
MédioR$ 152 milhõesR$ 126 milhões
MínimoR$ 82 milhõesR$ 66 milhões

O máximo considera o campeão, com maior número de partidas transmitidas e um PPV de 8% do valor distribuído.

Porém, no caso da LFU o valor exclui o Corinthians, que tem uma tabela de mínimos garantidos à parte. Ele entra no cálculo, mas a diferença a menor que receber será deduzida de uma espécie de adiantamento de R$ 150 MM que o clube recebeu no início do ano de 2024.

Minha sensação é de que o adiantamento será consumido em cerca de 3 anos, porque os valores mínimos informalmente conhecidos ficam uns R$ 40 MM abaixo dos números indicados.

A despeito da diferença entre LFU e Libra, é fundamental lembrar que os clubes da LFU já receberam valores relevantes pela venda dos 10% para os investidores.

Valor do direito de transmissão aumentou

Contudo, não vou entrar no mérito de ganhadores ou perdedores. Ainda que existam, este não é o ponto. O importante é ver que o valor líquido do direito de transmissão para os clubes aumentou 24% em 2025. Há, portanto, alguma ordenação na distribuição, mais players participando, incluindo patrocinadores.

Agora, porém, falta apenas os dirigentes entenderem que o próximo crescimento virá com uma liga, criação de um produto, melhoria nas estruturas, um calendário racional.

Evoluímos. Esta é a grande notícia.

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