Direitos de transmissão do Brasileirão: não há milagre da multiplicação dos valores
Entenda como funciona o negócio que envolve as empresas de telecomunicação com o mercado do futebol
Voltamos a falar sobre os direitos de transmissão do campeonato brasileiro 2024 de futebol. Aliás, é a maior receita da indústria, impulsionando o crescimento de exposição do negócio e das marcas envolvidas, da liga aos clubes e seus patrocinadores.
E para surpresa de ninguém, a maioria das pessoas envolvidas diretamente no negócio – dirigentes – e indiretamente – torcedores – não entende muito do assunto. Vamos, então, trazer mais elementos para o debate, de forma a ajudar no entendimento do assunto.
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Direitos de transmissão de campeonatos estrangeiros
Na Europa, nossa maior referência, os valores de venda de direitos de transmissão cresceram de forma importante a partir do início dos anos 2000 até o ciclo de 2018/2019. Desde então, impactados primeiramente pela pandemia, e na sequência pelo cenário da indústria de distribuição de conteúdo e macroeconômico, os valores estabilizaram.
No gráfico abaixo, portanto, temos a evolução da Premier League. Essa que é a queridinha dos consultores que vendem ilusão aos clubes e ao mercado:
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Note que o crescimento mais relevante tem ocorrido na venda de direitos internacionais, notadamente nos EUA e na Ásia. E isso, então, é ainda reflexo da chamada “guerra do streaming”, quando surgiram inúmeras redes de distribuição em busca de conteúdo para se tornarem relevantes. Perdiam dinheiro em busca de assinantes.
A guerra dos direitos de transmissão acabou
Por outro lado, o objetivo agora é rentabilizar a base, e isso significa menos gastos na aquisição de direitos de transmissão.
Os direitos estão estabilizados desde 2019/2020. Não sugiram novos players endinheirados – a Amazon comprou um conjunto de 20 jogos, mas na última renovação desistiu – e os players que seguem com os pacotes são a Sky e a BT.
Justamente porque nem o DAZN, nem Amazon, Disney, Netflix, Paramonut +, nem ninguém mais está disposto a pagar para entrar no mercado local.
Preparei um gráfico somando as 5 maiores ligas europeias – Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França – para ver o comportamento agregado.
Pois bem, desse modo, na soma das competições temos um cenário parecido com o inglês. Ou seja, desde 2019/2020, houve uma redução nos valores locais, e crescimento módico nos direitos internacionais.
Para se ter uma ideia da dificuldade em vender direitos de transmissão no exterior, a Bundesliga (Alemanha) faz cerca de € 170 milhões em vendas no exterior, e a Seria A (Itália) faz € 205 milhões. Representam, portanto, 14% e 18% do total dos direitos de transmissão das duas ligas, enquanto a Premier League faz 53% e a LaLiga 41%.
LaLiga e Serie A renovaram contratos de direitos de transmissão por valores estáveis. E mantendo parceiros históricos, ainda que na Espanha tenha entrado a DAZN. Mas isso porque a Telefonica optou por ficar com um pacote menor. Ninguém rasga dinheiro, não é mesmo?
Enquanto isso, na França, Emmanuel Macron entrou em campo para convencer a BeIN Sports (empresa Qatari) a comprar os direitos. Isso porque a oferta feita pela DAZN foi de 55% do que a Ligue 1 pretendia.
Como funcionam os direitos de transmissão do campeonato brasileiro 2024?
Vivemos a fase da negociação dos direitos do Brasileirão no período 2025/2029. Todos já sabem que temos dois grupos distintos. Afinal de contas, os dirigentes brasileiros preferiram seguir caminhos diferentes, com assessores diferentes, interesses e objetivos distintos.
Esqueceram a liga e foram negociar algo que, separado, vale menos que o conjunto, obviamente. Deveria ser óbvio, pelo menos.
Por enquanto, o grupo da Libra tem um acordo de direitos de transmissão com campeonato brasileiro 2024 com a Globo. E aqui é importante deixarmos algumas coisas claras sobre isso. É um bom acordo considerando o cenário de venda de direitos, num país dominado pela TV aberta, onde as pessoas gostam menos de futebol e acompanham menos seus clubes do que se acredita. É verdade, não vamos fugir dessa realidade.
Alguns pontos dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro 2024
Enquanto na Europa o torcedor é obrigado a pagar para assistir aos jogos do campeonato local, no Brasil a TV aberta apresenta um ou dois jogos semanais, com direito a acompanhar os gols de outras tantas partidas.
No máximo, sobram algumas partidas para a TV paga. Há pouca disposição a pagar o pacote de pay-per-view para acompanhar todos os jogos (TVs aberta e paga representam mais de duas vezes a receita do pay-per-view).
Alguém dirá que agora os torcedores querem ver apenas os highlights. Bobagem. A vida inteira esperamos os programas da hora do almoço para ver os melhores momentos, e no máximo acompanhávamos as partidas pelo rádio. Sempre foi assim. É um hábito que dificulta vender conteúdo via streaming ou TV Paga. Sem contar a pirataria, claro.
No pacote da Libra ficou acordado um valor de R$ 1,3 bi pelas TVs aberta e paga, com 40% dividido igualitariamente, 30% por jogos transmitidos e 30% por performance no campeonato.
Já para o pay-per-view o acordo prevê distribuição de 40% da receita, sendo 45% do valor dividido igualitariamente, 25% por performance e 35% pelo percentual de assinantes por clube. Em 2023 esse valor foi de cerca de R$ 450 milhões.
Acabou o famoso ‘mínimo garantido’
É o que temos. Não dá para contar com direitos internacionais. Por mais que haja um trabalho em andamento, os valores são irrisórios. E a dificuldade de acessar mercados é imensa, vide o que mostrei acima.
As empresas de streaming não tem mais caixa infinito para comprar direitos de transmissão. Nos EUA, o Brasileirão já está na Paramount + por um valor possivelmente baixíssimo. Na Itália fica numa plataforma secundária da TV local, em Portugal é no canal 11, da federação portuguesa.
Conversas da semana
Nessa semana ainda houve torcedor do Flamengo reclamando que o clube terá R$ 80 milhões a menos em receitas de TV no Brasileiro com esse novo acordo. Esse valor representa 6% das receitas de 2023, e dividido no bolo da Libra, dá R$ 8 milhões para cada rival. Não fará grande diferença no caixa dos clubes, e o Flamengo já tem novos contratos comerciais que cobrem essa diferença.
Ainda tem o Corinthians, que dizem querer R$ 240 milhões pelos direitosde transmissão do campeonato brasileiro 2024 – e a Globo não parece disposta a pagar esse valor, pois tem o clube dentro da Libra por cerca de R$ 130 milhões – o que se transformaria num produto isolado numa grade. E ainda reduziria a capacidade de aporte nos demais clubes ainda sem contrato. Não há muitos players com capacidade de pagar tudo que se prometeu.
Tudo isso graças à Lei do Mandate. A verdade é que essa lei é um fiasco. Tudo porque não obrigou a negociação coletiva dos direitos de transmissão. Era simples: o que vale é a competição, como é na Copa do Brasil, na Libertadores, no Paulistão. Miraram num alvo, mas acertaram em outro completamente equivocado. Levará um tempo até ajustarmos os ponteiros. Mais ainda se seguirem ouvindo e acreditando em lendas.