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Tributação de fundos via come-cotas pode desestimular investimentos no longo prazo, diz ex-presidente da CVM
Ex-presidente da CVM, Marcelo Barbosa disse que a discussão sobre tributação de fundos exclusivos precisava, de fato, ser enfrentada. Por outro lado, Barbosa avaliou que falta incluir na pauta aspectos relacionados à tributação de fundos via mecanismos de come-cotas, que, segundo ele, podem ser economicamente prejudiciais.
“Isso porque você tem uma incidência a cada seis meses sobre resultados que você nem sabe se serão realizados. Para o investidor de longo prazo obviamente isso é muito ruim”, avaliou Barbosa, que dirigiu a comissão de agosto de 2017 a julho de 2022, em entrevista exclusiva à Inteligência Financeira.
Ele também pondera sobre a tributação de dividendos, que não caminhou no Congresso, por enquanto, avaliando que o pagamento de impostos já vem embutido na tributação da receita das empresas que pagam proventos. Para ele, “no fundo, quem está pagando são os acionistas”.
Educação financeira patina
O ex-presidente da CVM disse também que vê o avanço exponencial da entrada de investidores pessoa física na bolsa de valores como positivo, embora a educação financeira pudesse caminhar mais rapidamente para que a qualidade dos investimentos melhorasse.
“O ideal é que os níveis de educação financeira fossem subindo mais rapidamente, mas isso é algo que não acontece. As mudanças nesse campo, da educação financeira, se dão num ritmo naturalmente mais vagaroso em qualquer lugar do mundo, enquanto os produtos surgem numa velocidade muito grande”, afirmou.
Investimento em criptomoeda e fundos ESG
Caso emblemático, o investimento em criptomoeda, que passou por novo boom em 2023, também já está sob escrutínio das autoridades no Brasil. Em dezembro, o BC abriu consulta para regulação dos criptoativos, enquanto a CVM tem atuado à distância, o que, segundo Barbosa, “reflete o que tem sido feito em outros mercados desenvolvidos”.
Por fim, o ex-presidente da CVM diz ainda que os fundos ESG, criados durante sua gestão, ainda precisam de tempo para que mostrem resultado. Mas alerta que o sucesso dessas iniciativas depende de como as gestoras apresentam os produtos.
“Essa estratégia de investimento vai ganhar qualidade à medida que o mercado aprender a apresentar ao investidor os potenciais desses ativos”, avaliou Barbosa. “É uma questão de melhorar a comunicação e o entendimento”, pontuou.
Confira a entrevista concedida à Inteligência Financeira no fim de novembro.
Alguns setores da sociedade pedem a tributação de dividendos. Como o senhor avalia isso?
Essa discussão sobre tributação de dividendos de ações de companhias abertas tem que ser feita não só levando em conta o efeito da tributação na distribuição de dividendos, mas no que acontece ao nível da companhia, que já paga tributos sobre as receitas e que, no fundo, quem está pagando são os acionistas.
O que quer que seja feito em relação à tributação, deve ser feito de forma equilibrada.
Ainda sobre a reforma, como o senhor avalia os impostos que incidem sobre investimentos hoje, são suficientes para ajudar a alcançar a justiça tributária?
O que eu acho importante quando a gente pensa em tributo em mercado de capitais é pensar nos efeitos que essa tributação pode ter. Por exemplo, fundos. Agora tem essa discussão sobre tributação de fundos exclusivos (Nota da redação: quando a entrevista foi concedida, o projeto ainda não havia sido aprovado) e acho que é uma discussão muito justa e que tem que ser enfrentada para você poder fazer justiça tributária.
Agora, era uma oportunidade de também se discutir esse modelo de tributação do come-cotas. Discussão esta que, pelo visto, não será enfrentada agora, mas seria importante porque do jeito que está certamente não é um incentivo para o investimento em fundos de longo prazo. Isso porque você tem uma incidência a cada seis meses sobre resultados que você nem sabe se serão realizados. Para o investidor de longo prazo obviamente isso é muito ruim.
Mudança recente permitiu amplo acesso a investimentos antes reservados a investidores qualificados. O senhor avalia que essas flexibilizações devem ter limite?
Esse movimento tem sido feito com cuidado ao longo de bastante tempo, de forma gradual. Sempre que existe a possibilidade de a abertura de um investimento ao varejo isso decorre de estudos prévios. Nesse sentido, a CVM faz estudos, tem audiências públicas para ouvir sugestões do mercado e do investidor no geral. Então, esse processo normativo tem sido feito com bastante cuidado também para que o regulador possa refletir. E ao longo desse tempo, o conhecimento sobre cada produto vai aumentando.
Além disso, a abertura ao investidor de varejo tem sido feita gradualmente. O ideal é que os níveis de educação financeira fossem subindo mais rapidamente, mas isso é algo que não acontece. As mudanças nesse campo, da educação financeira, se dão num ritmo naturalmente mais vagaroso em qualquer lugar do mundo, enquanto os produtos surgem numa velocidade muito grande.
Então, acho que no geral, o ritmo de abertura ao varejo no Brasil tem sido adequado.
E sobre criptomoedas, como o senhor qualifica o aumento do acesso a esse tipo de ativo de risco?
Criptomoeda não é, a princípio, um valor imobiliário. Então, está fora da área de competência da CVM. Porém, dependendo das características, um criptoativo pode ser considerado um valor mobiliário que, aí sim, está dentro da alçada.
Como a CVM tem feito isso (a regulação do acesso a esses ativos) reflete o que tem sido feito em outros mercados desenvolvidos: se permitiu o investimento limitado, via fundos que investem no exterior, que tem parte da carteira investida nesses ativos virtuais desde que sejam negociados em exchanges reconhecidas nesse mercado externo. Ou seja, foi preciso garantir algumas camadas que dão segurança. O fato de ter um fundo, ter um gestor profissional, além de negociação em uma exchange já mostra que existe essa preocupação.
Dessa forma, o ritmo (do acesso dos investidores) tem sido adequado, mas, de maneira geral, a gente está passando por uma mudança tecnológica que cresce em progressão geométrica, e a gente como regulador nunca em lugar nenhum do mundo consegue acompanhar esse ritmo, por isso, a necessidade de prudência.
Os fundos ESG estão entre os que apresentam baixo rendimento na bolsa. O que o senhor projeta para esse tipo de ativo daqui em diante?
É um movimento ainda jovem, que está no início. Por isso, a amostragem ainda é pequena e com o tempo você vai ter mais gestores de investimentos com experiência mais sólida, com ativos que se enquadrem nessa temática ESG, e as estratégias vão ficar mais maduras, as informações vão ficar mais maduras.
Com o tempo, a tendência é que (os ativos ESG) se desenvolvam mais e encontrem o lugar deles. Se serão algum ativo relevante, o tempo que irá dizer. Mas o que é certo é que, mundialmente tem havido essa demanda, e acho que está cedo para fazer uma avaliação. Tem investidores que entendem que esses investimentos têm prazo de maturação mais longo.
O que é preciso para que os fundos ESG engrenem como estratégia importante de investimento para um maior número de investidores?
Acho que a qualidade da informação sobre esses ativos sustentáveis vai melhorar também com o tempo porque quando isso surgiu e ainda era apenas uma tendência existia um pouco da questão aspiracional, de valores no sentido mais amplo e menos de estratégia de investimento.
Essa estratégia de investimento vai ganhar qualidade à medida que o mercado aprender a apresentar ao investidor os potenciais desses ativos, quais são mais atraentes, quais os prazos, entre outros pontos. É uma questão de melhorar a comunicação e o entendimento.
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