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Fair play financeiro: a sustentabilidade que o futebol precisa
Há um assunto que sempre vem à tona quando falamos em competitividade no futebol brasileiro. Inclusive, este assunto tem sido abordado nas conversas envolvendo liga de futebol no país: o famoso fair play financeiro.
Já tratei desse tema várias vezes, mas há sempre quem não entenda completamente do que se trata. Ou até faz confusão com conceitos e objetivos. Vamos então resgatar o fair play financeiro.
O que é o fair play financeiro
Resumindo a parte histórica, a ideia de fair play financeiro é criar um conjunto de regras externas aos clubes. Assim, elas permitem controlar gasto. Também deixam os pagamentos em dia, sejam salários, impostos, encargos trabalhistas e valores a outros clubes.
O primeiro modelo nasceu com a Bundesliga em 1962. Depois foi sendo implantado paulatinamente na Itália, Holanda, Espanha, Portugal, até chegar na visão continental controlada pela UEFA.
Como cada país controlava seus clubes de uma forma diferente, a UEFA resolveu criar um modelo único para os clubes que disputassem as competições continentais. Então, em 2009 teve início o mais famoso modelo de fair play financeiro do futebol.
O erro dos europeus
Um erro comum que se comete quando se analisa o modelo do futebol europeu é compará-lo aos modelos de controle que existem nos esportes americanos.
Aliás, qualquer comparação entre futebol no mundo e esportes americanos é errada na origem, na ideia de compará-los.
Os motivos deveriam ser óbvios para quem investe 15 minutos estudando os sistemas:
- nos EUA não existe rebaixamento de divisão;
- os clubes são franquias. Em alguns esportes, elas pertencem às ligas, e podem mudar de localização a qualquer momento em que se percebe algum valor nisso. Um clube que hoje está em Boston pode, amanhã, estar em San Diego.
A partir daí, a instalação de um sistema de salary cap (limites de gastos totais em salários) faz com que os clubes tenham responsabilidades compartilhadas.
Além disso, esta é a forma de controle, porque muitos clubes têm como fonte de renda o dinheiro dos direitos de transmissão e das bilheterias, e pouco em termos de marketing direto.
Outro aspecto importante: as contratações de jovens são feitas normalmente via draft, onde os clubes têm acesso aos atletas candidatos a partir de uma ordem, geralmente inversa ao desempenho da temporada anterior. Obviamente, muito diferente do modelo de “quem paga mais, leva”, do futebol.
Mais uma questão: ninguém controla falta de pagamentos ou prejuízo, diferentemente do que ocorre no futebol, cuja negociação de atletas e a necessidade de competitividade é parte do modelo de negócios.
A sustentabilidade financeira do futebol
Enfim, voltamos ao fair play financeiro. Contudo, voltamos e mudamos de nome: o modelo se transformou em Sustentabilidade Financeira. Não é mais uma questão de jogo limpo, mas de garantir que clubes e o sistema exista no longo prazo.
A ideia é criar regras de controle limitando gastos salariais, prejuízo e dívidas. O modelo que criei para a CBF, e que não foi colocado em prática, era uma combinação de 10 itens que permitia um controle completo das finanças dos clubes, da geração de caixa ao endividamento, passando pelos investimentos associados à capacidade de pagar as dívidas.
Claro que dirigentes não gostaram, e por isso o modelo não seguiu adiante. Assim como alguns clubes seguiram seu caminho rumo ao fundo do poço, com algumas conquistas – decadénce avec elegancé – e outros apenas perdendo relevância esportiva.
Contas em dia
Mas recentemente, na esteira das mudanças que a UEFA propôs ao seu sistema, reavaliei para um grupo que vê no futebol um negócio que precisa se reestruturar e crescer.
Assim, o modelo ficou mais simples, mais focado em premissas básicas: as contas precisam estar pagas em dia, as dívidas precisam estar controladas para não virarem um problema, e tem que sobrar dinheiro para investir e manter as contas em dia.
Tudo lastreado no entendimento de que a indústria do futebol tem receitas cada vez mais variáveis, dependentes de performance em campo, e concentradas no final da temporada.
Sustentabilidade financeira é boa para todo mundo
Alguns torcedores ainda acham que é uma forma de proteger o Flamengo, que agora tem mais dinheiro, ou evitar que clubes menores tenham sucesso e competitividade. Ledo engano, meus caros.
Afinal, o contrário de ter um modelo de sustentabilidade financeira eficiente é termos um modelo que leve o futebol à insustentabilidade, pois gastar mais do que se arrecada, ter dívidas gigantescas e deixar de pagar profissionais em dia é exatamente o que pregam os que atacam os sistema de controles externos das finanças dos clubes.
O final disso? Pode até ser um título aqui e outro ali, mas na prática é a obrigatoriedade em se transformar em SAF, vendidas por zero. Sim, por zero! Trocadas pelas dívidas geradas pela má gestão de quem acreditava que competitividade vinha através de dívidas e atrasos, e não de boa gestão, de eficiência, de profissionalização. O que, no final, representa o respeito ao torcedor.
E vou além: qualquer investidor que queira entrar no futebol brasileiro hoje deveria, por respeito ao seu capital, trabalhar fortemente para a criação de um sistema sério de sustentabilidade financeira que coiba atrasos, dívidas, e que permite uma falsa competitividade.
Sistemas de sustentabilidade financeira – ou fair play financeiro – são fundamentais para que toda a indústria funcione, e para que obriguem clubes a buscarem a excelência de gestão. Exceto se você quiser que seu time deixe de existir num futuro cada vez mais próximo.
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