No futebol, o dinheiro reduz o acaso e esvazia a caixinha de surpresas
É fundamental que os clubes trabalhem melhor suas receitas, de forma a se tornarem mais competitivos
“O futebol é uma caixinha de surpresas”, diz a máxima atribuída ao jornalista Benjamin Wright e que todos que acompanham o esporte já ouviram algumas vezes. O objetivo é reforçar a ideia da imprevisibilidade do futebol dentro de campo. Este que é um dos poucos esportes coletivos – se não o único – onde nem sempre o reconhecidamente mais forte vence.
Fora de campo ficou famosa a frase “A bola não entra por acaso”, que é o título de um livro de Ferran Soriano, ex-executivo do Barcelona e atual diretor executivo do Manchester City.
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A ideia por trás da frase e do livro é apontar que a gestão eficiente fora de campo reduz a imprevisibilidade dentro dele.
Duas frases marcantes, que se contrapõem ou se completam, dependendo da forma como se analisa.
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E é como vejo: o futebol é imprevisível, e por isso é fundamental ter uma gestão eficiente para reduzir a imprevisibilidade, ao mesmo tempo que por mais eficiente que seja, a bola por vezes entra por acaso, e derruba toda uma estratégia administrativa e de planejamento.
Relatório Convocados e a gestão do futebol
No Relatório Convocados / Galapagos Capital 2024, feito em parceria com a Outfield, Inc, trouxemos uma série de informações sobre o ano de 2023 no futebol brasileiro, mas também algumas análises históricas que nos ajudam a entender nosso momento.
Uma delas é a análise dos últimos 10 anos de 12 clubes brasileiros, e que mostram claramente os momentos em que Flamengo e Palmeiras se descolaram dos demais em termos financeiros, e como esta transformação se deu, baseada na reestruturação de dívidas e aumento de receitas de forma consistente.
O resultado demorou, mas desde 2018 ambos estão todos os anos disputando a liderança e os troféus de todas as competições que disputam.
Vemos também a dificuldade de Internacional e Santos em crescer suas receitas, o que acaba por impulsioná-los ao aumento de dívidas na busca por maior competitividade.
Assim como identificamos o momento em que as dívidas do Atlético-MG explodiram, obrigando-o a criar uma SAF. Estes são alguns exemplos de uma análise que identifica e pontua caminhos para a reorganização dos clubes que precisam disso.
Afinal, nosso papel não é apenas atirar a pedra, mas indicar que há uma vidraça em risco e estamos prontos a protegê-la.
Dinheiro para chegar à Série A
A partir dessa visão adicionamos uma análise que associa performance a receitas e custos salariais, de maneira a identificar montantes mínimos para que um clube atinja certa posição na tabela da Série A.
Trata-se de uma análise que considera dois períodos: os últimos 10 anos e os últimos 5 anos, onde classifico os clubes conforme suas colocações na tabela, atribuindo suas receitas e custos com folha salarial.
A partir daí defino um intervalo com 95% de confiança de qual os valores necessários para ocupar as 20 posições no campeonato brasileiro.
Vejamos abaixo:
Em 10 anos:
E em 5 anos:
Para facilitar a leitura criei 4 clusters, por posição na tabela, de 5 em 5. Agora, note a mudança de perfil dos clusters quando comparamos a visão de 10 anos com a de 5 anos.
O grupo dos 5 primeiros (em verde) tem crescimento de R$ 136 milhões em seu piso, enquanto o grupo de 6º a 10º colocados aumentou o piso em apenas R$ 17 milhões.
Já o cluster amarelo (11º ao 15º) cresceu R$ 60 milhões no piso, e o grupo que corre riscos de rebaixamento teve seu teto aumentado em R$ 16 milhões.
Aleatoriedade X gestão do futebol
Esta análise mostra que há um descolamento claro dos clubes que estão no topo, puxados por Flamengo e Palmeiras, e a criação de um grupo intermediário muito próximo (azul e amarelo).
Aqui, cada vez mais estaremos próximos da aleatoriedade do futebol. Isso porque a distância competitiva pode ser ajustada pela melhor gestão fora de campo, de formação de elenco, do departamento médico, do controle financeiro.
Mas, onde a aleatoriedade seguirá forte.
Entre ser 6º e 11º é uma questão de bola que, por vezes, entrará por acaso.
No final da lista temos o grupo de clubes fadados ao rebaixamento.
Gestão eficiente do futebol
Menos receitas indicam menor capacidade de gastos e investimentos, e só a gestão altamente eficiente conseguirá, a partir da aleatoriedade do futebol, escapar do rebaixamento.
Que é o que vem ocorrendo com o Cuiabá, por exemplo. E que com alguma frequência penaliza clubes de maior receita, como o Santos em 2023 e o Grêmio em 2021. Não é só aleatoriedade, mas alguma coisa – ou algumas coisas – não funcionou.
O que acontece com a Copa do Brasil
Outro ponto que corrobora a tese é a Copa do Brasil.
Ainda que seja uma competição eliminatória, que carrega maior imprevisibilidade, os resultados dos últimos anos não indicam isso.
Comparamos o tamanho das receitas dos semifinalistas dos últimos 5 anos com os clubes do campeonato brasileiro, e veja que há uma distância razoável entre os 4 que fizeram as semifinais e o 10º colocado no campeonato.
O que indica que, cada vez mais, mesmo nas competições de copa a aleatoriedade tem menor influência no resultado.
Custos com pessoal
Fizemos também o mesmo exercício observando os últimos 5 anos para custos com pessoal, que são basicamente a folha salarial dos atletas e da estrutura operacional.
Aqui optamos por separar por posição. E cada vez mais fica claro que a conquista está associada a quem gasta mais, enquanto o grupo entre 2º e 7º colocados vivem a aleatoriedade do futebol.
Naturalmente que há impacto direto das conquistas de Flamengo e Palmeiras, e também do Atlético-MG, que mesmo sem receitas equivalentes, gastou em 2021 numa proporção acima das suas possibilidades, o que ajudou a criar a dívidas bilionária que vimos pré-SAF.
Dinheiro é fundamental no futebol
Depois temos um segundo grupo que corre o risco da aleatoriedade, com um destaque: o 17º colocado costuma ser uma equipe que tem custos com pessoal acima de todos os demais, e reflete as recorrentes quedas de clubes de grande torcida e receitas.
Nada está escrito em pedra, mas o futebol caminha para que, cada vez mais, o dinheiro seja fundamental para que se espere performances qualificadas.
O que reforça alguns pontos:
- é fundamental que os clubes trabalhem melhor suas receitas, de forma a se tornarem mais competitivos,
- é também necessário que a gestão seja cada vez mais eficiente, para reduzir a diferença financeira dentro de campo,
- é fundamental que torcedores e dirigentes tenham a expectativa justa, e que torcer seja reflexo da paixão por aquele símbolo e suas cores, e não apenas pelo título.
A bola às vezes entra por acaso no gol.
Mas a caixinha do futebol tem apresentado cada vez menos surpresas.