Investimento no esporte: o que explica o tênis atrair mais investimento que o futebol no Brasil?

Recentemente eu trouxe para o debate o interesse de fundos de investimentos e de private equity em relação aos ativos esportivos pelo mundo. Desde a aquisição de clubes de futebol na Europa, passando por franquias de esportes nos Estados Unidos e chegando até competições como a Fórmula 1, investidores perceberam que o investimento no esporte traz oportunidades interessantes. De crescimento e ganhos.
Assim, um dos aspectos que permitem essa avaliação é o dos direitos de transmissão.
O crescimento da oferta de serviços de streaming aumentou a procura por propriedades intelectuais. E que no caso dos esportes são as competições. Então, não basta apenas produzir filmes e séries que envelhecem. É fundamental adicionar alternativas em tempo real, que só o jornalismo e o esporte são capazes de entregar.
Mas enquanto o jornalismo é uma atividade aberta, o esporte permite controle e exclusividade. E uma base de fãs sólida e recorrente.
Investimento no esporte: audiência está no esporte
Não é à toa que na TV aberta americana em 2024, segundo a revista Variety, das 100 maiores audiências do ano, 75 foram eventos esportivos. Foram 45 jogos da NFL, 19 eventos dos Jogos Olímpios de Paris, além de partidas da NBA, NCAA e MLB.
E esse número foi superior a 2023, quando 57 das maiores audiências vieram de eventos esportivos.
Então, por que isso é importante?
Porque parte relevante das receitas de eventos esportivos vem da venda de direitos de transmissão. Mas não é só isso, e dependendo do esporte há outras formas de se fazer dinheiro. Venda de ingressos, alimentação e patrocínios.
E – por que não? – a exploração cada vez maior das redes sociais e suas interações com o público. Isso permite agregar valor aos pacotes de patrocínio direto, mas também aos atletas que disputam as competições.
Assim, este é o combo que os investidores avaliam quando se interessam em adquirir direitos de competições e clubes.
Os direitos de torneios de tênis
Um exemplo recente foi o processo de venda dos direitos dos torneios de tênis Madrid Open e Miami Open. São dois dos mais importantes da temporada, o que reflete a premiação paga.
No ranking de premiações da ATP e da WTA – as associações de tenistas profissionais –, eles ficam abaixo apenas dos 4 Grand Slams (no masculino) e do WTA Finals (no feminino) em premiação total, conforme tabela abaixo.
Ranking das maiores premiações do tênis
Torneio | Premiação ATP | Premiação WTA |
US Open | 75 MM | 75 MM |
Wimbledon | 64 MM | 64 MM |
Roland Garros | 58 MM | 58 MM |
Australian Open | 58 MM | 58 MM |
Madrid | 17,6 MM | 7,7 MM |
Miami | 17,6 MM | 8,8 MM |
ATP/WTA Finals | 15,25 MM | 15,25 MM |
Vangai/Pequim | 8,32 MM | 7,7 MM |
Indian Wells | 6,13 MM | 8,8 MM |
Cincinatti | 6,28 MM | |
Roma | 3,5 MM |
O atual proprietário desses torneios é a Endeavor Holding Co, empresa norte-americana que faz gestão de propriedades intelectuais e da carreira de atletas.
Então, ela colocou um processo público de venda dos torneios e segundo fontes da imprensa – notadamente o site Private Equity Insights – quem deve ficar com os ativos é a CVC Capital Partners.
Trata-se de um dos maiores private equity funds do mundo. O valor indicado é de US$ 1 bilhão pelo pacote que inclui os dois torneios e alguns ativos de menor expressão.
Empresa faz forte incursão no mundo esportivo
A CVC tem feito forte incursão no mundo dos ativos esportivos, notadamente em ligas e torneios. Assim, ela já adquiriu parte dos direitos da LaLiga, da Ligue 1, da Fórmula 1, da Volleyball World, Six Nations e Premier League de rugby e em 2023 colocou as mãos no tênis, com a entrada na WTA, a associação de tenistas profissionais femininas.
Dessa forma, pensando em retorno, e fazendo algumas contas bastante superficiais, o torneio de Miami distribui cerca de US$ 25 milhões em prêmios. Isso fora os custos operacionais.
Então, apenas em bilheteria a competição faz algo como US$ 17 milhões. Afinal, são cerca de 368 mil ingressos vendidos ao longo da semana. E o ticket médio conservador é de US$ 30. Então, se adicionarmos que cada pessoa gasta cerca de US$ 15 com alimentação, são mais US$ 5,5 milhões brutos.
E ainda temos os patrocinadores e os direitos de transmissão.
Dez novos patrocinadores no torneio de Miami
O torneio de Miami adicionou 10 novos parceiros comerciais na edição de 2024. Eles se juntaram aos 20 anteriores. Ou seja, o torneio aumentou ainda mais sua receita.
E aqui cabe um parêntese: o mundo do esporte ganha cada vez mais tração em termos de veículo de divulgação de marcas. Assim, segundo estudo da Research & Markets, em 2024 o valor total de investimento publicitário global em esportes foi de US$ 114,4 bilhões, 8% superior ao visto em 2023.
Os direitos de transmissão são outra fonte de receitas relevante.
Não há dados sobre Miami e Madrid, mas o US Open fatura mais de US$ 170 milhões com direitos de transmissão. Se fizermos uma correlação entre as premiações, podemos inferir que o torneio de Miami fatura entre US$ 35 e US$ 45 milhões com direitos de transmissão.
Tudo isso justifica uma proposta de US$ 1 bilhão pelos torneios de Madrid e Miami.
Mas a questão financeira é parte da equação. Há uma razão para fundos como a CVC entrarem em ligas e esportes nos Estados Unidos e na Europa. É a segurança e a estabilidade.
E daí vamos aos investimentos recentes em esportes no Brasil.
Investimento no esporte no Brasil
Por enquanto, só o futebol recebe aportes mais relevantes a partir da criação das SAFs.
Outros esportes demandam algum interesse, como a Fórmula 1, que é do fundo Mubadala, mas modalidades de maior destaque, como o vôlei, o basquete e o futsal ainda são geridos através de federações e ligas que se sustentam de forma heroica.
Motivo: falta de segurança nas estruturas e visibilidade de retorno.
Vamos ficar apenas no futebol para exemplificar. Veja o que acontece com o Vasco e sua SAF. Escolha equivocada de parceiro, processo de interferência da associação através da Justiça e recuperação judicial. Qual o impacto que haverá no sistema caso o clube consiga empurrar dívidas com outros clubes para o longo prazo? E, obviamente, não encontra interessados em assumir o ativo.

O caso mais recente: Portuguesa
Na semana passada vimos o caso da Portuguesa, cuja gestão da SAF já estava operando o clube, mas a formalização ficou parada por conta de um detalhe da ata de aprovação.
O processo precisou de um ‘empurrão’ por meio de pressão via imprensa, que culminou com pressão pública para que o fosse destravado. E na falta de regulação, seria empurrado com a barriga pela FPF e CBF, caso fosse um clube sem apelo mínimo de mídia.
Como explicar para um investidor que seu adversário em campo é também seu credor, não paga suas dívidas e ainda luta contigo contra o rebaixamento?
Não temos uma liga que pense o produto, nem controles financeiros que trabalhem a sustentabilidade da indústria. E nem vamos explorar a questão dos gramados, numa demonstração de total desalinhamento entre aqueles que são parceiros.
Ou seja, dois torneios de tênis podem custar R$ 5,5 bilhões, valor que provavelmente não foi investido por acionistas nas SAFs de Séries A e B desde suas criações.
E o investidor segue olhando oportunidades em mercados maduros, estruturados, seguros, enquanto o Brasil, com população continental, jovem, interessada em esportes, segue na periferia do mundo.
Há um enorme potencial a ser destravado. Há interessados. Mas precisamos começar a tratar o esporte como negócio.
É cansativo repetir, mas é necessário.
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