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Negociações de atletas: o crescimento do Brasil é uma bolha?
Na semana passada, o CIES Football Intelligence, divulgou um artigo com a movimentação de negociações de atletas na atual janela de verão na Europa. O mercado ainda tinha mais uma semana de negociações. Mas a informação nos permite algumas avaliações interessantes.
Aliás, o CIES é uma entidade de pesquisa que fica em Neuchâtel, na Suíça, e que realiza pesquisa acadêmicas e análises sobre a indústria do futebol. Visitei a sede em 2019, quando encontrei o Fernando Roitman, chefe da equipe de pesquisa.
Recomendo sempre os trabalhos apresentados por eles, pois possuem acurácia técnica incomum na indústria do futebol. Fica a dica!
Negociações de atletas aqui e em outros países
A partir da informação original, fiz algumas simulações e avaliações. Então, vamos partir das contratações das principais ligas do mundo na atual janela.
A movimentação dos últimos 10 dias de janela deve igualar o valor de contratações que a Premier League fez no ano anterior. Assim como aumentar os valores da Serie A, no Brasileirão e na Liga Saudita. Portanto, para as demais, a tendência é manutenção, ou oscilações pouco relevantes.
Valie saber, então, que algumas características serão detalhadas na sequência. Mas a Premier League segue os movimentos normais dado sua força financeira, e a necessidade de alguns clubes aumentarem sua competitividade para permanecer nela.
Por exemplo, Bundesliga e LaLiga mostram a força de seus controles de Sustentabilidade Financeira – vulgo Fair Play Financeiro – e os clubes se comportam. Já na Itália há um forte sentimento de que é preciso investir para retomar a força do campeonato local. Sempre com o apoio dos acionistas, que fecham as contas. A França contrata muitos jovens e tem o impacto do PSG, quem mais movimenta o mercado.
Já a Liga Saudita entrou numa fase de acomodação, com menos movimentações. Desse modo, o volume de 2023 foi atípico porque estavam fazendo um portfólio de atletas e criando um mercado.
Agora a movimentação é mais pontual, o que é natural. Mas será sempre grande. E o Brasil entrou no Top 10, por conta das movimentações das SAFs, especialmente Cruzeiro, Botafogo e Flamengo.
Não é nossa principal janela, pois estamos no meio da temporada, mas ainda é um momento em que as correções de elenco surtem efeito.
Mas qual o impacto dessas contratações nas contas dos clubes?
Trarei a seguir alguns dados de receitas e lucro para vermos se as movimentações são condizentes com o tamanho das ligas.
A comparação não é exatamente perfeita, porque temos as receitas de 2022/23 e as contratações feitas em 2024.
Mas, como as receitas no futebol não devem ter sofrido grande alteração – não houve variações em contratos de direitos de transmissão, e excluímos as negociações de atletas – a tendência é de manutenção nos valores.
Veja que temos alguns comportamentos semelhantes. A Premier League investe em contratações 31% das receitas. Valores próximos aos que investem a Série A e a Ligue 1. Enquanto LaLiga e Bundesliga operam com metade da proporção. Onde há mais dinheiro (Inglaterra e França, pelo PSG) e menos controle (Itália), há mais movimentações.
Já o Campeonato Brasileiro, apesar do aumento, ainda operou abaixou da média das demais ligas. Provavelmente porque não é o momento das aquisições mais relevantes, diferente do que ocorre na Europa. Então, quando tivermos os dados acumulados (2024 completo para o Brasil e a adição da janela de inverno na Europa) traremos uma nova análise.
Lucro ou prejuízo? Outro efeito das negociações de atletas e contratações
Podemos avaliar o efeito na demonstração de resultados consolidada das ligas. Dessa forma, a soma dos clubes dá prejuízo ou lucro? As contratações não têm efeito imediato na demonstração de resultados, mas impactam os cálculos ao longo do tempo.
Portanto, quando um atleta é contratado, o valor pago é amortizado ao longo da vida do contrato – 5 anos, em média – e isso entra como “despesa” na demonstração de resultados.
Quando analisamos os dados acima, vemos que apresentar volumes grandes de investimento significa gerar impactos que levam ao prejuízo nas ligas que mais contratam. Ao mesmo tempo, as ligas mais controladas conseguem resultados positivos.
Já o Brasil apresenta números impactados pela receita extraordinária da LFU e por resultados importantes de Athlético PR e Flamengo, com mais de R$ 300 milhões em lucro na temporada passada.
Os dados acima ajudam a entender por que tantos acionistas de clubes ingleses têm reclamado da necessidade de colocar muito capital nos clubes. Bem como reforça o modelo de mecenato italiano. Inflacionam o mercado, que em algum momento cobrará essa conta.
Não é à toa que os clubes europeus têm olhado para o mercado da Arábia Saudita como a tábua de salvação para encaminharem jogadores de salários elevados. Reduzem custo e ainda fazem receita com as negociações de atletas.
O caso de Osihmen do Napoli é um exemplo, como seria Dybala (Roma), que acabou optando por permanecer na Itália.
E o caminho inverso?
Mas qual a relevância financeira dos mercados externos nas negociações de atletas? Buscamos essa informação para traçar um perfil dos mercados.
Em 2023, o Brasil foi o maior exportador de atletas do mundo. Na tabela acima estão as saídas de jogadores que atuam em cada país, independente da nacionalidade.
O percentual ao lado indica quanto, em média, essas transferências significaram do total de receitas que os clubes fizeram com negociações de atletas. O percentual é uma média dos últimos 10 anos. Mas utilizaremos como referência.
Desse modo, significa dizer que as 1.338 negociações que os clubes brasileiros fizeram com o exterior representaram 86% das receitas com transferências, e as negociações de atletas internas geraram apenas 14%.
O único país que tem relação diferente é a Inglaterra. O que mostra que a parte mais relevante das negociações de atletas em termos financeiros se dá entre clubes locais, mantendo o fluxo de dinheiro dentro da liga. Ou, podemos ver de outra forma: os atletas que saem são aqueles com menor valor de mercado.
E o que isso tudo significa?
Primeiro, que confirma o que venho dizendo há tempos: negociar atleta não é um mal que aflige o futebol brasileiro. O mundo trabalha assim. A diferença é que na Europa isso é visto como uma unidade de negócios, de forma a movimentar e remunerar os ativos.
Outro aspecto importante é observar se a movimentação da janela de verão europeu em 2024 foi um acaso ou se será um novo patamar de investimentos pelos clubes brasileiros. Aqui temos dois efeitos colaterais preocupantes:
- Inflacionamento dos salários;
- Clubes em dificuldade que atuarão acima das possibilidades para contratar e dar respostas à torcida. Riscos que precisam ser citados e ponderados.
Seguirei monitorando o mercado. Se o movimento for sustentável indica que o futebol brasileiro embarcou numa nova jornada. Numa indústria em que nem todos cuidam das finanças, veremos mais adiante quem são os Papaléguas, e quem se transformou no Coyote. Beep! Beep!
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