Transmissão de futebol: a força da TV gratuita no Brasil e as barreiras do modelo pago na Europa

Falamos recentemente sobre os novos contratos de direitos de transmissão de futebol, do campeonato brasileiro. Negociados em blocos, a soma do que Libra e LFU receberão indica para 2025 aumento líquido da ordem de 20% em relação a 2024. Independentemente de gostarmos ou não de maior ou menor pulverização nas transmissões, não há como reclamar dos resultados. Ainda mais vendo o que acontece no mundo.
Dessa maneira, o caso mais recente de problemas em relação aos direitos de transmissão das ligas envolve a França e o DAZN.
Então, quando a Ligue 1 – liga francesa de 1ª divisão – iniciou o processo de renovação dos contratos de transmissão, ainda em 2024, apresentou proposta absolutamente irreal em termos de valores.
Segundo o relatório UEFA Benchmark, preparado pela confederação continental, a Ligue recebeu no ciclo 2022/23 a 2024/25 o equivalente a € 660 milhões anuais. Os valores eram pagos pela Amazon e Canal +. Para o ciclo 2025/26 a 2028/29 o pedido da liga foi de € 1 bilhão anuais.
Obviamente que este salto não foi obtido à medida que os valores de direitos de transmissão no futebol europeu estão estagnados. E a competição francesa perdeu para esta temporada uma vantagem competitiva importante. Era a presença de Neymar, Messi e Mbappé no PSG.
Resultado: na primeira chamada não apareceram interessados e no final venderam os direitos por € 475 milhões, sendo € 100 milhões da beIN e € 375 milhões do DAZN. Esta última entrou agora em litígio com a Ligue. A alegação é de que esperava 1,5 milhão de assinantes, mas tem apenas 500 mil.
Transmissão de futebol no Brasil
Dessa forma, aqui começamos a tratar de uma característica brasileira que nos ajuda quando comparamos nossa forma de acompanhar futebol com a Europa. É a TV aberta. Ou as transmissões gratuitas.
Assim, na Europa o futebol cresceu alicerçado sobre contratos de transmissão de veículos pagos, pois eram a forma de adicionar valor às redes de TV paga. Eram os casos da Sky e Telefonica.
Os valores cresceram tanto que deixaram de fora players abertos, que só conseguem fechar a conta vendendo publicidade. Com mercado publicitários limitados, e sem a força financeira de gigantes da comunicação – a realidade das TVs abertas europeias é de controle local e de porte substancialmente menor –, o futebol migrou praticamente todo para as redes pagas.
Mas não é fácil adicionar assinantes aos pacotes.
Primeiro, muitas vezes é preciso assinar um pacote pago, depois um pacote adicional para acompanhar o futebol. Ou, em casos de streaming, é necessário assinar uma conta específica. É o caso do DAZN, que nem sempre é barato ou entrega muito além do que o assinante quer.
Aceita uma bala de troco?
Então, por mais que se ofereçam pacotes com 300 esportes e ligas pelo mundo, o torcedor de futebol quer ver os jogos do seu time e do seu campeonato. O resto, na maior parte das vezes, é troco dado em balas.
Aliás, aceita uma?
Nem todos os telespectadores estão dispostos a pagar € 30 mensais para acompanhar o campeonato e jogos do seu time. Na Espanha isso representa perto de 3% da renda mensal. O que traz um problema adicional. É a pirataria.
Muita gente não está disposta a pagar por conteúdo e isso se reflete diretamente no futebol. Então, a LaLiga estima que perde entre € 600 milhões e € 700 milhões anuais com pirataria. São pessoas que assistem as partidas fora dos canais oficiais.
Na Europa os estudos indicam que 27% do conteúdo esportivo do continente é visto através de canais oficiais, participação que cresceu 36% em 2024. Na Itália e Espanha estima-se que 50% das transmissões de futebol sejam feita por meio de canais piratas, conforme estudos do Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia.
O futebol cresceu receitas graças às TVs pagas. Agora elas e o próprio futebol sofrem com restrição de receitas.
Mas não é só isso.
Laços com o consumidor na transmissão de futebol
Alguns players que entraram na transmissão de futebol recentemente sentiram a dificuldade que é criar laços com os consumidores.
Então, a Amazon esteve presente em pacotes da Premier League e da Amazon, mas notou que os clientes que assinaram o Prime Video vinculados aos jogos não consumiam outros serviços. Assim, eles cancelavam a assinatura ao final das competições. Não à toa a gigante deixou ambas as competições.
O futebol brasileiro ainda é majoritariamente feito em TV aberta ou por canais gratuitos. Apesar da presença do Premiere e da Copa do Brasil ser transmitida pela Amazon, a maioria dos torcedores acompanha as competições pela Globo, SBT, Record, e passará a acompanhar pela Cazé TV. Apenas os hard users optarão por ter acesso a todos os jogos e assinarão pacotes.
No caso da Amazon agora haverá não só uma grade estrutural anual como o serviço de assinatura Prime é um benefício que os brasileiros usam. Dado o tamanho do mercado de vendas online no País.
Segundo dados do site Ecommerce Brasil, o mercado de vendas online gira em torno de R$ 200 bilhões anuais. A Amazon detém algo como 10% desse mercado.
Só em dezembro de 2024 foram feitas 209 milhões de visitas ao site. Ou seja, é razoável imaginar que parte dos torcedores já seja assinante do Prime. E o futebol é uma estratégia adicional de monetização e manutenção dos clientes na base.
Brasil também é alvo de pirataria
O grande alcance da TV Aberta no futebol brasileiro não impede que parte da população siga utilizando de meios piratas para acompanhar seus clubes.
Então, a Abranet estima que a pirataria em transmissões esportivas represente cerca de 19% do mercado. Podemos adicionar também nessa conta a pirataria de roupas esportivas, que segundo a ÁPICE, associação dos produtores, movimentou mais de 170 milhões de peças, num mercado estimado em R$ 22 bilhões, ou 30% do mercado nacional.
Dessa maneira, o interesse no futebol segue elevado, mas os custos para acompanhar seus clubes empurra os torcedores para o mercado pirata. Isso dificulta a vida dos próprios clubes. É um círculo vicioso. Vale dizer que as marcas esportivas têm tentado encontrar soluções mais baratas, e os valores dos uniformes não embutem margens abusivas.
Então, importante notar que o futebol brasileiro apresentou crescimento numa linha de receita relevante, mas que nos principais mercados mundiais está estagnada, a partir de um modelo de transmissão aberta. E calcada na venda de cotas de patrocínio. Com mais players, com mais horários e mais parceiros comerciais.
A sustentabilidade desse modelo será testada nos próximos ciclos de negociação. Mas a força da TV aberta é uma característica nossa e que precisa ser levada em consideração em qualquer construção de indústria que se queira fazer.
Leia a seguir