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O que ocorre na Bolsa tem impactos macroeconômicos que não devem ser minimizados
A contribuição magistral de Keynes, nos anos 30 do século passado, colocou o investimento e seus determinantes no centro do debate macroeconômico. Além da questão cíclica, períodos de forte expansão do investimento estão geralmente associados à elevação do potencial de crescimento não inflacionário da economia, bem como colapsos do investimento têm efeitos negativos que vão além do ciclo.
Investimentos estão geralmente, mas nem sempre, associados à elevação do potencial de crescimento porque sua contribuição depende da qualidade dos projetos; investimento mal pensado acaba virando apenas desperdício – e a coluna não tem espaço para listar todos os exemplos de má alocação de capital que se pode encontrar em nossa economia.
O investimento privado (cerca de 90% do total) lidera o processo de crescimento da economia. A visão keynesiana sobre o investimento o associava ao estado de espírito dos empresários: momentos de otimismo levariam ao aumento do investimento, enquanto períodos de depressão ocasionariam redução dos gastos voltados para a ampliação da capacidade.
O que ocorre com as ações tem impactos macroeconômicos que não devem ser minimizados.
Uma formulação seguindo o insight original de Keynes foi apresentada pelo economista americano James Tobin, que recebeu o Nobel em Economia em 1981. Tobin sugeriu, em artigo do final dos anos 60, mas que segue sendo incluído na bibliografia dos manuais de macroeconomia, que o investimento tende a aumentar quando o valor de mercado das empresas excede o custo de reposição do seu estoque de capital. Inversamente, os gastos voltados à ampliação da capacidade se contraem quando o valor de mercado cai abaixo do custo de reposição. Desde então, a razão entre valor de mercado e custo de reposição dos ativos das empresas tem sido denominada de “Q” de Tobin.
Essa visão sobre o comportamento do investimento, quando aplicada empiricamente, estabelece um elo direto entre os preços das ações das empresas negociadas nas bolsas de valores, que refletem o fluxo esperado em perpetuidade dos lucros das companhias, trazidos a valor presente, e os gastos em expansão da capacidade. Resumindo e simplificando bastante, períodos de boom na bolsa de valores tendem a favorecer um aumento do investimento, ao passo que momentos de queda nos índices de preços de ações apontam para redução dos gastos em capital das empresas.
A formulação de Tobin, que tem o DNA intelectual da escola keynesiana, implica que, quando congelamos todas as outras peças móveis da economia, quanto mais alto o índice dos preços de ações, mais elevado será o investimento. Uma implicação dessa análise é que os responsáveis pela gestão macroeconômica não devem ser indiferentes ao comportamento dos preços de ativos, inclusive das ações – note-se que estes também influenciam a atividade econômica por outro canal, através do seu impacto na riqueza das famílias e, assim, no consumo.
Os testes empíricos da influência do valor das ações sobre o investimento sofrem da dificuldade em se estimar o valor de reposição dos ativos das empresas. Mesmo assim, as evidências sugerem que a trajetória do preço das ações tem efeito relevante sobre o investimento na economia americana. Aplicando testes similares ao caso brasileiro, o impacto parece ser mais significativo, ainda que o comportamento do investimento seja também influenciado por outros fatores, como os termos de troca (razão entre preços de exportações e importações). Outro ponto importante é que no Brasil o governo controla empresas listadas de grande porte, nas quais as decisões de investimento podem ocasionalmente seguir critérios macroeconômicos e/ou de política industrial, e não ser necessariamente focadas no retorno para os acionistas.
E como têm se comportado os preços das ações? Nos últimos 12 meses, o índice Bovespa cheio registra queda de 15,1%, sendo 7,2% desde o início do ano (considerando o fechamento de março). Se excluirmos os preços das ações das principais companhias estatais, Petrobras e Banco do Brasil, que devem ser menos importantes para as decisões de investimento de companhias no setor privado, o índice mostrou queda ainda mais pronunciada, de 16,2% em 12 meses e 9,9% desde dezembro passado.
Vale notar que este comportamento, no comparativo interanual, parece ser peculiar ao Brasil, o índice S&P, o principal para ações americanas caiu menos, 9,3% em um ano, mas declinou 13,3% desde dezembro (impactado pela elevação de taxa de juros e os problemas do setor bancário). Já o índice MXEF, que cobre empresas de capitalização média e grande em mercados emergentes, registrou altas de 7,0% no critério interanual e de 3,5% desde o início do ano. Em linhas gerais, as ações brasileiras têm tido desempenho pior do que as dos demais países emergentes, e também, nos últimos 12 meses, pior do que nos EUA, o mercado mais líquido do mundo.
Esse ambiente não contribui para um aumento dos investimentos privados, ao contrário. Não se trata de negar os demais fatores que influenciam o investimento, mas sim de observar que o que ocorre na Bolsa tem sim impactos macroeconômicos, que não devem ser minimizados.
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