Os métodos e metas duvidosos do Facebook

Livro “Uma verdade incômoda” desvenda o lado sujo da rede, em seus esforços para dominar o tráfego na internet e influenciar questões globais

Muito se critica o Facebook por ser permissivo quanto à divulgação de fake news. Só que o problema não está na tecnologia, e sim na raça humana – cada vez mais dependente das redes sociais, como se comprovou há poucas semanas, quando Facebook e Whatsapp ficaram inoperantes durante horas. Para muitos de nós, foram momentos tensos.

Entende-se. As redes se tornaram essenciais no dia a dia, sendo maravilhosas ao promover o bem e abjetas ao disseminar pragas como racismo ou extremismo político. O recente “Uma verdade incômoda”, das jornalistas Sheera Frenkel e Cecilia Kang, trata justamente do lado sujo desse reino digital (daí seu título original, “An ugly truth”, uma verdade feia). Assusta.

Com fontes privilegiadas, Frenkel e Kang contam, com muita veracidade, como o Facebook faz não só para dominar o tráfego na internet, como para influenciar questões globais, afetando milhões de pessoas. Pelo que se lê, responsabilidade social não é exatamente prioridade da corporação.

Veja-se o caso do número 1 na hierarquia, o prodígio Mark Zuckerberg, que criou a rede em 2004, aos 19 anos. Mais do que uma fortuna pessoal inabalável, o que interessa a Zuckerberg é ter muito poder. Para isso, chega a tratar seus usuários como cobaias em experimentos sociais. Seu objetivo é capturar nosso tempo. Tempo é dinheiro, e dinheiro é poder.

Ao lado de Zuckerberg está Sheryl Sandberg, sua chefe de operações desde 2008. Com receita de US$ 85,9 bilhões em 2020 e US$ 920 bilhões de valor de mercado, o Facebook deve muito a ela. Foi Sandberg quem levantou estratégias de mercado que multiplicaram os ganhos da empresa, adotando a filosofia “topa quase tudo por dinheiro”, mesmo que seja fruto de jogadas espúrias, crimes e trapaças.

“Uma verdade incômoda” mostra que a união dessas personalidades ambiciosas gerou um monstro alimentado por um banco de dados gigantesco, um algoritmo poderoso, o consumismo latente e a complacência (ou desinformação) por parte de cada um dos atuais 2,7 bilhões de usuários. O livro se torna, assim, um chamado à consciência sobre como as redes funcionam para manter a nossa fidelidade (ou engajamento, no jargão das redes).

O rolo ligando as campanhas de Donald Trump em 2016 e 2020 à proliferação de fake news é o fato mais amplamente discutido sobre o poder deletério do Facebook. Ao fim desses episódios, ficou claro que Zuckerberg & Cia. usam e abusam de seu banco de dados para selecionar grupos afins e, com isso, permitir a manipulação de informações e e contrainformações, a sugestão de produtos e, como no caso dos EUA e de outros países, determinar rumos sociais e políticos.

A questão é que, para crescer sua base de usuários e, ainda assim, garantir o lucro pesado, o Facebook busca não exatamente o cidadão-eleitor, mas a facção de poder que gastará mais pelo aluguel de seus dados. Para o bem ou para o mal, nem importa muito. Importa é que, somente no segundo trimestre de 2021, o lucro líquido da empresa ficou em US$ 10 bilhões.

Assim, “Uma verdade incômoda” (que tem o subtítulo “Os bastidores do Facebook e sua batalha pela hegemonia”) nos lembra que, no meio digital, somos todos fornecedores não remunerados de dados valiosos, e não tem jeito. É essa a ótica que prevalece: se não gasto nem um centavo para usufruir gratuitamente de um serviço, alguém vai pagar por isso – e, claro, vai querer algo em troca. Já se faz algo semelhante há séculos no mundo dos negócios, mas ninguém nunca teve tanto poder tecnológico para influenciar clientes. Aí é que está o busílis.

Para nós, outros, é bom saber que o mecanismo facebookiano de cortejar o poder é semelhante em todo o mundo – inclusive, claro, no Brasil. Do ponto de vista do Big Brother, nosso lindo país não é nada diferente do resto do planeta. As exceções, quando aparecem, costumam ser suspeitas. O livro mostra casos em que Trump ou Neymar publicaram barbaridades sem maiores empecilhos, pelo fato óbvio de que seus posts geram muita repercussão, dando-lhes cacife para publicar o que bem entenderem. Não é diferente por aqui, então é sempre bom ficar de olho.

E é por essas e outras que o Facebook vive, segundo Frenkel e Kang, uma eterna dicotomia: conectar mais e mais usuários gratuitamente enquanto se concentra em multiplicar lucros. Daí o alerta: redes sociais são bem-vindas, mas nem sempre seus resultados são positivos. Como instrumento de poder e manipulação, elas já provocaram e vão continuar provocando alguns estragos irreversíveis. Avisados, estamos. Depois, não adianta reclamar.

Uma verdade incômoda – Sheera Frankel e Cecilia Kang. Trad.: Claudio Marcondes, Cássio de Arantes Leite e Odorico Leal. Companhia das Letras, R$ 84,90

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