Perfil da 123milhas dificulta recuperação judicial, dizem especialistas

Modelo de negócios da companhia pode dificultar sobrevivência do empresa

Banner da empresa 123milhas em carrinho, em São Paulo (SP). Foto: André Ribeiro/Futura Press/Estadão Conteúdo
Banner da empresa 123milhas em carrinho, em São Paulo (SP). Foto: André Ribeiro/Futura Press/Estadão Conteúdo

A 123milhas terá desafios maiores para executar um plano bem sucedido de recuperação judicial (RJ) do que empresas mais convencionais, segundo especialistas.

O pedido de recuperação, que envolve dívidas de R$ 2,3 bilhões, foi aceito nesta quinta-feira.

Receba no seu e-mail a Calculadora de Aposentadoria 1-3-6-9® e descubra quanto você precisa juntar para se aposentar sem depender do INSS

Com a inscrição você concorda com os Termos de Uso e Política de Privacidade e passa a receber nossas newsletters gratuitamente

Agora, a 123 tem um prazo regulamentar de seis meses para apresentar um plano de recuperação que deverá ser apreciado pela Justiça.

Além do cenário já delicado em operações desse tipo, no caso da 123 o perfil de negócios cria mais desafios para sua sobrevivência, segundo advogados e executivos financeiros ouvidos pela Inteligência Financeira.

Primeiro porque, diferente dos casos de maior visibilidade de RJs dos últimos anos, como da Americanas (AMER3), da Oi (OIBR3) e grandes empreiteiras, como a Odebrecht, a 123milhas não tem uma base de ativos significativa que possa ser usada como garantia.

Na petição encaminhada à Justiça, a 123milhas cita como ativos computadores, cadeiras, além de um investimento R$ 24,7 milhões em softwares.

Embora os profissionais entrevistados concordem que o mais importante em termos de viabilidade econômica seja a capacidade de uma empresa de gerar receitas, no caso da 123 a medição dessa capacidade pode ser mais subjetiva.

“O grande ativo da companhia é a inteligência do negócio”, disse Daniel Amaral, especialista em recuperação de empresas na Dasa Sociedade de Advogados.

Essa é uma característica comum a empresas mais jovens de comércio eletrônico, que ganham dinheiro por meio de transações entre pessoas e empresas.

Porém, muito frequentemente não criaram laços de longo prazo com públicos como fornecedores, clientes, governos e investidores.

A plataforma, inclusive, não tem investidores no mercado, já que seu capital é concentrado nos seus três sócios, Ramiro Madureira (60%), Augusto Madureira (20%) e Tânia Madureira (20%).

Sem paralelo

O fato de não haver uma regulação específica para o setor de atuação é outro complicador para empresas da chamada nova economia, segundo Alexandre Pierantoni, diretor de finanças corporativas da consultoria para transações empresariais Kroll.

“É um mercado muito particular”, disse Pierantoni.

O episódio ilustra o desafio institucional do país de lidar com situações envolvendo empresas de comércio eletrônico, segmento que ganha força no Brasil desde as restrições de contato social devido à pandemia da Covid-19.

No pedido de RJ, a 123 se apresenta como a plataforma de turismo mais acessada do Brasil e um dos 10 maiores websites de comércio eletrônico do país, atendendo cerca de 5 milhões de clientes por ano e processando vendas totais de R$ 6,1 bilhões em 2022.

Ter uma grande base de clientes e movimentar grandes volumes financeiros são elementos frequentemente levados em conta pela Justiça ao decidir acatar ou rejeitar um plano de recuperação, devido à dimensão dos prejuízos à economia como um todo no caso de uma falência.

Porém, novamente, o tipo de negócio da 123 pode ser mais um complicador para o processo, segundo os especialistas.

Em geral, a maior parte das dívidas de uma empresa que entra em RJ são de credores financeiros e fornecedores.

No caso da Americanas, os R$ 43 bilhões em dívidas estão distribuídos em cerca de 16,3 mil credores, incluindo bancos e investidores pessoas físicas.

Isso porque o negócio da 123 tem como base a antecipação de recursos de clientes.

Para ser aprovado, um plano precisa de aprovação da maioria dos credores, em geral por meio de assembleias.

No caso da 123milhas, a lista de credores é de quase 700 mil, com a maioria esmagadora composta por clientes.

Isso torna o caso a maior recuperação judicial no país em número de credores.

“Imagine reunir todo esse público”, disse Amaral, da Dasa Advogados.

Oportunidade?

Para Pierantoni, da Kroll, mesmo com esses desafios a 123milhas pode ser um ativo interessante para potenciais investidores, dado o tamanho do mercado brasileiro de turismo e o fato de a companhia ter atingido a condição de líder no setor.

“Pode ser um ativo interessante para um novo entrante”, disse.

O desafio, avaliam os especialistas, é que um eventual interessado conseguir preservar a expertise do negócio, mas recuperar a imagem da empresa, chamuscada depois que a 123milhas suspendeu o Promo123, seu programa mais atrativo.

“O artigo mais valioso é a marca, mas houve uma quebra de confiança om o consumidor e isso vai ser difícil recuperar”, disse Giovanna Ramos Fachini, da Medina Guimarães Advogados.

Gênese

Criada em em 2016, a 123milhas se popularizou com um modelo que permite a compra de passagens aéreas a preços mais baixos do que a média do mercado.

Ao receber valores da compra de forma antecipada, a empresa escolhe o melhor momento para confirmar a compra dos bilhetes com as companhias aéreas, pagando com milhas ou pontos de programas de fidelidade.

O modelo cresceu e prosperou por alguns anos. Outras empresas com modelo parecido surgiram no mercado, como a Hotmilhas e a MaxMilhas, esta última comprada pela 123milhas em janeiro deste ano.

Em 2021, no auge da pandemia, a companhia lançou o Promo123, uma campanha de preços ultrabaixos de passagens.

O plano baseava-se na aposta de que haveria uma redução do preço das bilhetes por um período prolongado.

Porém, aconteceu justamente o contrário.

Desde então, a demanda por voos nacionais e internacionais tem crescido sem parar.

Além disso, com o aumento do preço do combustível de aviação, as companhias aéreas aumentaram os preços, passando também a cobrar mais pontos ou milhas para se venderem passagens.

A 123 também esperava um aumento das vendas de produtos atrelados à viagem (hospedagem, passeios), mas só 5% dos clientes fizeram isso.

Por fim, com o aumento da taxa de juros encareceu a antecipação de recebíveis, de 0,3% ao mês em 2021 para 1,5% mensais.

Por isso, a empresa disse no documento que se viu impossibilitada de emitir passagens compradas no Promo123.

Porém, a companhia alegou no pedido de RJ que a crise que enfrenta é passageira e que sua viabilidade econômica é “cristalina”.

O que acontece agora?

A 123milhas tem prazo de 180 dias para apresentar um plano de recuperação judicial, que precisa ser aprovado pelos credores e pela Justiça.

Até lá, clientes que compraram produtos pelo programa suspenso pela plataforma precisarão recorrer à Justiça para requererem um ressarcimento.

Para quem pretende usar esse caminho ou já o fez, as estimativas dos especialistas consultados pela Inteligência Financeira não são boas.

Eles estimam que a empresa deve sugerir um desconto da ordem de 80% ou mais para conseguir pagar todos os credores e seguir funcionando.

Consultada, a 123milhas não respondeu a um pedido de comentário até a publicação desta reportagem.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

Mais em Dívidas


Últimas notícias

VER MAIS NOTÍCIAS