Análise: Ambiguidades na política de combustíveis

Governo teve postura errática nesse tema e não mostra claramente o que fará caso seja reeleito, diz Fabio Graner, do JOTA

Painel mostra preços de combustíveis em posto (Foto: Brenno Carvalho/O GLOBO)
Painel mostra preços de combustíveis em posto (Foto: Brenno Carvalho/O GLOBO)

O novo presidente da Petrobras, Caio Paes de Andrade, tem dado sorte com a mudança nos ventos do preço do petróleo no exterior. Desde que o ex-secretário do ministro Paulo Guedes assumiu o posto, em 28 de junho, o petróleo tipo brent, principal referência, já caiu mais de 20% e o real teve uma discreta valorização ante o dólar.

Assim, a Petrobras passou a trabalhar nas últimas semanas com preços de combustíveis no Brasil superiores aos praticados nos mercados externos, situação inversa ao que ocorreu ao longo de praticamente todo o primeiro semestre. Nesse quadro, Paes de Andrade, cuja missão era garantir que não houvesse mais anúncios de altas de preços pela Petrobras até outubro, está sendo célere em entregar reduções nos valores praticados pela estatal ao vender gasolina e diesel.

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A situação dos combustíveis revela a ambiguidade do governo nesse tema. O Planalto passou meses tentando se dissociar da alta de preços, jogando a culpa na guerra na Ucrânia, nos efeitos da pandemia e nos governadores. Agora, tenta se mostrar como salvador da pátria e defensor da população ao reduzir preços.

É verdade que a atuação do Planalto em parceria com o Congresso, motivada por mero cálculo eleitoral de quem via suas chances de reeleição se esvair, foi decisiva para uma queda mais acentuada nos valores para o consumidor final. Mas parte importante do recuo recente se deve simplesmente à virada nos preços internacionais do petróleo e na melhora da taxa de câmbio, determinadas por fatores completamente alheios à vontade de Bolsonaro – principalmente o cenário de desaceleração/recessão na economia mundial.

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A dubiedade do governo no tema da Petrobras não para por aí. Quando assumiu a pasta de Minas e Energia, o ministro Adolfo Sachsida defendeu abertamente a privatização da estatal, pública e internamente. Bolsonaro, de fato, chegou a encampar o discurso de privatização, mas, de olho nas urnas, partiu para o ataque aberto ao colocar Paes de Andrade no cargo e nomear novo conselho, dando um basta na autonomia da empresa. Além disso, o programa de governo apresentado ao TSE não faz qualquer menção à hipótese de privatização, indicando que o apoio presidencial à ideia não é tão certo.

A minuta de projeto de lei para o Congresso autorizar a futura privatização da empresa tem andado na área técnica, mas algumas fontes graduadas apontam poucas chances de algo ser enviado antes das eleições, dada a sensibilidade política do tema.

Nesta semana, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) criticava duramente uma minuta de proposta que indicava a possibilidade de privatização por meio da conversão de ações preferenciais em ordinárias. Essa medida diluiria a participação da União na empresa ao ponto de perda de controle. E na leitura da PGFN, esse caminho seria como fazer uma doação a acionistas privados, sem que a União recebesse nada por isso.

O JOTA confirmou a existência do parecer e o teor crítico à versão do projeto que foi enviada para análise da procuradoria. O vazamento desse documento, que era sigiloso, causou mal-estar no governo, com a leitura também de que seu conteúdo poderia ter sido diferente, na linha mais de se colocar dúvidas a quem elaborou o desenho e com um tom menos agressivo.

Interlocutores ouvidos pelo JOTA apontam que o modelo proposto com a conversão preferenciais em ordinárias considera um cenário de forte valorização das ações e que a União teria muito lucro com isso. Além do mais, explicam algumas fontes, incluiria a obrigação de venda de partes da empresa para que não se trocasse um monopólio público por um privado. Ainda faltam muitas informações sobre o tema, mas a ideia de uma privatização sem ônus para os acionistas privados realmente soa como escandalosa e o parecer da PGFN é um importante alerta.

Em outra ambiguidade, o governo também fala muito em promover mais concorrência no setor, mas até agora não lançou para o Congresso seu projeto que forçava a Petrobras a abrir seus dutos para concorrentes, entre outras medidas que tecnicamente estão avançadas desde o início do ano.

A realidade é que o governo teve uma postura muito errática nesse tema dos combustíveis nos últimos anos. E não mostra claramente o que fará caso seja reeleito, apesar de alguns sinais de que pode avançar na ideia de privatização. Nas principais candidaturas de oposição, do ex-presidente Lula (PT) e de Ciro Gomes (PDT), o sinal é de clara intervenção na política de preços, com o fim do PPI e uma postura mais vinculada aos custos internos de produção da empresa.

O tema é muito complexo, com uma série de implicações. Seria bom que a sociedade efetivamente discutisse esse tópico com a profundidade que ele merece, afinal, combustíveis mexem com a vida de todo mundo.

(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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