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Análise: Carta de Lula reforça convicções sobre papel do estado e promete responsabilidade fiscal
Perto do fim da campanha eleitoral e do último debate antes do segundo turno, o ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) divulgou o documento “Carta para o Brasil do Amanhã”, que tem bastante destaque para temas econômicos.
Claramente é um programa que não abandona convicções de uma esquerda trabalhista e com uma visão de que o estado tem papel relevante e ativo no desenvolvimento econômico.
Lula defende a correção real do salário mínimo em todos os anos e o reforço do Auxílio Brasil com dinheiro extra para quem tem filhos. Aponta para um maior protagonismo dos bancos públicos, especialmente o BNDES, no crédito e também destaca a importância de empresas estatais, como Petrobras. Fala também de retomar o Minha Casa Minha Vida, programa habitacional que foi sendo esvaziado desde Michel Temer e depois substituído pelo Casa Verde-Amarela de Jair Bolsonaro (PL).
E retoma a ideia de PAC, que começou em seu segundo mandato, além do conceito de se fortalecer o parque produtivo nacional e de substituição de importações em setores. Também defende que gastos com educação sejam tratados como investimentos.
Ao mesmo tempo em que elenca uma série de medidas que devem pressionar o lado da despesa, Lula faz questão de manifestar um compromisso com a responsabilidade fiscal. Nesse sentido, lembra que em seu governo a dívida pública caiu. A solução parece que precisará vir do lado da receita, para o qual há uma promessa de reforma tributária e uma aposta implícita na retomada de crescimento mais forte.
No fim das contas, lembra a tônica de sua gestão entre 2005 e 2008, antes da crise do Lehman Brothers — embora alguns setores mais ligados à ortodoxia digam criticamente que a carta aponta mais para o governo Dilma Rousseff.
O ex-presidente não diz qual será a âncora para orientar a gestão das contas públicas caso confirme seu favoritismo. Um ponto curioso é que, apesar de sinalizar uma nova regra fiscal, não há uma menção explícita a revogar o teto de gastos, que estava presente no documento de diretrizes divulgado no início da campanha e que foi tantas vezes repetido em discursos e entrevistas de Lula.
“A política fiscal responsável deve seguir regras claras e realistas, com compromissos plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação”, ressalta o documento.
O documento também defende “debate tripartite (governo, empresários e trabalhadores) para construir uma Nova Legislação Trabalhista que assegure direitos mínimos — tanto trabalhistas como previdenciários — e salários dignos, assegurando a competitividade e os investimentos das empresas”. Aqui a mira não explicitada é principalmente o trabalhador de aplicativos, que hoje carece de proteção social.
A ideia de diálogo com várias alas da sociedade está presente em grande parte da carta. E isso se manifesta concretamente, por exemplo, com a incorporação de ideias de Simone Tebet, entre elas a bolsa estudante para quem concluir o ensino médio e a igualdade de salários entre homens e mulheres, além de manifestar o compromisso com a responsabilidade fiscal. O time da ex-candidata, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, calcula que seis propostas dela foram incorporadas ao documento.
A carta também procura demarcar diferenças importantes com o presidente Jair Bolsonaro, seu concorrente. Nesse sentido, a disputa vai além do campo econômico. Lula defende revogar decretos e portarias sobre acesso irrestrito às armas, combate ao feminicídio que estaria em crescimento e à violência contra a juventude negra. Além disso, destaca que o “compromisso estratégico é buscar o desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica”.
Difícil prever se a divulgação da carta terá alguma consequência prática. De qualquer forma, deixa mais clara a direção de um eventual governo Lula.
(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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