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Análise: Contribuição da soft regulation para a sustentabilidade ambiental
O Estado regulador deve funcionar de maneira a atenuar ou eliminar as falhas de mercado e, para tanto, publica regulações sobre os mais diversos assuntos. Essas regulações estatais promovem mudanças em como as pessoas vivem em sociedade e se caracterizam por serem regras formais, o que na literatura econômica chama-se de instituições.
Por conta das consequências da matriz institucional no desenvolvimento econômico é que se torna fundamental o cuidado com as ações oriundas do Estado. A importância de se debruçar sobre uma regulação e seus resultados reside no fato de que há perdas significativas que podem acontecer caso a formulação das regras não atenda ao planejado, gerando incentivos errados para a sociedade.
Ante essa perspectiva, juntamente com a necessidade de promover intervenções governamentais com menos efeitos colaterais, ganham destaque novas alternativas de intervenção estatal como a soft regulation — regulação que acontece por meio de instrumentos não vinculativos.
Na área ambiental, muitas questões são resolvidas por meio de mecanismos de negociações em vez de algum tipo unilateral de resolução. Tal cenário propicia a possibilidade de utilização de mecanismos regulatórios inovadores, que incentivem a iniciativa privada a contribuir com a sustentabilidade do meio ambiente.
A soft regulation pode propiciar uma melhor matriz regulatória, pois consiste em medidas não cogentes, propostas usualmente sem formalismos procedimentais (desde que não ultrapassem os limites das previsões legais), e prescindem de fiscalização estatal ou de aplicação de penalidades em caso de descumprimento. Logo, o custo para sua implementação tende a ser menor do que o de uma regulação tradicional.
É importante que a regulação estatal encontre o equilíbrio entre a necessidade de solução do problema e a medida ideal para intervir de maneira satisfatória. Nesse sentido, a soft regulation se apresenta como interessante alternativa à regulação tradicional que merece ser considerada no desenho das intervenções estatais, conforme dissertam Melo e Meneguin.
Apesar de não haver definição expressa na doutrina, pode-se considerar soft regulation como uma forma regulatória editada pelo Estado que não exige comando e controle, sendo aplicada por meio de diversos instrumentos sem força normativa cogente. A soft regulation pode anteceder, complementar, suplementar ou substituir a regulação tradicional, a depender da necessidade e do contexto, como mais uma alternativa para minimizar um problema regulatório.
Um dos benefícios que podem advir com a utilização de soft regulation é o fato de que ela consegue contribuir com um sistema regulatório menos inflado e, consequentemente, de maior compreensão pelos entes regulados, com redução dos custos de transação. Outro ponto positivo decorre de que a soft regulation desempenha uma função de orientação, com o propósito de coordenação entre os reguladores e os regulados, apresentando indiscutível vantagem de garantir a flexibilidade e rapidez necessárias nas áreas reguladas.
Em suma, a literatura defende como vantagens dos instrumentos de soft regulation: adaptabilidade e flexibilidade às situações que se impõem; rapidez e menos custo para elaboração e implementação; mais assertividade e eficiência diante do problema regulatório; capacidade de influenciar e orientar pedagogicamente os regulados a comportamentos desejados.
Entre vários exemplos, podemos citar uma aplicação concreta da soft regulation para a sustentabilidade ambiental, que vem gerando resultados positivos recentemente.
Trata-se da Taxonomia Verde da Colômbia. De acordo com o relatório “Global green taxonomy development, alignment and implementation”, uma taxonomia verde é “um sistema de classificação que identifica atividades, ativos e segmentos da receita que cumpram as principais metas de sustentabilidade com base na elegibilidade de condições estabelecidas pela taxonomia.” As taxonomias são desenvolvidas para trazer clareza e orientação ao mercado financeiro, ajudando investidores e empresas a identificar atividades verdes e tomar decisões informadas sobre atividades econômicas sustentáveis. Uma taxonomia verde ajuda os reguladores e investidores a reduzirem os riscos de greenwashing[4], e assim melhorar a integridade e reduzir os custos de transação no mercado financeiro sustentável.
Em 2012, a Climate Bonds Initiative (CBI), organização sem fins lucrativos com foco no investidor, elaborou a primeira taxonomia verde global, criando critérios voluntários para setores da economia de maneira a identificar atividades, ativos ou projetos elegíveis para uma emissão de dívida verde. Em seguida, diversos países e jurisdições entenderam a necessidade por tal instrumento e começaram a desenvolver suas taxonomias locais.
A Taxonomia Verde da Colômbia, lançada em abril de 2022, tem como principal objetivo apoiar a correta identificação e avaliação das atividades e ativos econômicos que contribuem substancialmente para a realização dos objetivos e compromissos ambientais ratificados pelo país, promovendo a mobilização de recursos públicos e privados para investimentos sustentáveis. Ela também serve para facilitar a classificação de instrumentos financeiros verdes alinhados com a execução de objetivos ambientais do país.
A taxonomia colombiana está diretamente vinculada aos sistemas de monitoramento do gasto público, ajudando também a acompanhar investimentos privados em torno de sete objetivos ambientais: economia circular, mitigação das mudanças climáticas, prevenção e controle da contaminação, adaptação às mudanças climáticas, conservação dos ecossistemas e da biodiversidade, gestão hídrica e gestão do solo. Ou seja: a principal meta da criação da taxonomia verde da Colômbia era apoiar o governo daquele país a reduzir emissões de gases poluentes em suas atividades econômicas e a mitigar as ações da mudança do clima.
A taxonomia verde da Colômbia é um exemplo de como uma soft regulation pode tornar-se um aliado essencial no desenvolvimento de políticas efetivas em prol do meio ambiente ao promover o financiamento de atividades econômicas com uma externalidade ambiental positiva. Como mencionado anteriormente, as soft regulations têm aplicação voluntária, porém ajudam a guiar os diferentes atores em torno de marcos e boas práticas já testadas, ou definidas de forma a serem o mais efetivas possível. No caso das taxonomias, os ministérios da área econômica habitualmente lideram as discussões e participam no estabelecimento dos critérios, porém não interferem na aplicabilidade da classificação, pois os grupos de trabalho são formados por participantes de todas as esferas, tanto pública quanto privada. Trata-se de clara ação não cogente do Estado que direciona ações do setor privado.
Em síntese, soft regulation é uma forma de regulação que pode compor um desenho regulatório e dar a ele um caráter mais responsivo. Vários instrumentos podem ser usados pelo poder público nesse sentido, tais como programas de incentivos ou guias orientativos e procedimentais, que não carreguem força cogente, mas que sejam editados pelo Estado de maneira a envolver os interessados na construção de um desenho regulatório mais adaptável à realidade, com os incentivos certos. Não se trata de uma panaceia para todo problema regulatório, mas se apresenta como uma alternativa funcional e adaptável ao caso concreto por meio de medidas não intrusivas que podem anteceder, substituir ou complementar a regulação tradicional ou ser um fim em si mesmas. Espera-se que sua utilização seja mais disseminada, especialmente na área ambiental.
(Por Fernando Meneguin, consultor legislativo do Senado Federal na área de microeconomia aplicada, professor dos mestrados de Economia e Administração Pública do IDP/Brasília e líder do grupo de estudos em direito e economia GEDE/UnB-IDP); e Marina Barki, pós-graduada em políticas públicas e gestão pelo IDP)
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