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Análise: Eleição no Congresso testa presidencialismo de coalizão pretendido por Lula
O governo deu fim ao “terceiro turno presidencial” com a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao comando do Senado, mas a dinâmica da campanha jogou pressão sobre a articulação política para ampliar a promessa de cargos que poderiam virar moeda de troca para a relação com a Câmara dos Deputados, que deu a maior votação da história ao atual presidente, Arthur Lira (PP-AL).
A ordem no Planalto é dissociar os rumos da governabilidade do desfecho de uma disputa secreta. Em outras palavras, o discurso é de que o placar apertado da vitória de Pacheco não reflete o tamanho da base de Lula no Senado. “A base pode ir além dos 49 [votos dados a Pacheco]. Quarenta e nove é o ponto de partida”, defendeu o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Mas as sinalizações de bastidor apontam em outra direção.
No caso da Câmara dos Deputados, dias antes da eleição, Lira foi chamado para uma conversa com o presidente Lula. O encontro, o mais longo entre os dois desde o início do governo, foi considerado positivo pela liderança do centrão. A pessoas próximas, Lira tem sintetizado a relação entre os dois Poderes como ‘trabalhosa’.
A avaliação é de que o fim do orçamento secreto e as escolhas de Lula para a composição ministerial, insuficientes para garantir uma base larga entre deputados, desarrumaram a relação e vão exigir ajustes importantes.
Essa recomposição de pontes, a partir de hoje, será intermediada pelo presidente da Câmara, o que significa que as condições de governabilidade passarão pelo alagoano, e vão custar um preço alto em termos de acomodação de cargos.
A fatura será alta, mas a forma como Lira pavimentou a expressiva votação é mais um indicativo da fama que carrega no plenário da Casa de cumpridor de acordos.
Isso ajuda a explicar ainda porque demais cargos estratégicos, como presidência de comissões, devem seguir um perfil mais “neutro”, de forma que Lira, mesmo sem o controle do orçamento secreto, possa seguir atuando como bússola, administrando o ‘timing’ das discussões — papel que poderá ser confundido tanto com atribuições de uma liderança do governo ou, eventualmente, da oposição.
Essa prerrogativa, no entanto, não vai ser confundida com o trabalho de articulação política que o Planalto terá de fazer. A priori, o clima é de colaboração. O trio PP-PL-Republicanos que, somado, representa 187 deputados, já indicou disposição em ceder cerca de 70 votos no início da relação com o governo, desde que a oferta de espaços na máquina seja concretizada.
A primeira sinalização do clima amistoso deve vir na reforma tributária, agenda prioritária de Lula. Nos próximos dias, Lira pretende oficializar o nome do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) na condução dos trabalhos. Durante a gestão de Rodrigo Maia, a atuação como relator da matéria o aproximou do atual secretário especial da Fazenda, Bernard Appy.
Mas há um caminho longo de diálogo com deputados para que a sintonia reflita em ambiente favorável a uma discussão abrangente de simplificação de impostos. Até porque, sendo a agenda prioritária do primeiro ano do governo, a tendência é que lideranças políticas ofereçam dificuldades no início da discussão para conseguirem a liberação de verbas extras aos seus redutos eleitorais.
O peso de Lira no caminho parece ter sido compreendido inicialmente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Ele vem antecipando ao presidente da Câmara os passos que pretende dar antes de oficializar os anúncios, como no caso da MP que devolveu o voto de qualidade do Carf.
Haddad também fez chegar aos ouvidos de Lira a intenção de aprovar a simplificação de impostos antes do novo arcabouço fiscal. O ministro, no entanto, ouviu que o prazo sugerido, de abril, é bastante ousado.
Se o centrão, personificado na maiúscula vitória de Lira, acena de forma amigável à agenda governista no curto prazo, no Senado, o bloco fisiológico ensaia um enfrentamento mais duro.
A lista de ex-ministros bolsonaristas, como Ciro Nogueira (PP-PI), Rogério Marinho (PL-RN) e Tereza Cristina (PP-MS), embora não tenha perfil para oposição, tem sinalizado que pretende trabalhar para evitar a descontinuidade da agenda simbolizada pelo ex-presidente da República, ao menos em temas ligados ao agro e à economia.
Há interesse em absorver, sobretudo, o vácuo que uma eventual inelegibilidade de Bolsonaro deixaria do ponto de vista eleitoral. A atração desses votos exigiria, portanto, a “construção de uma narrativa”, expressão que Lula vem usando em conversas para simbolizar que “apenas” governar bem não será suficiente para reduzir a força do bolsonarismo mais ideológico. É esse ponto em comum que o governo pode aproveitar.
Lições da eleição no Congresso
A recondução de Pacheco também mostrou que será preciso reorganizar a relação com o Senado para descentralizar a influência do ex-presidente da Casa Davi Alcolumbre, “padrinho” dos ministros Juscelino Filho, das Comuniçações, e Waldez Góes, da Integração Regional. O peso do senador do Amapá quase custou a reeleição do político mineiro, exemplificado na divisão de votos nas bancadas do PSD e União Brasil.
O erro do governo em ceder espaço demais ao aliado antes do diagnóstico oferecido pelo desfecho da disputa já seria razão suficiente, apontada em conversas de bastidores, para senadores apostarem em alterações ministeriais e nos postos de liderança do Executivo no Congresso, todos concentrados nas mãos do PT.
Se souber enxergar as lições oferecidas na abertura do ano Legislativo, tudo indica que Lula não terá dificuldades na relação no curto prazo.
Desde o fim do orçamento secreto imposto pelo Supremo Tribunal Federal , o presidente da República tenta retomar as bases do presidencialismo de coalizão. Mas, ao colocar um pé em cada canoa, na postura antagônica desempenhada na disputa das Casas, o centrão renova o interesse por um semipresidencialismo informal vigente no país desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT).
O apoio fisiológico é pressuposto para o início da relação, mas a durabilidade vai depender das respostas que o Planalto dará aos problemas do país.
(Por Bárbara Baião, analista de Política do JOTA em Brasília)
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