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Análise: Licença para gastar coloca à prova capital político de Alckmin
A despeito do avanço administrativo da transição e do “tapete vermelho” estendido pelo establishment ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a agenda adotada pelo presidente eleito para sublinhar seu compromisso com os gastos sociais em detrimento da percepção de risco fiscal fez uma vítima no núcleo-duro da nova gestão antes mesmo da posse.
Chefe do gabinete transitório e avalista da ‘moderação’ lulista na campanha, o vice eleito Geraldo Alckmin (PSB) tem atuado nos bastidores para reafirmar sua confiança na responsabilidade do petista com as contas públicas, mas sofre reveses sucessivos na missão de endossar o programa econômico do novo governo.
O ex-tucano iniciou a montagem dos grupos técnicos que cuidarão do diagnóstico setorial que norteará o organograma da nova Esplanada dos Ministérios sem conseguir ocupar espaço político entre os líderes petistas que fazem uma espécie de ‘cordão de isolamento’ ideológico na agenda de transição, tendo à frente os ex-ministros Aloizio Mercadante, Gleisi Hoffmann e o ex-governador Wellington Dias, senador eleito pelo Piauí.
Com número exíguo de cargos, Alckmin é alvo permanente do apetite do PT por espaço político. Ele conseguiu nomear três nomes de seu grupo para as tarefas burocráticas e executivas do período —o ex-deputado Floriano Pesaro, o ex-secretário Márcio Elias Rosa e o advogado Pedro Guerra—, mas os três são estranhos no ninho em se tratando da máquina federal de Brasília.
De olho na formação de equipes para primeiro, segundo e terceiro escalões, dezenas de petistas de todas as alas se instalaram nos gabinetes do Centro Cultural Banco do Brasil como ‘voluntários’, reduzindo a margem de manobra do ex-governador paulista.
Neófito na coalizão liderada pelo PT, Alckmin depende cada vez mais da validação de Lula para tomada de decisões e sua autonomia é questionada com frequência pelos novos aliados.
A situação piorou com a declaração de Lula, segundo quem o vice eleito “não precisa de um ministério” pela natureza do cargo que ocupa —que é, na verdade, de expectativa. A interpretação da fala do petista no CCBB foi a de que Alckmin acabará ficando “sem caneta” na administração, o que diminuiria seu poder de fogo político.
Na sequência, antes de viajar para o Egito, o presidente eleito fez uma palestra de mais de uma hora para parlamentares durante a qual exagerou nas expressões críticas ao mercado e sinalizou fortemente que fará um governo voltado para os investimentos públicos, quase num convite ao Congresso para liquidar de vez com o teto de gastos.
Coube a Alckmin dar uma entrevista no mesmo dia, durante a qual cuidou de repetir que o novo chefe será fiscalmente responsável, pois fez superávit primário em todos os anos de sua primeira passagem pelo Planalto.
Alckmin passou, então, a se expor nas tratativas da PEC da Transição, que permitirá a Lula implantar os programas sociais prometidos durante a campanha e reajustar o salário mínimo acima da inflação.
Em mais de uma ocasião, contudo, viu os colegas petistas Mercadante e Dias assumirem a dianteira da preparação do texto-base da proposta e as negociações com o Congresso.
Efeito Arida
A intervenção se fez necessária, pois o ambiente de tensão com a alta do dólar e a queda da Bolsa deixou em segundo plano um dos principais conselheiros econômicos do vice eleito, o economista Pérsio Arida, nomeado para a equipe de transição e visto pelo mercado como um “ministro dos sonhos” da Fazenda. Arida é apontado no PT como nome da cota pessoal alckmista no time econômico que prepara as bases de formulação do novo governo.
A participação oficial do ex-banqueiro que atuou na gestação do Plano Real foi bem absorvida pelos agentes econômicos, mas a ideia de que ele foi ignorado pelos políticos que redigiram a minuta da PEC o enfraqueceu na configuração da gestão Lula 3, a ponto de circularem especulações sobre sua eventual saída do projeto. Arida, ressaltam interlocutores próximos, aceitou convite com o endosso de Alckmin e tem relatado desconforto com a retórica beligerante de Lula nas três primeiras semanas após o desfecho do processo eleitoral.
O gesto mais simbólico que abala a credibilidade de Alckmin como avalista de Lula, contudo, foi sua ida ao Congresso na noite de terça-feira para apresentar pessoalmente ao comando da Câmara e do Senado a minuta de uma proposta de emenda constitucional que elevou substancialmente o risco fiscal ao demandar dos parlamentares: 1) mais dinheiro que o esperado fora da regra do teto para dar contas dos compromissos sociais de campanha; 2) prazo indeterminado para exclusão desse tipo de despesa do arcabouço fiscal vigente; 3) brecha para usar mais de R$ 22 bilhões em investimentos públicos, também fora do teto para o primeiro ano de governo.
A mensagem embutida na PEC, por si só, já representava uma ‘licença para gastar’ maior que a imaginada pela elite do sistema financeiro. Parcela importante desse segmento aderiu a Lula na reta final da campanha com lastro no currículo de Alckmin, um contumaz fechador de torneiras dos cofres públicos enquanto governador da mais rica unidade da Federação.
Não bastasse o texto da proposta, Lula voltou a falar nesta quinta-feira (17) sobre sua indiferença à cotação do dólar e à reação do mercado quanto aos gastos sociais para combater a pobreza.
Com a condição de homem-forte do futuro governo em xeque, Alckmin procurou conceder entrevistas para acalmar o mercado e sinalizar duas agendas que seriam bem recebidas pelos operadores econômicos: a criação de uma regra fiscal infra constitucional e o peso político do governo Lula na reforma tributária para recompor o quadro de receitas e melhorar o ambiente de negócios.
Mais uma vez, a vocação de Alckmin para bombeiro da responsabilidade fiscal está colocada à prova. Caberá a Lula, voltando da viagem à COP, reconstruir a blindagem política a seu vice e, quem sabe, reposicioná-lo no radar para um papel de relevo no futuro governo.
(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)
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