Análise: Nas redes sociais, tiros de Roberto Jefferson saíram pela culatra

Ataque aos agentes da PF reforça a percepção de que os apoiadores do presidente podem recorrer à violência, diz Iago Bolívar, no JOTA

Roberto Jefferson chega ao Rio após ser preso (Imagem: Reprodução/TV Globo)
Roberto Jefferson chega ao Rio após ser preso (Imagem: Reprodução/TV Globo)

Nas redes bolsonaristas, Roberto Jefferson passou no domingo, em poucas horas, de “soldado patriota” para um criminoso ligado ao PT. O comportamento dos apoiadores e do próprio presidente no episódio dá sinais de como funciona a sua rede e do que esperar nos últimos dias de campanha, após um fim de semana em que ele ganhava de goleada no ambiente digital — até começarem os tiros.

Logo após a notícia, as redes bolsonaristas entraram em pane. Não é a primeira vez que isso ocorre após episódios potencialmente negativos, e é importante entender que não se trata de uma falha, mas de uma funcionalidade desse ecossistema. Em episódios como o do canibal, a pane se manifestou pelo silêncio. O mandamento é não espalhar a mensagem do adversário, sem que haja um antídoto. Desta vez, a característica foram as interpretações divergentes. E o que parece contradição funciona mais como um teste prévio de narrativas.

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As primeiras manifestações de apoiadores foram de defesa de Jefferson contra a “censura” do STF. A mensagem símbolo foi do deputado Otoni de Paula, que em vídeo muito compartilhado disse que havia falado com a assessoria do presidente e que fora informado de que Bolsonaro mandaria o Exército para salvar a vida de Jefferson. Já o presidente agiu rápido, para moldar a percepção, deixando abertas as possibilidades: publicou, às 13h40, no Twitter, um repúdio, no mesmo nível, às atitudes de Jefferson e ao que chamou de “inquéritos sem respaldo na Constituição”.

A partir daí, as mensagens dos apoiadores se dividiram entre atacar o STF e a “censura” e distanciar Jefferson da campanha e de Bolsonaro, apresentando-o como uma figura de menor importância. Menos de seis horas depois, após milhares de postagens de apoiadores em várias direções, Bolsonaro voltou às redes, com outro tom, e chamou Jefferson de criminoso. Em vídeo, o presidente diz que ele próprio havia determinado a prisão do ex-deputado ao ministro da Justiça. Já não era mais o “Xandão” o responsável por uma prisão ilegal de um patriota, mas o próprio Bolsonaro que defendia a PF de um bandido.

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Jefferson virou, então, nos grupos, um infiltrado, um aliado histórico do PT. Bolsonaro disse que não havia nenhuma foto sua com o petebista. A concessão de alguns apoiadores foi dizer que o ex-deputado talvez estivesse com problemas mentais, com doença terminal ou sob grande stress. Fica claro mais uma vez que não se trata de o presidente ganhar ou perder votos dentro da sua bolha, mas de que seus apoiadores participam ativamente desse ecossistema digital, no qual se abastecem para a disputa de narrativas nos grupos de família e nas redes em geral. Em resumo, as linhas de ataque na manhã desta segunda foram:

  • Jefferson não é apoiador de Bolsonaro. E, se for, não é próximo. Processou Bolsonaro este ano. Era aliado de Lula. Talvez seja infiltrado.
  • Foco na “censura”. O STF está censurando apoiadores do presidente. As pessoas podem chamar a filha do presidente de prostituta, mas não podem dizer o mesmo de Carmen Lúcia.

O Jefferson não bolsonarista preso por ordem de Bolsonaro e o Jefferson censurado ilegalmente por defender Bolsonaro têm pessoas diferentes ao longo das últimas horas, mas existem ao mesmo tempo, e há nisso uma lógica interna não contraditória para os seguidores do presidente.

Essa lógica está sendo reforçada por veículos como a Jovem Pan, que liga o episódio à principal linha do veículo na última semana, a alegação de que estaria sob censura. As primeiras indicações, no monitoramento de grupos não políticos feito pelo JOTA, é de que a estratégia não está sendo bem sucedida. A atitude de Jefferson reforça a percepção de que os apoiadores do presidente podem recorrer à violência. E de que esse tipo de atitude não é de quem está à frente na disputa.

Ao mesmo tempo, os desmentidos de proximidade entre o presidente e Jefferson são facilmente desmentíveis. Em face dessa percepção, o assunto Jefferson tem começado a perder espaço nas redes bolsonaristas, que busca novos temas. Um dos sinais desse movimento foi o tempo dedicado pela Record na noite de domingo ao episódio: menos de um terço do que foi dado a uma matéria sobre a ditadura de Ortega na Nicarágua, tema constante de críticas de Bolsonaro a Lula.

O aspecto mais negativo para Bolsonaro é que antes do ataque de Jefferson aos policiais, a campanha de reeleição estava levando vantagem neste fim de semana. Foi um claro fracasso a escolha de Lula de participar de uma live no Facebook com André Janones, na noite em que Bolsonaro foi entrevistado no SBT, no que seria o debate entre os dois. A live alcançou só 87 mil usuários simultâneos. Já Bolsonaro participou de uma super live no Youtube com personalidades incluindo cantores sertanejos e Neymar, com picos de 1 milhão de acessos simultâneos.

Como tem sido frequente, os dados positivos nas redes para Lula vieram de erros do outro lado. Além do episódio de Jefferson, uma montagem feita por apoiadores de Bolsonaro, que mostraria o influencer e streamer Casimiro apoiando o atual presidente, foi compartilhada por Flávio Bolsonaro e levou ao principal ganho digital da campanha petista neste ano. Talvez a figura de maior influência entre homens jovens no ambiente digital, Casimiro vinha resistindo a pressões para declarar abertamente apoio a Lula, embora, de passagem, falasse em suas lives contra Bolsonaro.

Mas após a montagem, ele tuitou o repúdio à mentira e declarou voto em Lula. A publicação já era a de maior número de curtidas em todo o ciclo eleitoral. Depois que esses números ficaram evidentes, apoiadores de Lula começaram uma campanha de likes que a tornou a mais curtida da história no Brasil. É uma demonstração de força, em um público baixo grau de politização, jovens, até 25 anos, fãs de futebol, games e humor.

Mais uma vez, o fim de semana reforça o padrão das duas campanhas: uma rede bolsonarista forte, orgânica, que tende à coesão. E uma campanha de Lula errática nas redes, dependente das estratégias oscilantes de Janones, e de apoios incertos de influencers que usem a suas redes para compensar a ausência de uma rede própria. E, assim como no caso das meninas venezuelanas, veio do outro lado o socorro ante à própria descoordenação à esquerda. É um quadro que dá nessa reta final a iniciativa a Bolsonaro. Para o seu bem e o seu mal.

Uma nota final sobre a posição de Jefferson no espectro bolsonarista. Ele ocupa agora o lugar que já foi de Sara Geromini, de Oswaldo Eustáquio, Zé Trovão e Allan dos Santos: o de ultrabolsonarista que força os limites institucionais e desafia o sistema para levar o presidente, na prática, até os limites lógicos de sua retórica. Enquanto o presidente alude em termos incertos à interpretação ilógica de que o artigo 142 da Constituição lhe daria poderes para liderar uma intervenção militar, eles pedem abertamente o fechamento do Supremo Tribunal Federal.

O presidente pode dizer que foi alvo de uma notícia-crime de Jefferson, e por isso não pode ser seu aliado, mas o pedido de Jefferson era para que Bolsonaro fizesse, afinal, a intervenção militar que ele e seus filhos mais de uma vez defenderam. São figuras importantes para ao mesmo tempo manter uma franja radical mobilizada, pronta para ação, com organização não oficial, e facilmente negável, se preciso. E, ao mesmo tempo, permitem que o presidente e seus apoiadores mais convencionais possam ser identificados com posições mais ao centro. Sem uma alternativa à direita viável, tendem a ser abandonados sem abandoná-lo, em uma dança de rompimentos e aproximações.

(Por Iago Bolivar, jornalista e consultor digital)
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