Brasil assume ônus de desgaste interno com trabalho de mediação na Venezuela

Em uma aposta arriscada, Brasil de Lula pretende liderar um espaço de mediação entre chavismo e oposição e, para isso, prioriza manter canais de diálogo com os dois lados em disputa

Nos dias posteriores à divulgação do resultado da eleição presidencial na Venezuela por parte do Conselho Nacional Eleitoral (CNE, controlado pelo chavismo), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — único da região que teve um representante de alto nível em Caracas no dia do pleito, o assessor especial da Presidência Celso Amorim — mergulhou num esforço de articulação com Colômbia e México que tem, como objetivo principal, evitar a ruptura com o Palácio Miraflores.

O Brasil de Lula pretende, em palavras de fontes diplomáticas, “liderar um espaço de mediação” entre chavismo e oposição e, para isso, prioriza manter canais de diálogo com os dois lados em disputa. É uma aposta arriscada, num cenário no qual surgem cada vez mais dúvidas sobre a legitimidade do resultado proclamado pelo CNE.

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Some-se a isso as declarações do presidente brasileiro minimizando a crise, seu alinhamento histórico com o chavismo e um polêmico comunicado do Partido dos Trabalhadores (PT) que causaram incômodo no Itamaraty e estupor em governos vizinhos.

Caminho difícil

O governo brasileiro é ciente de que escolhe um caminho difícil, admitem as fontes oficiais consultadas. Em meio a tropeções de Lula, que afirmou na terça-feira, antes mesmo de reunir-se com Amorim, que não havia “nada de anormal” no processo eleitoral venezuelano, a assessoria internacional do presidente e o Ministério das Relações Exteriores encararam uma maratona de conversas com quase todos os governos da região — amigos e no muy amigos — para tentar iniciar um caminho que leve a um eventual processo de mediação.

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Os contatos com as Casa Branca são frequentes, e o governo brasileiro foi informado 48h antes da divulgação do comunicado do Departamento de Estado que o governo do presidente Joe Biden diria, através do secretário de Estado, Antony Blinken, que “a oposição democrática publicou mais de 80% das atas de contagem recebidas diretamente das seções eleitorais em toda a Venezuela.

Essas atas indicam que Edmundo González Urrutia recebeu a maioria dos votos nessa eleição por uma margem intransponível”. Representantes de Lula afirmaram a interlocutores da administração Biden que consideravam essa posição errada, mas, cientes da relação próxima do governo americano com a líder opositora María Corina Machado, sabiam o que estava por vir.

O problema para o Brasil é que os tempos da diplomacia são lentos, e, enquanto esses esforços por impulsionar uma futura mediação acontecem, outros governos da região, entre eles Uruguai, Peru e Equador, respaldaram não apenas a denúncia de fraude do candidato presidencial e de María Corina, como afirmaram que existem elementos suficientes — as atas em poder da oposição — para reconhecer a vitória da oposição.

“A estratégia das autoridades brasileiras tem sido elogiada pela oposição venezuelana e por observadores internacionais, mas muitas pessoas no Brasil estão em dúvida se essa (aposta na mediação) é de fato a intenção do governo Lula, devido às falas do presidente afirmando que não houve problemas nas eleições e à nota do PT parabenizando Maduro pela vitória”, aponta Mauricio Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Revés atual não muda estratégia

Apesar de reconhecer o dano que as falas de Lula e o comunicado do PT causaram ao governo na frente política interna, as fontes consultadas afirmam que isso não desviou o foco do objetivo de colocar o Brasil no centro de um futuro esforço de mediação: evitar uma escalada de violência dentro da Venezuela, um rompimento com Maduro que levaria a mais isolamento na região e, consequentemente, ao fortalecimento de sua aliança com países de fora da América Latina, entre eles Rússia, China e Irã.

“O PT se apressou, foi totalmente equivocado e colocou Lula numa situação complicada. A aposta do governo é arriscada, mas, se ele abandonar a busca de uma mediação, estará abandonando uma solução que possa levar a uma transição [política na Venezuela]”, afirma Maria Regina Soares de Lima, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj) e coordenadora do Observatório Político Sul-americano (Opsa).

A especialista acredita que “o papel do Brasil é evitar a escalada do conflito”.

“É uma posição muito difícil, mas que se fortalece com a articulação com Colômbia e México. Sair da Venezuela é trazer o conflito internacional pra dentro da região, com o apoio militar que Maduro receberá de Rússia, China e Irã. Perderíamos todos, e perderia nossa política externa em termos de autonomia”, frisa Maria Regina.

Para a especialista, hoje “o Brasil não tem outra saída”. “O Brasil poderia ser bem-sucedido? Não está claro”, admite Maria Regina.

Dificuldade de consenso com Colômbia e México

Na articulação com Colômbia e México, como na região, há divergências. Os três países demoraram quatro dias para chegar a um consenso sobre um comunicado sobre a situação na Venezuela, e foi necessária uma conversa entre seus presidentes para bater o martelo. Uma das principais discussões, segundo o GLOBO apurou, foi a maneira como os três governos se refeririam à necessidade de que as atas eleitorais sejam verificadas. Brasil e México defenderam a utilização do termo “verificação imparcial”, e a Colômbia de Gustavo Petro tentou, até o último minuto, falar numa “verificação internacional”.

Na véspera do telefonema a três, Petro, comentaram fontes em Bogotá, irritou-se com a comunicação entre Lula e Biden e acabou soltando uma nota informal nas redes sociais sobre sua posição. Foram horas de tensão em meio à tentativa dos adversários mais ferrenhos que a Venezuela de Maduro tem na região (Argentina, Peru, Panamá, República Dominicana, Paraguai, Uruguai e Equador) de aprovar uma resolução na Organização de Estados Americanos (OEA).

O texto passou por diversas revisões, fontes brasileiras asseguram que o governo Lula fez concessões para que houvesse uma resolução, mas havia uma linha vermelha que não podia ser cruzada, mais uma vez, para evitar dinamitar as pontes ainda existentes com o chavismo: o pedido de uma verificação internacional das atas eleitorais, que Maduro ainda não entregou.

‘Obstáculo’

O governo Lula, em meio a críticas cada vez mais fortes dentro do país, passou a semana fazendo malabarismo para conseguir um comunicado tripartite, manter a comunicação fluida com todos os países, e também com o Palácio Miraflores e a oposição — já que precisa contar com a confiança dos dois lados.

Em novo protesto, María Corina desafia Maduro: “São capazes de tudo, mas não podem contra a nossa organização.”

Também se insere, nesse contexto, a decisão de aceitar assumir as representações diplomáticas de Argentina e Peru, países com os quais a Venezuela rompeu relações.

No caso da Argentina, o compromisso vai ainda mais longe, já que inclui tornar-se responsável por seis colaboradores da líder opositora María Corina Machado que estão refugiados na residência argentina em Caracas, apesar de o Brasil ver a líder antichavista como um dos principais obstáculos para uma solução pacífica e negociada na Venezuela.

Com esse gesto, admitiram fontes do governo, “o Brasil busca mostrar-se como um interlocutor confiável em um eventual cenário de mediação”. Em relação à Argentina de Javier Milei, o recado foi outro: “Somos o adulto na sala.”

Em Buenos Aires, analistas como Bernabé Malacalza, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet), apontam que o Brasil lidera o grupo de países que tenta promover uma transição democrática na Venezuela, algo que pode demorar meses — ou anos. Países como Argentina, Peru e EUA querem, na visão do especialista, precipitar a saída de Maduro, algo que já se tentou no passado, concluiu Malacalza, “e fracassou”.

Com informações do Valor Econômico

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