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Com estímulo de Janja, governo avança em articulação para pautar regulação das redes
O conjunto de iniciativas do governo federal adotadas com o alegado intuito de combater a desinformação e o chamado “discurso de ódio” nas redes sociais está no centro da estratégia de comunicação do Palácio do Planalto, fortemente influenciada pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.
O mutirão de órgãos do governo que transita na nebulosa linha que separa a regulação de conteúdo e práticas de plataformas digitais e a liberdade de expressão tem o objetivo evidenciar um dos temas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus ministros avaliam como decisivos nas disputas eleitorais de 2018 e 2022, bem como na desconstrução da imagem do PT na esteira da Lava Jato.
Desde janeiro, o engajamento na pauta cresce exponencialmente na Esplanada. A ofensiva foi deflagrada no início da gestão, logo após os atos golpistas, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) resolveu criar uma Procuradoria especial de “defesa da democracia”, cuja atribuição inclui “o enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”.
Na sequência, o Ministério da Justiça, capitaneado por Flávio Dino, anunciou que a Secretaria de Direito Digital, criada durante a transição, teria como foco cuidar de temas como a segurança digital e os direitos dos usuários das redes, envolvendo também crimes cibernéticos, em parceria com a Polícia Federal.
Medida provisória para tratar a regulamentação das redes
Ainda em janeiro, articuladores políticos do governo chegaram a sugerir nos bastidores a edição de uma Medida Provisória para tratar de regulamentação de redes, mas foram demovidos por lideranças do Congresso.
Responsável pela interlocução do Executivo com os deputados e senadores, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) explicou aos dirigentes partidários que fazem parte da coalizão lulista que o presidente estuda aproveitar o PL 2.630/20 (projeto de lei das fake news) para estimular o debate sobre o assunto, descartando a publicação de nova iniciativa por parte do Planalto.
O relato foi feito aos membros da base governista na primeira reunião formal do conselho político do governo, que contou com a presença de Lula.
Nos últimos dias, a articulação do governo ganhou mais força com duas agendas: a primeira foi a carta assinada por Lula e entregue à Unesco na última quarta-feira (22/2), na qual defendeu um esforço global para regulação das redes.
No documento endereçado à diretora-geral da entidade, Audrey Azoulay, o petista disse que as plataformas digitais trouxeram “riscos à democracia, riscos à convivência civilizada entre as pessoas e riscos à saúde pública”, tendo em vista a disseminação de desinformação no ambiente digital.
No mesmo dia, o Ministério dos Direitos Humanos criou um Grupo de Trabalho, a ser presidido pela ex-deputada Manuela d’Ávila, cujo objetivo é a “apresentação de estratégias de combate ao ódio e ao extremismo”.
Coincidência ou não, o GT contará com a participação do influenciador digital Felipe Neto, brasileiro com o segundo maior número de inscritos em seu canal no Youtube, escolhido pela mesma Unesco como uma espécie de “embaixador” de uma articulação global cujo objetivo é “criar uma internet mais confiável e livre do ódio e da desinformação”.
Onde pega
Além de jogar luz sobre a necessidade de distinção entre a liberdade de expressão, preceito constitucional, e as brechas para o cometimento de crimes ou a incitação à prática deles no ambiente digital, o debate conduzido por atores do governo Lula visa manter sob os holofotes o passivo de Jair Bolsonaro (PL) em searas nas quais o ex-presidente provavelmente enfrentará julgamentos difíceis nos próximos meses.
Os exemplos mais citados por auxiliares do Planalto são o enfrentamento à pandemia e a difusão de informações sem comprovação científica durante o pico das infecções por covid-19, o possível estímulo a atos antidemocráticos que resultaram nos ataques aos Poderes em 8 de janeiro e a eventual disseminação de notícias falsas com fins eleitorais.
Como a primeira-dama está se credenciando como principal “influenciadora” do governo no ambiente digital, engajando públicos que estavam distantes do debate político, sobretudo no meio artístico, seu papel passou a ser relevante em tais fóruns.
Janja da Silva organizou o primeiro encontro de apoiadores do governo nas redes, levou Lula ao evento, e os participantes saíram da conversa com o compromisso do governo de atuar fortemente para “inibir a desinformação no ambiente digital”.
Na ocasião, o próprio presidente pediu que os influenciadores aliados ajudassem nesse contexto, o que criou expectativa de criação de uma rede de “embaixadores da democracia” comandada por eles.
Não à toa, Janja foi uma das primeiras a elogiar o posicionamento de Felipe Neto na Unesco, escrevendo em suas redes. “Precisamos muito dessa discussão de forma global e sua voz é muito importante”, postou no seu Twitter, mobilizando toda a militância digital governista na causa e conectando o influenciador e seus seguidores ao público de Lula.
FÁBIO ZAMBELI – Analista-chefe em São Paulo. Jornalista com 28 anos de experiência em cobertura política e dos Três Poderes em São Paulo e Brasília. Foi repórter e editor da Folha de S. Paulo e diretor de inteligência e atendimento na área pública da FSB Comunicação.
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