Gasto da PEC de Transição é ‘muito alto’ e ainda pode ser ampliado, diz economista da Tendências

Proposta do governo de transição cede espaço para gasto muito alto sem oferecer fonte de arrecadação em contrapartida, diz economista; gasto de R$ 198 bi pode ser expandido no Congresso

O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin anuncia membros do Gabinete de Transição (Foto: Cláudio Kbene/Divulgação)
O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin anuncia membros do Gabinete de Transição (Foto: Cláudio Kbene/Divulgação)

Um espaço extra de até R$ 198 bilhões acima do teto de gastos, como consta das sugestões apresentadas para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, é preocupante não só pelo tamanho do rombo e o efeito que isso pode trazer para o endividamento bruto, mas também porque não se discute a qualidade do gasto nem a fonte de financiamento para as despesas adicionais, diz Juliana Damasceno, economista da Tendências.

Além disso, diz ela, não se sabe também como será preenchido o espaço aberto abaixo do teto com o deslocamento de toda a despesa do Auxílio Brasil para fora do limite. Para Juliana, há ainda o receio de que os gastos sejam ampliados no Congresso.

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Minuta da PEC de Transição

A minuta da PEC de Transição, entregue esta noite pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, ao Congresso, estabelece que as despesas totais com o programa social sejam retiradas do teto, no valor de R$ 175 bilhões, por tempo indeterminado. Isso abriria espaço abaixo do teto de cerca de R$ 105 bilhões.

A minuta prevê também, segundo Alckmin, que parte de eventuais receitas extraordinárias seja destinada a investimentos e retirada do teto. Essa parte, porém, não excederia a 6,5% da receita corrente líquida, o que equivaleria a cerca de 22 bilhões no orçamento de 2023. O governo de transição sugeriu também que receitas próprias de universidades e doações a entidades socioambientais fiquem de fora do teto.

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“Os R$ 175 bilhões para acomodar o total de gastos com o Auxílio Brasil já é muito dinheiro”, diz Juliana. Se colocado por tempo indeterminado, o valor trará conta bilionária para os outros anos seguintes, não somente para 2023. “Quatro anos de prazo já era ruim. Não ter prazo com certeza é muito pior.” Ela lembra que o Auxílio Brasil, que derivou do antigo Bolsa Família, consumia antes o equivalente a 0,5% do PIB e agora absorve 2% do PIB. Ela destaca que o “cheque de R$ 175 bilhões” está sendo pedido sem rediscutir o que se tornou o maior programa de transferência de renda da história do país.

O próprio presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, lembra ela, citou em campanha a necessidade de rediscussão do desenho do programa. Da forma como é oferecido hoje, apontam especialistas, o Auxílio Brasil tem estimulado a formação artificial de novas famílias. “Nada disso está sendo debatido agora”, diz. Para ela, é possível que os gastos do programa se ampliem ainda mais, já que novas famílias devem fazer pressão na fila do benefício, num cenário mais caótico e desafiador do ano que vem, com inflação ainda em alta e endividamento recorde das famílias.

Outros economistas e empresários criticaram a minuta da PEC de Transição. Mansueto Almeida, economista chefe do banco BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional, afirma que a dívida pública deve crescer de três a quatro vezes mais do que nos últimos quatro anos, caso a PEC e o gasto de R$ 198 bi seja aprovado.

Já o empresário Abílio Diniz disse em evento do setor supermercadista que espera que o país “retorne à normalidade” um mês após as eleições. Para ele, não é o momento de “grandes aventuras” na economia.

Receita extraordinária para investimentos

Para Juliana, também é preocupante a nova vinculação que se quer fazer com eventual receita extraordinária. Se hoje esses recursos extras são considerados para o abatimento da dívida, diz ela, é porque isso se faz com a finalidade de se reduzir a pressão do endividamento sobre os cofres da União. Para ela, destinar essa parte da receita extraordinária para investimentos não é um problema por si só.

“A questão é saber o que é investimento. Na última semana, o presidente eleito Lula, num discurso bem polêmico, falou que saúde e educação deveriam ser considerados investimentos. É muito perigoso que continuemos com essa criatividade alocativa.” Para ela, é preciso discutir se cabe essa vinculação de receitas extraordinárias e também o que é o conceito de investimento para o governo eleito.

“A decisão sobre despesas é política e alocativa. É preciso que essas decisões sejam feitas de forma minimamente aberta, transparente e razoável, senão se gera um precedente muito perigoso para os próximos governos.”

Abrir um gasto adicional acima do teto de gastos sem discutir fonte de financiamento permanente que possa financiar despesas em expansão também é muito preocupante, aponta.

Também não se sabe, destaca, como serão preenchidos os cerca de R$ 105 bilhões em espaço fiscal que se abrirá abaixo do texto com o deslocamento de todo o gasto do Auxílio Brasil. “Não sabemos se será recomposição de programas sociais, investimento em infraestrutura, reajuste a funcionários públicos ou compensação a Estados e municípios. Toda essa composição é muito perigosa, principalmente quando não vemos um enfrentamento da questão do orçamento secreto. Temos visto as emendas de relator se expandindo, pegando cada vez mais lugar no orçamento de forma não transparente, completamente fora da lógica orçamentária de urgência e de eficiência.”

Para Juliana, se essas questões não forem tratadas, será apenas questão de tempo reverter a trajetória de queda da dívida bruta e o endividamento voltar a crescer em ritmo muito alto. “E sabemos que dívida a passos galopantes significa câmbio e ativos depreciados, além de inflação mais forte e juros mais altos, um contexto macroeconômico de qualidade muito baixa.”

Aumento de carga tributária

Se questões orçamentárias não forem discutidas de forma estrutural, diz a economista, os gastos adicionais acabarão tendo de ser financiados por aumento de carga tributária, o que não será feito de forma a melhorar a composição ou a eficiência do sistema tributário.

“Isso, no final das contas, irá acentuar a própria desigualdade que se pretendia reduzir com um Auxílio Brasil de valor maior. É um tiro no pé que podemos dar. No curto prazo vendemos a história de ter mais auxílio, assistência social mais ampla. Mas no médio e longo prazos quem pagará a conta são os mais vulneráveis, aqueles que não conseguem se proteger”, diz Damasceno.

Para Juliana, há ainda o perigo de os gastos serem ampliados no Congresso, já que as experiências mais recentes mostraram expansão de gastos. “A própria PEC dos Combustíveis começou com R$ 29 bilhões e terminou com R$ 42 bilhões”, lembra. “Há essa tendência de, em vez de desidratada, a proposta ser expandida. Porque estamos num momento em que a configuração do Congresso exige uma barganha política mais acentuada.”

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