Análise: Rali de medidas ou compromisso fiscal?

Se as duas campanhas derem linhas gerais mais claras sobre seu programa fiscal de longo prazo, será melhor para o país, diz Fabio Graner, do JOTA

Eleições 2022: Pedestre passa por materiais de campanha presidencial que retratam o ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reuters/Adriano Machado
Eleições 2022: Pedestre passa por materiais de campanha presidencial que retratam o ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reuters/Adriano Machado

“O segundo turno abre a possibilidade de uma competição fiscal predatória iniciada por Bolsonaro. A tendência é ocorrer uma corrida por medidas que irão pressionar mais as contas públicas.” O alerta foi feito ao JOTA pelo economista Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e coordenador do observatório fiscal do FGV Ibre.

Precisando virar votos, o presidente Jair Bolsonaro iniciou a semana encomendando que seus auxiliares preparem uma proposta de 13º para mulheres no Auxílio Brasil e já prometeu a medida para 2023, com custo da ordem de R$ 10 bilhões.

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A presidente da Caixa, Daniela Marques, anunciou ao lado do ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, a ampliação do número de beneficiários do programa social, zerando a fila. Bento disse que a variável política não entrou na conta, apesar da chocante coincidência de calendário. A medida também implica aumento permanente de despesa.

Além disso, Daniela prometeu colocar em operação o crédito consignado do Auxílio Brasil na segunda quinzena do mês, medida que de início não tem impacto fiscal, mas que vai colocar dinheiro na conta de muitas pessoas às vésperas da eleição.

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Vale lembrar que neste ano o governo elevou o Auxílio Brasil para R$ 600, em princípio com prazo de validade até 31 de dezembro. Mas com o início da campanha e as pressões das candidaturas concorrentes, a promessa de manutenção foi feita por Bolsonaro e deverá ser cumprida, provavelmente com a retirada dessa despesa do teto de gastos.

Além disso, as desonerações de combustíveis também já contam com promessa, inclusive incorporadas ao projeto de orçamento, de continuidade, a um custo elevadíssimo, da ordem de R$ 53 bilhões.

Do lado da campanha do ex-presidente Lula, o segundo turno ainda não trouxe novidades no front de medidas para 2023 em diante. Embora aqui e ali surjam algumas notícias, como a de que se estudaria formalizar uma proposta de correção da tabela do Imposto de Renda, o candidato ainda não falou nada além do que já estava prometido no primeiro turno.

Entre as propostas apresentadas antes do último domingo (2) estavam a manutenção do Auxílio de R$ 600 com a possibilidade de adicional vinculado a filhos, e a ideia de se dar aumento real do salário mínimo (que não foi detalhada, mas que algumas fontes da campanha apontam que pode ser por uma regra de inflação mais o PIB médio dos últimos cinco anos).

Os petistas estão sendo cobrados a assumir compromisso mais claro com a responsabilidade fiscal e a apresentar uma proposta mais concreta de regra para substituir o teto de gastos – que Lula promete revogar. Setores do partido, porém, entendem que não há necessidade de ser mais explícito e que uma regra fiscal tem que ser construída após uma vitória no segundo turno e a partir de diálogo com o Congresso.

Na prática, há uma queda de braço entre petistas e o mercado financeiro pelo rumo econômico do futuro governo, caso Lula confirme o favoritismo evidenciado nas urnas e nas pesquisas.

Com um Congresso “centrão/direitista”, certamente um governo mais à esquerda não terá vida fácil e isso já deve estar sendo considerado nos cálculos políticos de Lula. Mas com a máquina do governo atuando a todo vapor, a campanha do petista pode acabar sendo forçada a topar um novo rali de promessas que só aumenta a fatura fiscal de 2023 em diante.

Há um risco de esse processo perder o controle, em um verdadeiro leilão sobre quem vai fazer mais gastos. Nesse caso, o país teria que lidar, seja qual for o vencedor do pleito, com a possibilidade de se entrar em uma rota preocupante de aumento descontrolado de despesas ou de percorrer o triste caminho do estelionato eleitoral, fator de instabilidade política que não pode ser menosprezado.

Seria bom que as duas campanhas deixassem mais claro o que pretendem fazer em termos fiscais a partir de 2023. Platitudes sobre responsabilidade fiscal e críticas ao atual regime, que realmente tem muitos problemas, pouco resolvem. Esse não deveria ser o tema central do debate em um país que tem tanto problema a resolver, mas não pode deixar de ser tópico de discussão mais aprofundada pelas duas candidaturas.

A situação das contas públicas do país melhorou no último ano e meio de forma significativa. Mas o atropelo com que Bolsonaro lidou com o orçamento neste ano e as críticas mais recentes do ministro Paulo Guedes ao teto de gastos demandam que se mostre mais claramente o que seria um segundo mandato do atual incumbente.

No caso de Lula, há uma diretriz de que se quer um plano emergencial para ajustar o orçamento e uma regra com metas de curto, médio e longo prazos. Mas esse enunciado ainda está bastante genérico. Mesmo sem um ministro definido, é possível dizer mais do que isso.

Para essa discussão, é importante se ter em conta que o Brasil está em uma situação nada trivial, pois parte de um patamar elevado de dívida. Ex-subsecretário de política econômica do Ministério da Economia e economista-chefe da O3 Capital, Vladimir Kuhl Teles simulou cenários para a trajetória do endividamento do país em diferentes situações.

Trabalha com a possibilidade de expansão do teto de gastos, diante de diversas medidas tomadas no ano corrente que terão de ser continuadas no próximo, como o valor aumentado do Auxílio Brasil. Mas também simula a trajetória da dívida a partir de mudanças na própria regra de correção do limite de despesas ao longo do tempo, acima da inflação.

Ele seguiu uma metodologia proposta pelo FMI usando para as taxas de juros, câmbio e inflação as trajetórias previstas pelas medianas do relatório Focus do Banco Central. E considera uma taxa de crescimento da economia de 1,3% ao ano, valor médio verificado entre 2017 e 2019, antes da pandemia.

Nas simulações do economista, com a manutenção do teto de gastos como é hoje, a relação dívida/PIB subiria a 84,36% daqui a quatro anos, apresentando um lento declínio a partir disso.

“O segundo cenário é de uma expansão do nível do teto de gastos em R$ 100 bilhões no próximo ano, mas manutenção do indexador de gastos pela inflação. Nesse caso a inflação alcançaria 88,88% em quatro anos, e manteria uma trajetória sustentável, mas com um caminho muito mais lento de retorno, de forma que podemos considerar esse cenário como o limite de expansão de gastos”, diz Teles.

O terceiro cenário simulado considera que, além do “waiver” de R$ 100 bilhões em 2023, o teto seria corrigido em 1% acima da inflação. “Nesse caso, a dívida/PIB alcançaria 91,31% em 2026, e persistiria em uma trajetória explosiva daí por diante. As diferenças de dívida/PIB em 4 anos podem parecer pequenas, mas as trajetórias futuras são muito discrepantes para essas mudanças aparentemente marginais”, salienta o economista. “Tais diferenças podem ser ainda maiores se considerarmos prováveis efeitos indiretos na taxa de juros neutro e no crescimento. É fundamental, então, que o país seja cauteloso e encontre uma regra que permita equilíbrio fiscal intertemporal sem ter de contar com a sorte de um crescimento acima do esperado, por exemplo, pois o custo de uma dívida descontrolada seria sentido em toda a economia, como já testemunhamos no passado”, adverte.

É importante ponderar que Teles levou em conta um cenário de crescimento baixo para a economia, por considerar que essa não pode ser uma premissa para o equilíbrio fiscal. Mas é plausível pensar que o país, como o próprio governo projeta, pode crescer bem mais que 1,3% ao ano e isso é uma variável a ser levada em conta para a definição de uma política fiscal consistente de longo prazo.

O teto atual está muito machucado e é bom que seja revisto e o Brasil conte com um novo arcabouço fiscal mais crível. Mas as simulações feitas pelo ex-secretário mostram que a sintonia fina disso pode fazer uma diferença relevante nos resultados. Não precisamos que o Brasil entre nessa etapa tão detalhada nas próximas três semanas. Mas se as duas campanhas já derem linhas gerais mais claras sobre seu programa fiscal de longo prazo, será melhor para o país.

(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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