Você sabe o que é intervenção federal?
Entenda o que está acontecendo e o que diz a lei sobre este assunto
No último domingo (7), o país assistiu aos ataques antidemocráticos de golpistas no Distrito Federal. As invasões ao Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) desencadearam na destruição de portas, janelas, móveis e objetos de arte.
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O que é intervenção federal?
A partir daí, muitas pessoas ficaram se perguntando como funciona a intervenção federal. Então, o decreto nada mais é do que um mecanismo que a Constituição Federal previu para situações de anormalidades, como forma de restabelecer o devido funcionamento do Estado de Direito.
“Trata-se de um mecanismo institucional para uma resposta adequada e constitucional a situações anômalas”, explica Henderson Fürst, advogado constitucionalista e professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de Caminas (PUC-Campinas).
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Portanto, segundo o artigo 34 da Constituição, a união não intervirá nos Estados, exceto em alguns casos. “(Afinal de contas), a Federação tem como um dos seus pilares a autonomia dos direitos federativos. Então, Estados, municípios e Distrito Federal exercem suas funções e competências sem a interferência do Governo Federal”, esclarece Roberto Dias, advogado e professor de direito da Faculdade Getulio Vargas (FGV), em São Paulo.
Regras da intervenção federal
De acordo com Fürst, a própria Constituição estabelece o que ela entende por situações anômalas (exceções), e que podem desencadear o decreto de intervenção federal:
I – manter a integridade nacional;
II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Quais são as características da intervenção federal?
E mesmo diante de todas estas regras, para que a intervenção federal ocorra, de acordo com o artigo 84, X, da Constituição Federal, é preciso que a ordem seja estabelecida por meio de um decreto do Presidente da República. Desse modo, será ele o responsável por definir especificamente a amplitude da intervenção, o prazo, condições da execução e, se for o caso, a nomeação de um interventor.
“O decreto deve ser submetido ao Congresso Nacional no prazo de 24 horas, que poderá aprova-lo ou suspendê-lo. Como é período de recesso legislativo, deverá ser convocada uma sessão extraordinária para essa finalidade”, afirma Lucas Cherem de Camargo Rodrigues, advogado e sócio da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Sociedade de Advogados.
No caso da intervenção estabelecida no Distrito Federal, foi imposto o decreto até o dia 31 de janeiro, e como dito no início da matéria, o interventor nomeado foi Ricardo Capelli.
Inclusive, vale saber que desde que a Constituição de 1988 foi estabelecida, a intervenção militar aconteceu apenas duas vezes, ambas em 2018. Uma no Rio de Janeiro, quanto à segurança pública, e outra em Roraima, quanto à questão migratória.
Consequências
Como se trata de uma situação de anormalidade, durante a intervenção federal não é possível realizar qualquer alteração na Constituição Federal por Emenda Constitucional. Sem esquecer que todas as autoridades envolvidas que sofreram intervenção são imediatamente afastada de seus cargos, dando espaço ao interventor.
E o que é a intervenção militar?
Outro tema bastante comentado nos últimos meses, principalmente entre as correntes bolsonaristas, foi o pedido de intervenção militar. Porém, é mais do que importante entender que não existe intervenção militar no ordenamento jurídico brasileiro.
“Qualquer ato, nesse sentido, é golpe e foge à previsão constitucional. As Forças Armadas podem ser empregadas para garantir os poderes constitucionais. E isso ocorrerá unicamente sob liderança e determinação da Presidência da República. (Portanto), isso não é uma intervenção”, garante Fürst.
Aliás, a última intervenção militar no Brasil ocorreu entre os anos de 1964 e 1985 com o golpe militar. “Houve uma ruptura da ordem constitucional (golpe), pois o presidente legitimamente eleito (João Goulart, vice-presidente eleito que assumiu após a renúncia da Jânio Quadros) foi afastado do cargo sem observância das hipóteses previstas na Constituição. Neste período, a Chefia do Executivo foi exercida por militares, escolhidos sem participação popular, até a redemocratização”, lembra Rodrigues.
Para o professor Roberto Dias, talvez algumas pessoas mencionam a intervenção militar querendo falar sobre a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que é uma previsão específica e que está no final do artigo 142. “(Esta operação dá) a possibilidade de qualquer um dos poderes da República solicitar a atuação das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem quando isso não acontece”, diz.
Ainda de acordo com Dias, a GLO aconteceu em algumas ocasiões, como o que ocorreu nas comunidades do Rio de Janeiro, por exemplo. “Então, a solicitação (da garantia da lei e da ordem) é para que as Forças Armadas pudessem atuar para debelar eventuais crime que a Polícia Militar do Estado não conseguia debelar. Mas isso de fato não se confunde em nada com uma intervenção militar, reitera.
O que diz o artigo 142 da Constituição sobre intervenção militar?
De acordo com Henderson Fürst, o artigo 142, entre outras regras constitucionais, estabelece que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes e regulares. Organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
“A Garantia da Lei e da Ordem não é intervenção militar. É um instrumento à disposição da Presidência da República para ser utilizada em concomitância aos outros mecanismos de defesa constitucional”, afirma.
Dessa forma, a consequência de uma intervenção militar é a quebra do Estado de Direito. Ou seja, o Brasil deixará de ser um estado democrático e passará a seguir as ordens de quem viesse a assumir o poder. “Ou, em outras palavras, rasgar a Constituição”, conta Fürst.
Qual a diferença entre intervenção federal e intervenção militar?
Portanto, depois de todas estas explicações sobre estes dois assuntos tão abordados atualmente, é importante saber as diferenças entre ambos.
“A intervenção federal é um mecanismo previsto pela própria Constituição Federal para o restabelecimento da normalidade do funcionamento do Estado brasileiro. Como é situação excepcional, também é mecanismo que apenas em circunstância anormal poderá ser utilizado. Já a intervenção militar é a quebra da hierarquia estabelecida pela Constituição Federal, quando as Forças Armadas tomam poder e liderança que não lhes foi estabelecida democraticamente. Em outras palavras, é golpe”, conclui o professor da PUC-Campinas.