O que é o novo arcabouço fiscal e por que ele importa para o país e para você, investidor?

O plano apresentado pelo governo substitui o teto de gastos, criado em 2017 durante a gestão de Michel Temer

Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Foto: Washington Costa/MF
Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Foto: Washington Costa/MF

O Ministério da Fazenda divulgou na quinta-feira (30) o novo arcabouço fiscal, um conjunto de regras para controlar as contas públicas e permitir que o governo faça investimentos em áreas consideradas prioritárias enquanto tenta reduzir, simultaneamente, a dívida do país.

Mas o que é o novo arcabouço fiscal, qual a sua importância, por que afeta os investidores e como ele irá funcionar? À seguir, você vai encontrar respostas para estas e outras perguntas sobre o arcabouço fiscal.

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O que é arcabouço fiscal?

O plano apresentado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad substitui o teto de gastos, criado em 2017 durante a gestão de Michel Temer, e criticado por petistas por engessar a capacidade de promoção de políticas sociais por parte do governo. As regras atuais também são vistas como frágeis pelo mercado pelas brechas abertas nos últimos anos para permitir despesas fora do teto.

O arcabouço fiscal estabelece um limite para o crescimento das despesas em relação às receitas, metas para o resultado primário e um piso para investimentos. A proposta inclui um sistema de “bandas”, que dão flexibilidade ao governo para promover ajustes de acordo com o ciclo econômico Entenda os principais pontos do novo arcabouço fiscal:

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Limites para as despesas

O novo arcabouço limita o crescimento das despesas a 70% da variação da receita primária nos últimos 12 meses, período entre julho de um ano e junho do outro, para permitir a inclusão das metas no Orçamento, enviado em agosto.

Em um exemplo prático, sob as normas propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se a arrecadação do governo avançar R$ 100 bilhões no período, os gastos poderão ser elevados em R$ 70 bilhões no ano seguinte.

No entanto, há uma segunda regra para esse aumento, que vale independentemente do avanço da arrecadação. A proposta estabelece um intervalo fixo de crescimento real (descontada a inflação do período) para as despesas, que varia de 0,6% e 2,5% em relação ao ano anterior.

Esta segunda regra dá ao plano um caráter anticíclico. O piso mínimo de 0,6% garante ao governo margem de manobra de evitar um corte brusco nos gastos públicos se houver uma queda na arrecadação. Por outro lado, o limite de 2,5% impede um aumento descontrolado das despesas em caso de avanço das receitas.

As regras propostas têm um funcionamento parecido com o teto de gastos em vigor em 2017. A principal diferença é que, atualmente, as despesas são corrigidas apenas conforme a inflação, ou seja, sem crescimento real entre um ano e outro.

“Vincular o crescimento das despesas ao das receitas é algo que faz muito mais sentido e amarra muito menos a política fiscal do governo”, explica Marco Antonio Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp. “O arcabouço tenta criar um certo limite para o crescimento das despesas, mas não o faz de forma tão restritiva como o teto, que chegava a redefinir o papel do Estado na economia.”

Segundo o Ministério da Fazenda, ficam de fora das regras os repasses do Fundo de Manutenção do Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e a ajuda financeira do governo federal a Estados e municípios para bancar o novo piso da enfermagem, ambos previstos na Constituição.

Há também um piso mínimo de R$ 70 bilhões em investimentos, que será corrigido pela inflação ao longo dos próximos anos.

Metas para o resultado primário

As regras têm como objetivo tirar as contas do governo do vermelho. Para este ano, a previsão é ter um déficit primário (saldo entre as receitas e as despesas, descontado o pagamento dos juros da dívida) de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2024, o objetivo é zerar esse déficit. O plano prevê um superávit de 0,5% em 2025, e de 1% em 2026, último ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O arcabouço também prevê bandas para o resultado primário – um intervalo de 0,25% para mais ou para menos -, de modo similar ao mecanismo estabelecido pelo Banco Central ao definir as metas de inflação. Atualmente, o governo deve estipular um valor exato na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Se o resultado primário for superior ao previsto na meta, o excedente poderá direcionado a investimentos. Caso contrário, se o objetivo não for atingido, o limite para a expansão das despesas em relação às receitas cai para 50%. Um novo descumprimento reduz esse percentual ainda mais, para 30%.

“Existe no plano um tom de recomposição do resultado primário que é algo necessário”, afirmou Livio Ribeiro, pesquisador-associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre) e sócio do BRCG. “No entanto, esta não é uma política de Estado, é de governo, porque só há previsão de trajetória até 2026.”

“Seria interessante que o governo tivesse pensado em um processo de estabilização da dívida pública mais de médio prazo”, concordou Ribeiro, da Unicamp. “Isso permitiria acomodar melhor as promessas e as expectativas em relação à eleição.”

Questionamentos

O fato de o novo arcabouço fiscal prever um crescimento real das despesas mesmo sem aumento da arrecadação foi o ponto mais questionado após a divulgação da proposta. Há quem avalie que a regra reduz a credibilidade do plano e os que indicam que esse piso pode ser insuficiente para promover políticas anticíclicas em caso de recessão.

“Há um ajuste para despesa? Há. Mas ele é limitado a um crescimento mínimo de 0,6%”, afirmou Ribeiro. “Essa trajetória para o resultado primário que o governo propõe só fica de pé se houver um contínuo crescimento da receita”.

Na apresentação do plano, Haddad ressaltou a necessidade de aprovar uma reforma tributária, também em discussão com o Congresso, e afirmou que não há no horizonte do governo a criação de novos tributos ou elevação de alíquotas, medidas que poderiam aumentar as receitas federais.

Já Marco Antonio Rocha, professor da Unicamp, lembrou que a economia vem em um processo de desaceleração desde o último trimestre do ano passado e avaliou que o piso de 0,6% para o crescimento das despesas pode ser insuficiente para enfrentar um cenário de crise.

“O governo ficará com um horizonte muito curto para promover políticas públicas se houver uma deterioração do cenário econômico neste ano”, afirmou o professor da Unicamp.

Regra fiscal dá motivos para BC antecipar cortes nos juros?

Ao contrário do que foi vendido pelas autoridades do governo, a proposta é complexa e as projeções parecem, neste momento, demasiadamente ambiciosas. Ao não garantir, de forma clara, uma trajetória sustentável da dívida, não haveria razões para o Banco Central, neste momento, antecipar um ciclo de cortes de juros. Essa é a visão do economista-chefe da BGC Liquidez, Juliano Ferreira, que classifica o desenho do arcabouço, de maneira geral, como “ruim”. Ele, porém, observa que, ao retirar o cenário de descontrole fiscal do horizonte dos investidores, os preços dos ativos reagiram de maneira positiva, fato que foi observado na dinâmica do mercado na data da apresentação do novo arcabouço (30/03).

“Eu não consigo chegar no superávit primário que o governo tem em 2026. Ele está usando parâmetros muito otimistas para chegar a essas contas”, afirma o economista. Para ele, ainda restam muitas dúvidas a serem esclarecidas. Por exemplo, uma vez determinada a meta de primário, como o governo poderia alterar os parâmetros ao longo do ano. “De que forma ele pode alterar esses parâmetros? Via decreto, via projeto de lei? Acho que a facilidade com que o governo poderá mexer na meta pode nos dar maior ou menor impressão de rigidez da regra”, aponta.

Do ponto de vista negativo para a proposta, o economista aponta que, de acordo com o que foi apresentado, nenhum governo poderia fazer um ajuste negativo das despesas. Por outro lado, tanto o investimento quanto os limites constitucionais de educação e saúde não ficaram excetuados da regra de gastos.

“Há pontos bons e pontos ruins, mas precisaremos fazer muita simulação e acompanhar de perto como o Congresso vai discutir a regra. Quanto mais regras você tem, maior a possibilidade de chegar a uma aprovação final totalmente diferente daquilo que você está propondo”, afirma o economista.

Ainda, de acordo com Ferreira, da forma como a proposta está colocada atualmente, ela não deve fazer com que a autoridade monetária antecipe cortes na Selic.

“O Banco Central deixou muito explícito na ata e também no comunicado que os agentes precisam perceber que o arcabouço fiscal endereça a trajetória de dívida/PIB no médio prazo, ou seja, não basta apenas apresentar. Você precisaria esperar a tramitação para entender de fato qual será a trajetória da dívida/PIB no médio prazo. Nas minhas contas, a regra não endereça essa trajetória. As expectativas estão desancoradas e a gente precisa ver um processo de reancoragem”, afirma, ponderando que a percepção pode ser alterada conforme novas informações sejam divulgadas.

Com reportagem de Lucas de Vitta e Gabriel Roca, Valor Econômico — São Paulo.

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