O que uma presidência de Kamala significaria para a economia dos EUA?
Histórico da atual vice-presidente dos EUA revela algumas pistas sobre suas prioridades, como o foco no trabalhador de baixa renda, na mulher, na pequena empresa e na família de classe média
Kamala Harris já é bem conhecida por sua defesa vigorosa do direito ao aborto, seu papel no governo Biden na imigração e segurança nas fronteiras e seu legado como promotora e procuradora-geral da Califórnia.
No entanto, suas posições e objetivos quanto à economia, uma preocupação central na eleição, ainda não estão claramente definidas.
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O histórico dela, porém, revela algumas pistas sobre suas prioridades, como o foco no trabalhador de baixa renda, na mulher, na pequena empresa e na família de classe média.
Como vice-presidente, Kamala tem se alinhado em grande medida ao presidente Biden em questões econômicas, e alguns analistas veem esse histórico como um indicativo. “Em geral, achamos que ela seguirá a trilha Biden-Harris”, disseram analistas de políticas econômicas do banco de investimento Evercore ISI, em nota na terça-feira (23).
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Antes de fazer parte do governo, ela divergiu algumas vezes do presidente Biden — mais especificamente em políticas relacionadas ao comércio exterior e ao clima —, posicionando-se com frequência a favor de uma maior intervenção governamental na economia.
Na segunda-feira, em discurso para a equipe de campanha, ela esclareceu algumas de suas prioridades econômicas. Como presidente, ela defenderá a licença familiar remunerada e serviços acessíveis de creche, disse Kamala.
“Fortalecer a classe média será uma meta definidora da minha presidência”, acrescentou. “Porque sabemos que, quando nossa classe média é forte, os EUA são fortes.”
Os porta-vozes da campanha de Harris não responderam de imediato a um pedido para que ela comentasse o assunto.
O desafio econômico
O obstáculo mais imediato que Kamala pode precisar superar são os pontos de vista negativos dos americanos sobre o legado econômico de seu próprio governo. Em 2022, no mandato de Biden, a inflação atingiu o maior patamar em 40 anos.
Os impactos foram variados, desde preços exorbitantes nos supermercados até elevações das taxas de juros do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), o que, em parte, tornou mais difícil o pagamento dos financiamentos imobiliários e a compra de casas pelos americanos.
A inflação arrefeceu e muitos economistas preveem que o Fed reduzirá os juros em setembro. No entanto, os americanos ainda lidam com as consequências — em junho, o Departamento do Trabalho informou que os preços ao consumidor subiram 19,5% desde dezembro de 2020.
A vice-presidente compreende como os preços altos afetam as famílias trabalhadoras e há muito se dedica a medidas destinadas a aliviar esse fardo, segundo um ex-assessor de Kamala, que a aconselhou em questões econômicas.
“O que você vê nisso é um desejo de realmente impactar a vida das pessoas no dia a dia”, disse o ex-assessor, destacando temas como a redução dos preços dos remédios e a ampliação do acesso à banda larga.
No início do governo, Harris se concentrou em ajudar as pequenas empresas a acessar empréstimos especiais, que não precisam ser pagos se suas condições forem cumpridas, por meio do Programa de Proteção ao Salário, em especial em comunidades minoritárias, de acordo com um ex-assessor da Casa Branca.
Alguns aspectos do legado econômico de Biden são mais favoráveis. A economia se expandiu e o crescimento do emprego tem sido forte. A proporção de americanos em sua idade mais produtiva de trabalho — de 25 a 54 anos — que estão empregados atingiu o nível mais alto desde 2001. O crescimento dos salários superou a inflação, em especial no caso dos trabalhadores de baixa renda.
Impostos
Como vice-presidente, Kamala apoiou a agenda tributária de Biden, que defende aumentos para as empresas e os consumidores de alta renda e o corte ou a manutenção dos impostos para consumidores que ganham menos de US$ 400 mil por ano.
Quando era senadora e candidata à presidência, a proposta tributária emblemática de Kamala foi a Lei LIFT, similar a uma renda básica universal, cujo custo seria de US$ 3 trilhões em dez anos. O plano de Kamala teria fornecido um crédito tributário de US$ 3 mil para indivíduos e de US$ 6 mil para casais.
De forma escalonada, os créditos seriam menores para famílias de renda média e alta, de forma que apenas 10% dos benefícios iriam para a fatia dos 40% mais ricos, de acordo com centro de estudos Tax Policy Center.
A Lei LIFT não avançou no Congresso, mas sua ideia básica — apoio à renda por meio de créditos tributários — é uma peça central da política econômica Biden-Kamala. Em 2021, os democratas expandiram o crédito tributário para quem tem filhos e o crédito tributário sobre a renda do assalariado para trabalhadores sem filhos. Essas expansões venceram no fim de 2021, mas o governo Biden pretende reativá-las.
Em 2017, assim como todos os demais democratas do Senado, Kamala votou contra a lei tributária republicana que reduziu o imposto de renda sobre pessoas físicas e jurídicas e restringiu algumas deduções fiscais. Em 2020, como candidata à presidência, ela apoiou a rejeição total à lei. O governo Biden agora defende a extensão de muitos desses cortes tributários, que expiram após 2025, mas que isso seja combinado a aumentos de impostos sobre famílias de alta renda.
Custos com moradia
Os preços das casas estão em patamares recorde e os aluguéis teimam em continuar altos, o que torna o custo com moradia outra vulnerabilidade política do governo Biden.
Quando senadora, Kamala tentou combater os altos preços dos aluguéis com um projeto conhecido como a Lei de Alívio do Aluguel, que teria concedido créditos tributários para, basicamente, inquilinos que ganham até US$ 100 mil anuais e gastam pelo menos 30% de sua renda bruta em aluguel e contas de concessionárias públicas. Um grupo de democratas continua pressionando a favor da lei.
Ela também já destacou seu papel como procuradora-geral da Califórnia na negociação de acordos com credores de financiamentos imobiliários — após a onda de execuções de casas decorrente da crise de 2007 a 2009 —, cujos valores obtidos para os beneficiados foram muito além dos oferecidos de início.
Comércio exterior
Kamala divergiu de Biden em dois grandes acordos comerciais enquanto era candidata ao Senado e como senadora.
Um deles foi a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), um amplo pacto comercial entre EUA, Japão e outros dez países na região do Oceano Pacífico, assinado durante o governo Obama em 2015. Kamala se opôs ao pacto como candidata ao Senado em 2016, dizendo à imprensa estar preocupada com seu impacto sobre os trabalhadores e o clima.
Na prática, o tratado comercial acabou após a eleição no fim de 2016, e Trump retirou formalmente os EUA do pacto após assumir o cargo.
Como senadora, Kamala foi uma das dez que votaram contra o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) uma versão renegociada do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta) da qual Trump costuma se vangloriar. Ela argumentou que as disposições ambientais eram insuficientes. Biden, como candidato à presidência, apoiou a substituição.
Salários e remuneração
Durante sua campanha nas primárias presidenciais de 2020, Kamala apresentou uma série de propostas idealizadas para reduzir a desigualdade e diminuir as disparidades salariais.
Uma delas foi um plano para reduzir as disparidades salariais entre homens e mulheres, que poderia cobrar das empresas com pelo menos 100 trabalhadores pelas diferenças salariais.
Outra proposta almejava aumentar os salários dos professores a níveis mais alinhados aos de profissionais similares — uma diferença que, segundo a campanha de Kamala, chega a US$ 13,5 mil para o professor médio.
Uma terceira proposta, com o objetivo de aumentar o empreendedorismo entre os americanos negros, previa US$ 60 bilhões em investimentos em educação em ciência, tecnologia, engenharia e matemática e em faculdades historicamente com grande presença negra e outras instituições que atendem a minorias. Além disso, Kamala defendeu uma proposta de investimentos destinados a ajudar empreendedores negros a levar suas ideias ao mercado e abrir empresas.
Energia e clima
Kamala foi defensora, como senadora e candidata à presidência em 2020, do “New Deal Verde”, cujo objetivo era reduzir rapidamente a dependência da economia americana em relação aos combustíveis fósseis e ao mesmo tempo reformar a infraestrutura energética e de transmissão do país.
Kamala também apoiou uma ampla proibição à extração de hidrocarbonetos por meio de fraturamento hidráulico, enquanto Biden defendeu a proibição à técnica de perfuração apenas em terras federais. As posições mais agressivas de Kamala foram vistas como um possível ponto negativo na Pensilvânia, um grande produtor de gás e um Estado-pêndulo no qual Biden venceria por pequena margem em 2020.
Em 2022, como vice-presidente, Kamala deu o voto de desempate no Senado para o maior investimento do país para combater as mudanças climáticas, a Lei de Redução da Inflação. A lei incluiu centenas de bilhões de dólares em créditos tributários para veículos elétricos, fontes de energia renováveis e projetos industriais voltados a criar uma cadeia de suprimentos para baterias e outros componentes cruciais.
Com informações do Valor Econômico