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Receita recorrente de Arcabouço Fiscal faz sentido, mas pode afrouxar regra
É importante a decisão do Ministério da Fazenda de trabalhar com a ideia de receita recorrente na definição do nível de gasto a ser autorizado dentro da nova regra fiscal.
Em entrevista ao JOTA PRO na terça-feira (11), o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, destacou que a ideia é evitar que se contrate despesas permanentes com base em receitas extraordinárias – como concessões, bônus de assinatura, cessão onerosa, vendas de ativos, entre outras.
Ele também revelou que, dentro desse espírito, o governo também estava considerando tratar dividendos de estatais como receitas extraordinárias, retirando da base de cálculo da regra.
O raciocínio de Ceron induz a se pensar que a retirada das receitas extraordinárias vai tornar a regra fiscal mais restritiva e austera.
Mas um experiente especialista em política fiscal aponta que o efeito não necessariamente será esse, especialmente no curto prazo.
Na verdade, tem grandes chances de se dar exatamente o oposto.
A fonte lembra ainda que a regra fiscal apresentada determina que a despesa cresça conforme a variação da receita, no intervalo entre 0,6% (piso) e 2,5% (teto) acima da inflação.
Mas o governo prepara alguns movimentos políticos que podem, no fim das contas, impactar negativamente a arrecadação nos itens que podem ser classificados como extraordinários.
Exemplo da Petrobras
É o caso da política de preços da Petrobras, da ideia de reduzir a lucratividade de bancos públicos, ou mesmo de uma desaceleração no programa de concessões – já que o governo quer fazer mais investimentos diretos com orçamento ou via PPPs – ou mudança de modelo (trocando outorga por menor preço, como no passado).
Ou seja, o governo fala em tirar da base de cálculo aqueles itens da receita que podem, por decisão dele próprio, ter um desempenho mais fraco, com desaceleração ou mesmo queda.
Assim, ao serem retirados da conta, a arrecadação recorrente cairia menos, ou até subiria mais, abrindo espaço maior para a despesa se expandir.
Receita de concessões perdem fôlego
Evidentemente, ainda tem muita coisa a acontecer e é difícil antecipar os efeitos. Uma olhada nos dados do Tesouro mostra que, nos últimos meses, as receitas de concessões já estão perdendo fôlego, sem que medidas tenham sido tomadas pelo novo governo.
Em junho de 2022, essa linha das contas públicas acumulava arrecadação de R$ 50,6 bilhões em 12 meses. Em fevereiro deste ano, dado mais recente, estava em R$ 36,3 bilhões.
No caso dos dividendos – cuja saída da base ainda não é certa, mas está em avaliação – a trajetória é de alta nessa mesma comparação: estava em R$ 77,6 bilhões e agora está em R$ 91,7 bilhões.
Os dados em 12 meses dos itens acima ajudam a ilustrar o que pode ocorrer com a metodologia que o Tesouro pretende adotar em sua proposta a ser enviada ao Congresso.
Curiosamente, na soma desses dois exemplos até o resultado seria praticamente de neutralidade, embora individualmente as trajetórias estejam substancialmente diferentes.
De qualquer forma, até junho, esses e outros itens extraordinários podem ter mudanças relevantes no acumulado em 12 meses, então é importante ficar atento. Fica claro que nem tudo que reluz é ouro.
Ainda assim, faz sentido que o governo trabalhe com uma base mais estável e limpa de efeitos extraordinários para construir sua política fiscal.
Mais importante que isso, contudo, é que o governo formalize logo seu texto e coloque a sociedade para discutir em bases mais concretas o futuro fiscal do país.
Flexibilização do Arcabouço
No Congresso, no campo progressista há forças falando em flexibilizar o Arcabouço, especialmente as ambiciosas metas de resultado primário, para não amarrar o governo Lula em 2024.
De outro lado, parte do centro e da direita sinalizam maior restrição e já propõem discussões como a punição por descumprimento de metas.
De fato, o incentivo ao cumprimento dos objetivos do Arcabouço (apenas a redução do crescimento da autorização de gasto) parece muito frouxo, ainda que a ideia de criminalização da política fiscal que dominou os últimos anos tenha produzido poucos resultados efetivos.
Que o Congresso encontre um bom caminho para que a regra fiscal tenha incentivos efetivos para seu cumprimento.
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