Relator eleva linha de pobreza do Auxílio Brasil e quer reajuste anual

Presidente da Câmara pretende votar o projeto em plenário até quinta-feira, a tempo do Senado analisá-lo, antes do fim do prazo da MP, em 7 de dezembro

Relator da medida provisória (MP) que cria o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, o deputado Marcelo Aro (PP-MG) afirmou ao Valor que vai contrariar o decreto do governo que reajustou as linhas da pobreza abaixo da inflação e vai propor elevar mais a faixa de corte sobre quem pode receber o benefício. O impacto orçamentário de tal medida ainda é incerto.

O parecer também tornará obrigatória a correção das linhas de acesso e do valor dos benefícios pela inflação anual, acabará com o limite de até cinco crianças para receber o auxílio para menores, incluirá as nutrizes (amas de leite) na composição familiar, permitirá sacar o dinheiro em lotéricas (além das agências da Caixa Econômica Federal) e vai impor avaliações e metas anuais sobre o programa.

Aro finalizava o texto até o fim do dia de ontem para enviar aos líderes partidários, mas a intenção do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é votar o projeto até quinta-feira em plenário, a tempo de o Senado analisá-lo. A MP perde a validade se não for aprovada até 7 de dezembro.

A principal mudança em relação ao que defende o governo é a correção anual do valor dos benefícios e da linha da pobreza pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INCP), que também corrige as aposentadorias. A equipe econômica é contra a regras de indexação, mas o relator disse que insistirá na recomposição da inflação em seu parecer.

Além disso, ele vai propor um valor maior de renda familiar para acesso ao programa. O Bolsa Família tinha duas linhas de corte como critério para definir quem poderia receber cada benefício. Para o pagamento voltado a ajudar aqueles em extrema pobreza, a renda máxima considerada no Bolsa Família era de R$ 89. No Auxílio Brasil, esse valor subiu para R$ 100. Já o benefício para aqueles em condição de pobreza saiu de R$ 178 para R$ 200.

Aro, contudo, disse que esses valores não recuperam a inflação dos últimos três anos e que seu parecer defenderá o aumento para R$ 105 e R$ 210. “Não sei quantas pessoas vão receber a mais com isso. Só quem tem esses números é o governo, pedi e não me mandaram. Mas a recomposição de toda a inflação é o critério mais justo”, afirmou o relator.

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) obrigou a União a zerar a fila de pessoas carentes à espera do benefício. Com isso, o governo prometeu elevar de 14,7 milhões para 17 milhões as famílias atendidas e o incremento nas faixas de pobreza tem potencial para aumentar ainda mais esse número. O relator disse que não teve retorno do governo sobre os valores do Orçamento para o auxílio e para as mudanças feitas por ele.

Outra decisão que pode elevar o impacto fiscal do auxílio é acabar com o limite de até cinco crianças para o “benefício composição familiar”, que paga um “bônus” a cada criança que estiver frequentando a escola. Pelo parecer, não haverá mais nenhum teto para isso. A idade máxima para receber esse adicional passou de 18 anos para 21 anos, desde que o adolescente esteja estudando.

Para diminuir as críticas, o deputado separou a MP em duas partes: a criação de um programa de transferência de renda, nos moldes do Bolsa Família, e a criação de programas de “transformação social”, como os bônus para quem conseguir emprego ou se destacar em ciências ou esportes. “Tinha muita reclamação de que a medida provisória era uma ‘árvore de Natal’, um amontoado de ideias. Não concordo, mas organizamos isso de modo a tornar mais fácil a compreensão e permitir comparações e avaliações no futuro”, disse.

O governo terá que, anualmente, estabelecer metas para o programa e depois elaborar relatório sobre os resultados de cada uma das partes do auxílio. Se as metas não forem cumpridas, um ministro da área terá que explicar ao Congresso o motivo e as medidas para corrigir isso.

O parecer tratará apenas do programa permanente de transferência de renda, ou seja, a base para estabelecer quais famílias receberão e quais os benefícios. O auxílio temporário, que elevará o valor a pelo menos R$ 400 em 2022, ainda depende da aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) dos Precatórios pelo Senado e não constará da MP. “O que vai acontecer é que teremos que brigar no final de 2022 para tornar o temporário permanente”, disse Aro.

A maior crítica de especialistas da área social ao auxílio era a falta de definição de valores. Para Aro, o problema foi resolvido há duas semanas com um decreto. Essa regulamentação fez inclusive que ele desistisse de estabelecer um bônus obrigatório de 50% para quem conseguisse emprego com carteira assinada – diferentemente do Bolsa Família, essa pessoa ficará mais dois anos no programa como um “estímulo” a formalização. “O governo determinou que o bônus será de R$ 200. É quase 100% do ticket médio [de R$ 219], resolvi deixar como está no decreto”, disse.

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