Das cartas ao 7 de setembro: protestos e eleições

Eventos no Dia da Independência mostram a institucionalização das disputas que caracteriza as eleições

Tradicional desfile militar de 7 de setembro é realizado na cidade de São Paulo na manhã desta quarta-feira — Foto: Celso Tavares/g1
Tradicional desfile militar de 7 de setembro é realizado na cidade de São Paulo na manhã desta quarta-feira — Foto: Celso Tavares/g1

Protestos estão na ordem do dia das campanhas eleitorais desde 2018, com o levante das mulheres no #Elenão.

A campanha de 2022 já teve cartas em defesa da democracia e verá nesta quarta-feira, no 7 de setembro, um desfile militar que é também local para mobilização e ato de campanha do candidato à reeleição.

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Com tantos eventos simultâneos, o Dia da Independência traz um bom exemplo de como estão tênues as fronteiras entre formas de ação contenciosa e a institucionalização das disputas que caracteriza as eleições, principalmente em contextos nos quais as próprias regras do jogo são o alvo dos manifestantes.

Eleições são processos rotineiros para seleção das elites políticas, estruturados por regras bem definidas. Já os protestos são a eclosão de demandas por vias extrainstitucionais, frequentemente protagonizados por grupos que, sem acesso direto ao poder, buscam influenciá-lo a partir da expressão pública de demandas.

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A literatura de movimentos sociais tem sustentado a hipótese de que protestos em época eleitoral são mais comuns em períodos de transições para a democracia do que no andamento de democracias consolidadas.

Nesse segundo caso, a literatura aponta uma tendência de diminuição dos protestos em anos eleitorais, seja porque os movimentos sociais estão eles próprios envolvidos, desde dentro do sistema representativo, com a defesa de candidaturas próprias ou apoio aos seus aliados, seja porque temem que eventuais protestos, ao incorrer em algum tipo de desordem, possam ser usados por seus adversários na disputa.

A tendência seria um crescimento dos protestos no primeiro ano de governo, tanto por parte dos que venceram a disputa e vão cobrar a fatura, quanto daqueles que foram derrotados e buscam meios para fazer sua voz ser ouvida. 

A pesquisa inédita La Protesta/Brasil — realizada pelo Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva (Nepac-Unicamp) e pelo INCT-Instituto da Democracia — sistematizou notícias sobre protestos publicadas no jornal Folha de S.Paulo entre 2011 e 2020 (estamos agora ampliando a base para 2022) e traz elementos interessantes para essa discussão, embora ainda com um recuo temporal que não é suficiente para afirmações definitivas. 

Em 2014, houve um terço dos protestos verificados ao longo de 2013, que foi um ano atípico, de todo modo. Em 2018, a redução foi em torno de 10%, quando comparado com o total do ano de 2017. Nos anos posteriores ao pleito, tivemos um alto nível de conflitividade social.

Em 2015, os perdedores foram às ruas exigindo o impeachment da presidenta recém-eleita. Em 2019, as ruas explodiram com os protestos contra os cortes na educação e a reforma da Previdência. 

A princípio, esses dados confirmam a tendência geral indicada pela literatura, que é de redução de protestos em anos de eleições nacionais.

Mas há elementos novos que podem estar apontando para uma mudança de padrão, precipitada pela ascensão da extrema direita e sua natureza de um governo em campanha permanente.

Quando olhamos para as demandas que são levadas às ruas, vemos que a partir de 2018 as usuais pautas dos movimentos sociais — voltadas a demandas de emprego, saúde, educação, moradia, segurança etc. — cedem espaço para reivindicações que miram o próprio sistema político e o jogo eleitoral.

Os registros de 2014 mostram conexão com o padrão de ativismo estabelecido desde a democratização. Entre agosto e outubro, no período eleitoral, sem-teto ocuparam prédios e protestaram por moradias, vizinhos se uniram por saneamento, trabalhadores foram às ruas pelo aumento de salários, mulheres defenderam igualdade de gênero e indígenas pediram melhoria de estradas.

O tradicional Grito dos Excluídos, protagonizado por setores católicos e de esquerda, marcou as notícias do 7 de setembro. 

Entre 2014 e 2018, há uma visível mudança no perfil dos protestos nos meses de campanha. A eleição de 2018, é bom lembrar, teve elementos inusitados: a primeira após um conturbado impeachment, foi marcada pelo afastamento de um dos principais candidatos, com a inviabilização da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo atentado à faca ao candidato Jair Bolsonaro, que acabou afastado de boa parte dos debates. 

Em 2018, no primeiro dia de agosto, registraram-se mobilizações encabeçadas pelos sem-terra, defendendo a candidatura de Lula.

Seguem os atores clássicos na Nova República, mas a demanda é diretamente ligada à disputa eleitoral.

Ao longo dos três meses de campanha, em 2018, mulheres defenderam seus direitos reprodutivos, estudantes pediram verbas para a educação, negros questionaram desigualdades raciais no serviço público: questões e formas de protestos clássicas.

Porém, no conjunto dos protestos registrados, o apoio ou a rejeição à candidatura de Lula marcou a agenda de agosto. Em setembro, ganharam visibilidade as manifestações protagonizadas por mulheres contra a candidatura de Bolsonaro — no movimento #Elenão — e, em paralelo, outras manifestações de mulheres em apoio ao candidato. Em outubro, a tônica foi de manifestações contra e a favor de Bolsonaro. 

Já em agosto de 2022, nota-se reduzido registro de protestos não relacionados às eleições, tais como manifestações por reajuste salarial e paradas LGBT+.

A cobertura concentrou-se nas diversas cartas a favor da democracia — assinadas por organizações empresariais, profissionais, mas também por intelectuais, artistas e cidadãos em geral.

Além dos abaixo-assinados, ganharam visibilidade os atos de leitura dos textos, combinados a protestos em diversas capitais. Vê-se também movimentos contrários, a exemplo de uma carta de advogados em apoio ao governo Bolsonaro, mas sem a visibilidade obtida pelas anteriores. 

Setembro começa com convocações de apoiadores de Bolsonaro para as ruas, no dia 7.

Agora é acompanhar se os protestos irão se traduzir em força social capaz de empurrar ainda mais o sistema político para a crise, desacreditando as eleições e, portanto, as possibilidades de saída mediada e não violenta para os conflitos que cortam nossa sociedade, ou se serão paradas patrióticas incorporadas ao repertório do confronto eleitoral das direitas em movimento.

Por Priscila Delgado de Carvalho, Luciana Tatagiba e Larissa Melo

Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br

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