‘Terceiro turno’ das eleições não existe e deve ser chamado de golpe, dizem especialistas

Apenas o Congresso pode adiar eleições por meio de emenda; tentativa pode configurar "crime contra o processo eleitoral"

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em campanha no segundo turno. Foto: Agência O Globo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em campanha no segundo turno. Foto: Agência O Globo

Na reta final das eleições, a campanha de Jair Bolsonaro trava uma disputa judicial no Tribunal Superior Eleitoral, sob a alegação de que dezenas de rádios de regiões como Norte de Nordeste deixaram de veicular milhares de inserções da propaganda do PL, partido do presidente. Segundo o g1, antes de discursar ontem no Palácio do Alvorada, o presidente cogitou adiar as eleições, abrindo espaço para um chamado “terceiro turno”.

Para advogados especializados em Direito Eleitoral ouvidos pela Inteligência Financeira, não é possível para Bolsonaro adiar as eleições ou ainda disputar um “terceiro turno” contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), rival do presidente no pleito.

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Por que o ‘terceiro turno’ é inconstitucional

O chamado “terceiro turno” não está previsto na Constituição e nem na legislação eleitoral — as eleições não podem ser adiadas, a não ser em casos excepcionais, como catástrofes naturais que impeçam eleitores de comparecer às urnas.

“A Constituição fixa no seu texto o calendário eleitoral”, explica Juliana Vieira dos Santos, conselheira da AASP (Associação de Advogados de São Paulo). “As eleições brasileiras só poderiam ser adiadas ou ter a sua data alterada em situações especialíssimas, a partir de um debate no Congresso que não se desenrola de um dia para outro, na véspera da eleição”.

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Desde 1988, o único caso de uma eleição adiada pelo Congresso foi em meio à pandemia de Covid-19. A decisão para prorrogar o pleito municipal de 2020 seguiu uma Emenda Constitucional discutida pelo Congresso Nacional, aprovada primeiro pelo Senado e depois pela Câmara dos Deputados.

“Não é possível um terceiro turno. Isso deve ser chamado pelo nome que tem: golpe”, diz Vieira. “Quem está perdendo não tem direito de pedir mais uma chance. Qualquer tentativa de alterá-la enquadra como crime contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral”, completa a advogada.

Novas eleições

Fernando Neisser, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), faz coro à colega. “O ‘terceiro turno’ é a convocação de uma nova eleição, mas isso seria um golpe eleitoral. Não é um termo técnico. Não existe a possibilidade de adiar o pleito. No domingo, quem for escolhido presidente tomará posse em janeiro”, diz o advogado.

O correto não seria falar em “terceiro turno”, e sim na convocação de novas eleições, aponta o especialista. Portanto, seriam novas eleições gerais e os partidos teriam novas convenções. O resultado seria um quadro de candidatos diferente na disputa pela presidência. “Contudo, o mandato a ser pleiteado seria mais curto, porque a finalidade é completar o mandato da chapa cassada”, pondera Neisser.

Analistas, gestores e fontes do mercado financeiro ouvidas pela IF dizem estar confiantes em uma transição de mandatos pacífica em janeiro de 2023. Mas, segundo os profissionais de mercado, o risco de Bolsonaro não reconhecer o resultado das urnas pode ser desastroso para o pregão do Ibovespa na primeira segunda pós-eleições.

TSE fiscaliza as eleições e cassa mandatos

A petição de Bolsonaro, mesmo que fosse aceita por Alexandre de Moraes, presidente do TSE, não impugnaria a possibilidade de haver eleições no domingo.

A atribuição da Justiça Eleitoral, além de fiscalizar a votação, é cassar chapas ou candidatos. Bolsonaro não pode alterar a data da eleição por um pedido ao TSE.

A professora de Direito Eleitoral da FGV Rio, Silvana Batini, diz que a forma de cassar mandatos em plena eleição seria pela Ação de Investigação Judicial Eleitoral, ou Aije. Esse tipo de processo acolhido pela Justiça Eleitoral investiga se uma chapa ou candidato abusou de poder econômico, político ou dos meios de comunicação durante as eleições.

“Mesmo assim, esse tipo de ação envolve a produção de provas, prazo para manifestação das partes e mais ritos. Geralmente, isso leva bastante tempo, além de não impedir o rumo das eleições”, afirma Batini.

Vale lembrar que a chapa Bolsonaro-Mourão foi alvo de uma Aije por se beneficiar de disparos em massa de pelo WhatsApp, durante as eleições de 2018. A chapa foi inocentada pelo TSE, que só julgou a ação em 2021, três anos depois da posse de Jair Bolsonaro como presidente.

“A Justiça Eleitoral costuma cassar mandatos de prefeitos por meio da Aije. É uma ação que faz parte do jogo e partidos entram com pedidos no TSE, mas não implica na realização de um terceiro turno. Isso não passa de um jargão, usado para causar impacto na legitimidade do processo eleitoral”, diz Batini, da FGV.

PL não entrou com pedido para cassar Lula no caso das rádios

Até o momento, o PL não protocolou uma ação para cassar a chapa Lula-Alckmin referente ao abuso de poder dos meios de comunicação no caso das inserções de propaganda em rádios.

Um pedido para tornar Lula inelegível foi feito pelo PL ao TSE, mas sob a alegação de que o petista estaria se beneficiando de notícias falsas disseminadas por André Janones (Avante-MG), deputado eleito e coordenador da campanha do ex-presidente nas redes sociais. A acusação é de abuso dos meios de comunicação pela chapa do PT.

Votos nulos podem cancelar eleições?

Neisser explica que os votos nulos também não são capazes de alterar o resultado de uma eleição. Ao anular o voto, o eleitor simplesmente opta por não ter seu voto considerado no resultado final. “Mesmo se 99% dos eleitores votarem nulos, se 1% vota em um candidato, essa parcela do eleitorado decide a eleição”, explica o advogado.

“Por diversos motivos, a tentativa da campanha de Bolsonaro é fora do tom. Não tem como esta petição afetar os resultados do pleito de domingo”, conclui Neisser.

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