Por que os projetos da ‘agenda verde’ são importantes para a sua vida?

Mercado de carbono, eólicas offshore e hidrogênio são algumas pautas em debate no Congresso para impulsionar a economia verde

Árvores e fiação caídas na região do Brooklin Paulista após a tempestade registrada na cidade de São Paulo. Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Árvores e fiação caídas na região do Brooklin Paulista após a tempestade registrada na cidade de São Paulo. Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Após a maior parte do Brasil passar por alguns dos dias mais quentes já registrados na história – e o planeta ter ultrapassado, pela primeira vez, a marca de 2º C acima da temperatura média antes da industrialização –, a necessidade de impulsionar políticas para uma economia verde e o combate à crise climática pode ganhar nova tração no Congresso.

De acordo com especialistas ouvidos pelo JOTA, a regulação do mercado de carbono e o fomento a fontes de energia renovável, em debate pelos parlamentares, são essenciais para que o país possa se tornar referência na agenda sustentável, freando as mudanças climáticas.

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“Na medida em que se flexibiliza e dá agilidade econômica para essas energias, dado que a expansão delas interessa ao país, nós tornamos a vida das pessoas mais segura, melhorando a qualidade de vida da população. E quanto mais pessoas, empresas e grupos econômicos tiverem acesso às energias renováveis, também estamos alimentando a matriz energética do Brasil com fontes de geração descentralizada”, afirma Josilene Ticianelli Vannuzini Ferrer, professora da FAAP e doutoranda em ciência ambiental.

Essa agenda é cara ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito com a promessa de que o Brasil seria protagonista nas discussões acerca da transição energética no mundo. O presidente, inclusive, levou à Organização das Nações Unidas (ONU) o tema em seu primeiro discurso. Agora, às vésperas da COP 28, que começa no fim deste mês em Dubai, nos Emirados Árabes, o país precisa mostrar ações práticas para cumprir seus compromissos climáticos.

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Créditos de carbono

Dentro da ‘agenda verde’ que circula no Congresso, há uma proposta que deve possibilitar às empresas compensar a emissão de gases do efeito estufa que não conseguirem mitigar com projetos de captura de carbono e comprar créditos uma das outras (isto é, aquelas que reduzirem as emissões além de suas metas poderão repassar essa sobra dentro do mercado de carbono). Um crédito de carbono é a representação de uma tonelada de carbono que deixou de ser emitida para a atmosfera, e essa é a ‘moeda’ desse mercado.

Em outubro, foi aprovado por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado o projeto que regulamenta o mercado de carbono. O PL 412/22 tem como objetivo principal estabelecer o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), uma medida que busca alinhar o Brasil com as diretrizes do Acordo de Paris, criando o mercado regulado – hoje, existem apenas compensações voluntárias, sem direito a créditos e critérios de rastreabilidade oficiais.

O projeto, agora, seguirá para a Câmara. Na casa, já havia o PL 528/2021, que visa criar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – previsto na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) –, mas ele ainda não passou por votação do Plenário. Por isso, o texto do Senado tem tido mais força.

Segundo avaliação de Josilene Ticianelli, a regulação desse mercado permitirá que o Brasil possa, já em um futuro próximo, continuar a exportar seus produtos aos mercados desenvolvidos.

“A partir do ano que vem terá início, na legislação europeia, o CIBAN (Carbon Border Adjustment Mechanism, em inglês), que é um mecanismo de ajuste de fronteira associado a emissões de carbono. Então as exportações brasileiras para a União Europeia, a partir do ano que vem, vão ter que conter esses cálculos. Com isso, o Brasil precisará enviar produtos para a Europa com a rastreabilidade da compensação de emissão. Então existem muitas questões da ordem de mercado internacional em que o Brasil está sendo pressionado a cumprir”, disse.

Para que o Brasil possa fomentar esse mercado e se adequar às futuras regras, contudo, há a necessidade de uma legislação pensada e organizada de maneira clara, objetiva e simples. Isso é o que se espera com o estabelecimento de um mercado regulado de carbono.

“O Brasil tem potencial para ser um condutor das políticas verdes no mundo”, afirma Samuel Barros, doutor em Administração e reitor do Ibmec RJ. “Hoje, poucas pessoas entendem o funcionamento desse tipo de mercado. Um processo de educação, criação de modelos e regras, além de uma visão real dos potenciais ganhos que o país, a sociedade e as empresas podem ter utilizado esse tipo de mercado é essencial para que ele possa crescer no país e se tornar relevante. Isso significa que será necessário incentivar esse mercado”, conclui.

Energia verde

Além da regulação da emissão de carbono, o Congresso promete ainda dar atenção ao projeto de eólicas offshore (PL 576/2021), que está parado na Câmara após divergências entre os deputados. O texto prevê a disciplina da outorga de autorizações para aproveitamento do potencial energético offshore (isto é, fora do continente, no Atlântico) e prevê uma regulação semelhante a dos leilões do petróleo, com a arrecadação garantida pelo bônus de assinatura e uma espécie de royalty pela exploração da área.

A proposta tem ligação direta com a regulamentação do hidrogênio verde ou de baixo carbono, que consta em outro projeto de lei (PL 2308/2023). A regulamentação do hidrogênio é objeto de análise em duas comissões especiais no Senado e na Câmara e deve incluir o hidrogênio verde e o hidrogênio combustível na Política Energética Nacional.

Com a medida, esses combustíveis devem se tornar elementos da matriz energética, o que possibilita o desenvolvimento de um mercado e de uma regulação próprias. Essa fonte de energia limpa é vista com bons olhos pelo prognóstico de substituir as matrizes usadas em indústrias de difícil descarbonização, como a do aço.

“Temos uma matriz energética diversificada, com fontes renováveis como a hidrelétrica, a eólica e a solar. Um marco de apoio a geração de energia limpa tem que ter o foco na facilitação e incentivo ao uso dessas energias mais sustentáveis e com menor pegada de carbono para o país”, afirma Barros.

Para Ticianelli, esses projetos que estão sendo analisados, podem regular o mercado de maneira positiva. “O processo legislativo tem seus riscos. Às vezes, boas intenções se transformam em projetos muito desfigurados, mas se conseguirmos ter um processo de boa negociação na Câmara e sem grandes mudanças, evitando a distorção dos projetos que estão em tramitação, nós podemos ter benefícios ao país. Isso significa, por exemplo, desonerar legislações com impostos desnecessários para a produção de energia limpa e sustentável”, analisa.

Mercado pode ajudar

Para além da regulação, o mercado de capitais também pode ajudar no fomento dessa agenda verde, defende Marcela Kasparian, sócia fundadora da Semeare Investimentos.

“Uma das formas é por meio da oferta de produtos e serviços que incentivem as práticas sustentáveis. Por exemplo, os bancos podem oferecer linhas de crédito com taxas mais baixas para empresas que investem em projetos verdes. Os fundos de investimento também podem oferecer opções de investimento que priorizam as empresas com melhores práticas ESG (ambiental, social e governança, em português)”, disse.

Os investidores pessoas físicas, assim como fundos, também podem contribuir para o desenvolvimento do mercado verde por meio de investimentos em emissões de dívidas verdes.

“As emissões de dívidas verdes são títulos de dívida emitidos por empresas ou governos para financiar projetos ou iniciativas sustentáveis. Os investidores que compram esses títulos estão financiando diretamente projetos que contribuem para a proteção do meio ambiente, o desenvolvimento social ou a boa governança”, completa.

Na perspectiva da especialista, as alterações legislativas podem chegar à vida cotidiana das pessoas de forma mais direta do que se pode pensar à primeira vista. “De um lado, as pessoas podem levar mais a sério a descarbonização, comprando de empresas que prezam por isso”, afirma. No caso de um mercado de carbono, haverá indicadores mais claros sobre a descarbonização e as compensações pelas empresas, por exemplo.

“Em um mercado regulado, será mais fácil para as companhias realizar essa redução e os consumidores vasculharem quem realmente se importa. Já com o hidrogênio, a alteração mais latente será a possibilidade de uma geração de energia barata e limpa para a produção de itens que, no final do dia, chegam à casa de todos”, disse.

Além disso, observar os efeitos de eventos climáticos extremos na prática também abre os olhos da sociedade – haja vista os transtornos causados pela onda de calor e as tempestades recentes.

Vinícius Pereira, repórter freelancer

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