‘Uma postagem errada de executivo não passa mais batida’, diz o ex-gestor de carreira de Anitta
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Poucas agendas telefônicas no país são tão valiosas quanto a de Pedro Tourinho. De atores globais a artistas independentes, de candidatos à Presidência a empresários internacionais, estão todos lá. Falta alguém? “Olha”, começa, após refletir por alguns minutos. “Minha agenda realmente é muito boa. Eu chego a qualquer pessoa do mundo, não vou mentir, não”, diverte-se.
O trânsito livre pelos setores é resultado da trajetória construída pelo empresário de 42 anos nas intersecções entre cultura, entretenimento e negócios. De um lado da equação estão artistas como Regina Casé, Bruno Gagliasso e Anitta, cujas carreiras contaram com o direcionamento de Tourinho. De outro lado, há seu trabalho em marketing e publicidade para marcas do porte de Netflix, Vivo e Ambev.
Desde a primeira empresa, em 2000, o objetivo é criar parcerias que sejam proveitosas para as duas pontas: “Eu entendi logo que quando há um match entre o interesse da marca e o interesse do artista, as coisas se viabilizam [de maneira] muito forte”, explica. Agora, quer expandir o alcance dessas conexões, formando o que chama de “ecossistema de valor”. Tem uma palavra como guia: “Impacto. Impacto social e cultural. Estou obcecado com isso”, diz.
Foi de olho no impacto que seu trabalho é capaz de gerar que, em 2021, Tourinho recalculou a rota. Em novembro, vendeu para as sócias Amanda Gomes e Marina Morena sua parte da MAP Brasil, agência de gestão de carreiras artísticas que ajudou a criar em 2016. Com a agenda mais livre, intensificou a participação na SOKO, agência de publicidade da qual é sócio e chief business development officer (ou diretor de desenvolvimento de negócios).
Fundada por Tourinho e Felipe Simi em 2016, a SOKO entrou no mercado com a ideia de dar prioridade a um engajamento mais orgânico gerado por boas histórias em vez da compra de espaços de mídia. De acordo com ele, inicialmente o grande diferencial da agência era a SOKO Índex, uma metodologia proprietária desenvolvida para mensurar o alcance e o engajamento de mídia não paga.
Até que a equipe trouxe uma provocação: “Sempre contratamos lideranças pretas, mas de forma meio orgânica. Em uma reunião, os funcionários disseram: reconhecemos que isso está acontecendo, mas é pouco. Temos que ser mais firmes na proporcionalidade. Ou seja, buscar ter no time a mesma proporção demográfica de diversidade do nosso país”. A partir daí, diz, virou-se uma chave.
Com 400 funcionários – reflexo da fusão com a agência CuboCC no ano passado -, a SOKO encerrou 2021 com 54% de mulheres, 46% de pessoas LGBT, 39% de pessoas negras. Segundo Tourinho, nenhum recrutamento vai adiante se 80% das candidaturas não forem diversas. E crava: dá resultado. Sem abrir números, a agência informa ter dobrado o faturamento entre 2020 e 2021 e tem na prateleira cinco Leões conquistados no Festival Internacional de Criatividade de Cannes.
“Somos mais criativos porque temos diversidade. Isso nos trouxe um fator de competitividade maior do que qualquer outra coisa”, avalia o empresário, deixando a SOKO Índex em segundo plano.
Entra aqui uma nova peça estratégica na “obsessão” de Tourinho por impacto social e cultural: a consultoria a altos executivos. “Eles não têm noção do impacto que podem ter com decisões simples”, argumenta. Segue para um exemplo prático: “Se o CEO de uma empresa, com uma canetada, tira o inglês como exigência para cargos em que não se fala inglês, ele inclui no recrutamento uma população inteira que não teve acesso a aprender o idioma”.
Mas não é apenas para apoio em decisões institucionais que esse público o procura. Como parte da tarefa de gerir carreiras artísticas, Tourinho aprendeu a lidar com crises de imagem, especialmente em redes sociais.
Hoje, é acionado para ajudar empresas e CEOs a navegar o ambiente digital: “Uma postagem errada de um executivo não passa mais batida. De outro lado, quem mantém uma presença consistente nas redes tem mais influência”. E avisa: “O diálogo está acontecendo. Você não estar nele não quer dizer que não estejam falando de você ou de sua empresa. Pelo contrário. A narrativa está correndo solta”.
Tourinho confessa que o cansaço de gerir crises de celebridades foi um fator para se afastar da MAP Brasil. “Isso me tirava muita energia”, diz. Ao contar da saída, explica seus processos deliberativos: “A decisão [de deixar a agência] demorou porque envolvia muitas relações pessoais. Mas, uma vez tomada, foi rápido. Sou bom de decisões grandes. Vou me mudar de cidade? Mudo. Vou fechar uma empresa? Fecho. Sou ruim de decisões pequenas. Café ou chá? Sofro. Em qual restaurante vamos? Sofro”, ri.
Cliente assíduo do restaurante Gula Gula no Rio de Janeiro, Tourinho escolheu a filial paulistana para um farto brunch na manhã de uma quinta-feira. Ocupou-se de consultar Léo Galvão, relações-públicas e seu amigo, sobre a realização da pauta no local. Situada em um casarão tombado próximo à avenida Paulista, a unidade abre durante a semana para almoço e jantar, oferecendo café da manhã apenas aos sábados, domingos e feriados. Mas, para Tourinho, fez-se uma exceção. Na hora de pagar a conta, o restaurante insistiu na cortesia.
O empresário chega desacompanhado para a conversa, sem a sua assessoria de imprensa. Com um apartamento no bairro de Pinheiros, diz correr de São Paulo assim que os compromissos acabam. Tem como refúgio dois endereços, onde mora sozinho: no bairro carioca do Leme e no Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, sua cidade natal. Acabou se tornando uma espécie de “embaixador” local: “Peguei a cultura da minha terra como um elemento tão forte da minha personalidade e gosto tanto de mostrar Salvador para as pessoas que ficou indissociável”, diz.
É lá, na Bahia, que a história começa. Em sentido quase literal. Entre outros causos, fala que os Tourinho estão no Brasil desde 1530, vindos de Portugal: “Sou descendente do capitão donatário da Capitania de Porto Seguro”, informa. Maria Elisa Conde, sua mãe, por anos geriu a agência de turismo da família, Conde Turismo – segundo ele, a mais antiga do país.
De volta ao século XXI, conta da influência do pai, Rodolfo Tourinho: “Meu pai foi diretor da TV Bahia. Naquele tempo, a TV fazia muita coisa em cultura e entretenimento”, lembra. Na companhia dele, aos 12 anos começou a frequentar o Carnaval de Salvador. Aos 14, encantou-se pelos blocos afro que saem na cidade, como Olodum e Filhos de Gandhy. Aos 20, juntou-se a uma agência de publicidade local para abrir a Ogan, sua primeira empresa.
Voltada para marketing promocional, a Ogan tinha como principais clientes as empresas de telecomunicações que chegavam ao Brasil. Tourinho viu-se com orçamentos generosos para ações de ativação de marcas desejosas de se firmarem no mercado. Veio o estalo: “De um lado, eu via artistas brilhantes num perrengue para fazer as coisas acontecerem. De outro, marcas que queriam se aproximar da cultura do lugar. Comecei a fazer essas conexões”, diz, dando como exemplo uma parceria fechada entre a empresa TIM e a banda Timbalada.
O nome da Ogan vem do candomblé, religião de Pedro Tourinho. “O ogã é aquele que cuida para que a festa aconteça. Achei que tinha muito sentido”, explica. Tem no pensamento nagô uma grande influência: “A questão do pragmatismo, da simultaneidade das coisas, da dualidade [entre bom e ruim] que não existe. Você não julga. Você enxerga as coisas como elas são”. Entre as 19 tatuagens, traz na pele a palavra que resume a energia de realização do candomblé: axé.
A Ogan chegou ao fim quando Tourinho percebeu que, aos 20 e poucos anos, passava tardes assinando cheques. Aceitou o convite do grupo Publivendas para gerir uma nova agência, também em marketing promocional. Atendeu contas como o Festival de Verão Salvador e o Walmart, cliente pelo qual, em 2004, mudou-se para São Paulo.
Depois de dois anos, Tourinho disse adeus à terra da garoa e à área do varejo e foi passar uns meses na Europa. O retorno teve destino certo: o Carnaval de Salvador. Como executivo do Grupo ABC, que tem entre seus fundadores o publicitário Nizan Guanaes, participou da estruturação do modelo comercial do evento. “Eles [o Grupo ABC] tinham ganhado uma licitação da prefeitura para pensar como vender o Carnaval. Como construir as cotas de patrocínio, a participação das marcas”, lembra.
A experiência com Nizan no Carnaval evidenciou um desejo de migrar para o entretenimento, o que desencadeou uma virada em sua trajetória. Formado em comunicação social pela baiana Unifacs, pegou o avião para se especializar em entretenimento e mídia na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). E aí, Michael Jackson morreu.
Que conste: Tourinho nunca foi fã de Michael Jackson. Mas, naquele 25 de junho de 2009, viu-se em uma posição privilegiada – morava no meio do caminho entre a casa do cantor e o hospital para onde foi levado. Um dos brasileiros pioneiros no uso da rede social Twitter, noticiou o fato em seu perfil e, com um celular BlackBerry em mãos, correu para o hospital.
Sua cobertura em tempo real do evento via Twitter lhe rendeu contratos com emissoras de televisão brasileiras para comentar o caso. Passou de 1 mil para 10 mil seguidores na plataforma, o que “era bastante coisa” (hoje, são mais de 435 mil). Antes mesmo desse episódio, sabia que as redes sociais mudariam o jogo: “Eu pensava: imagina que você vai ser dono da sua audiência. Você vai dar sua própria manchete. Isso é muito poderoso”.
Rodeado de amizades famosas cultivadas no verão de Salvador, Tourinho saiu instalando a rede social no celular de todos, como o ator Bruno Gagliasso.
E o que acontece se celebridades como Gagliasso e Marcos Mion se juntam em ações digitais coordenadas? Tourinho quis saber. Sob o nome de “Piratas do Twitter”, reuniu um grupo para ver se “mexiam o ponteiro” da rede. Hashtags das mais diversas foram emplacadas entre os assuntos populares. E veio o convite de Mion para que assumisse a diretoria de conteúdo do programa “Legendários”, na Record TV.
Tourinho trouxe dos Estados Unidos a ideia de conteúdo transmídia adotada no programa. Com a tecnologia disponível em 2010, a experiência não era bem como é hoje: “Não existia smartphone. Mion falava: coloque seu computador do lado da televisão”, diverte-se. Enquanto Mion ia ao ar na TV aberta, um conteúdo complementar era veiculado pela internet – tudo ao vivo. “Ganhamos prêmios, reconhecimento em universidades”, diz.
Quando sentiu que a missão estava cumprida, Tourinho partiu para trabalhar com “branded content” (ou conteúdo para marcas) na agência New Content, mas se frustrou. Foi na New Content, entretanto, que conheceu Simi, seu sócio na SOKO. E foi lá que viveu o que chama de “ponto de virada emocional” com o projeto “Que Bloco É Esse?”: “Não existia conteúdo a respeito dos blocos afro. Convenci a Petrobras a pegar R$ 2,5 milhões da verba de marketing para produzir documentários e clipes sobre os blocos de Salvador. Teve muito impacto na comunidade. Aí, vi que dava para fazer coisas assim”.
Após outras experiências profissionais, Tourinho decidiu transformar em negócio algo que fazia de modo bastante informal para amigos: a gestão de talentos. Nascia, então, a empresa NoPlanB, cujo propósito vem estampado no nome: “Fazer com que os artistas atinjam todo o seu potencial sendo quem são, sem plano B”, explica.
Sua visão bebe na fonte de Agostinho da Silva, um filósofo português radicado no Brasil a quem faz referência constante: “Torna-te quem tu és e seja contagioso”, cita do intelectual.
O primeiro cliente da NoPlanB foi Gilberto Gil, seguido de outros nomes da cena cultural. Em 2016, veio a fusão com a MAM Comunicação, das amigas Amanda Gomes e Marina Morena, dando vida à MAP Brasil. Vê como bem-sucedida a união entre as agências de perfis distintos (a MAM, focada em influência e comercial; a NoPlanB, com expertise artística). “Passou a ter mais prosperidade”, avalia.
Que o diga a cantora Anitta. Artista da MAM, foi na MAP Brasil, pelas mãos de Tourinho, que se costuraram seus contratos milionários com Ambev, Nubank e Fazenda Futuro. “Esses contratos envolvem valorização de ações, então não dá para ter números tão precisos”, despista, ao responder sobre valores. Os três acordos conferem a ela um papel que ultrapassa o de garota-propaganda: na Fazenda Futuro, por exemplo, Anitta se tornou sócia – “último contrato que fiz na MAP”, diz.
Tourinho é cuidadoso ao falar da artista. Não quer alimentar o que chama de um “mercado machista”: “Anitta realmente é a empresária da carreira dela. Eu tinha com ela o papel específico de representar os contatos publicitários e os projetos de audiovisual. Mas se eu não fizer essa ressalva, facilmente vem na imprensa o título: ‘O homem por trás de Anitta’”, afirma.
Não só isso. Observa que esse tipo de discurso reforça uma visão distorcida do que é, de fato, o seu trabalho: “Criou-se uma imagem hollywoodiana do agente como dono do artista”, diz. Segundo ele, sua abordagem aposta mais na troca do que na imposição de ordens: “É tirar as fraquezas do artista, potencializar as fortalezas, dar recursos para que ele decida. A decisão é do artista, sempre”.
Em 2021, Tourinho viu-se com 50 clientes na MAP Brasil, em um modelo que considera exaustivo: “Cuidar de carreiras inteiras de muitos artistas estava me consumindo”, conta. Também afirma ter cumprido o que considera um ciclo quando compartilhou sua expertise em gestão de imagem no livro “Eu, eu mesmo e minha selfie”, publicado em 2019 pela Portfolio-Penguin. Deu-se a saída da agência.
Desde então, escreveu um novo livro, em revisão final. “Ensaio sobre o cancelamento” oferecerá uma reflexão sobre a dinâmica de constrangimento característica das redes sociais, que Tourinho considera positiva para o avanço da sociedade. Adianta um argumento da obra, prevista para ser lançada também em podcast: “Cancelamento não pede gestão de crise. Pede aprendizado”, defende.
Os projetos pessoais seguem, como a sociedade na marca de camisetas básicas por assinatura Milk42. Mas cerca de 40% do seu tempo, diz, tem ido para o coletivo: “Meu conhecimento tem que estar à disposição tanto de uma empresa quanto de uma associação comunitária, sabe?”. Cita a mentoria voluntária que faz há anos para a Batekoo, plataforma cultural criada por jovens negros na Bahia. Na busca por impacto, o investimento em tecnologia tem se mostrado estratégico: é conselheiro também das plataformas Letrus, em educação, Orelo e Noodle, ambas em economia criativa.
E há ainda um objetivo futuro, expressão máxima da “caneta na mão”: ocupar um cargo executivo no Estado. Defende políticas públicas que encarem a cultura como a atividade econômica que ela é: “A cultura no Brasil sempre foi vista como se fosse um investimento a fundo perdido. Quando é um mercado que produz muito valor, sustenta milhões de famílias”. E propõe: “Assim como pequenas empresas têm sistemas de burocracia que facilitam a vida, por que não para as empresas culturais?”.
Até lá, vai tecendo redes. “Quando você vê que consegue juntar as pontas para que as coisas aconteçam de um jeito positivo, com resultado para a empresa e impacto para o planeta, é o melhor dos mundos”, diz. Como na frase de Agostinho da Silva, Tourinho trabalha para tornar sua utopia contagiosa. Sem plano B.
Por Mariana Tavares
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