Receita detalha nova tributação sobre ‘super-ricos’ e offshores; entenda

Expectativa do governo é de que as novas medidas tenham impacto positivo de cerca de R$ 20 bilhões no orçamento da União

A taxação de super-ricos tem turbinado a arrecadação do governo. Foto: Getty Images
A taxação de super-ricos tem turbinado a arrecadação do governo. Foto: Getty Images

Publicada pela Receita Federal neste mês, a Instrução Normativa 2.180/2024 estabelece entendimentos e procedimentos da Lei 14.754/2023, que regulamenta as novas regras de tributação sobre fundos de investimento dos chamados ‘super-ricos’ e as aplicações em offshores.

Mas, afinal, o que muda com a resolução e como ela impacta a nova lei?

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De acordo com especialistas, a instrução normativa tem como objetivo expor o entendimento da Receita Federal sobre a lei, que já está em vigor, e criar procedimentos para que os contribuintes possam cumpri-la, como criar formulários, meios de pedido e listar documentos necessários.

Aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em dezembro do ano passado, a Lei 14.754 traz dois pontos principais.

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O primeiro diz respeito à tributação sobre a renda obtida no exterior por offshores e trusts.

De acordo com a lei, lucros apurados via companhias controladas no exterior por residentes no Brasil vão passar a ser tributados anualmente.

Isso acontecerá sempre no dia 31 de dezembro do exercício vigente.

Portanto, não mais no momento da percepção dos recursos pelo investidor.

O que passa a valer?

Assim, passa a valer para as offshores a lógica do chamado regime de competência, pela regra de tributação periódica que já existe para investimentos feitos por empresas brasileiras via controladas no exterior.

A lei estabelece alíquota de 15% anuais sobre os rendimentos a partir de 2024, mesmo se o dinheiro permanecer no exterior.

Dessa forma, o recolhimento ocorrerá antecipadamente com as mesmas regras dos fundos exclusivos. A mudança também põe fim à tributação sobre a pessoa física titular de acordo com a tabela progressiva do IR.

No segundo ponto o foco é a tributação de fundos de investimento no Brasil.

São mudanças importantes que atingem principalmente os fundos até então conhecidos como exclusivos, com investimento mínimo de R$ 10 milhões, impondo a tributação semestral conhecida como come-cotas.

Mudanças nos fundos exclusivos

Dessa maneira, os fundos exclusivos de curto prazo terão uma alíquota de 20% e os de longo prazo, de 15%.

Pela legislação antiga, os fundos dos “super-ricos” só seriam tributados quando os detentores resgatam seus lucros.

Isso pode levar anos ou até nunca acontecer.

Assim, com a lei, fundos exclusivos passarão a ser taxados semestralmente, no sistema come-cotas, e os offshore, uma vez por ano.

No caso dos fundos exclusivos, o documento publicado pela Receita traz a possibilidade de atualizar o valor de bens e direitos situados fora do país, permitindo a apuração e antecipação de ganhos de capital com uma alíquota fixa de 8%, cujo recolhimento deve ser efetuado até 31 de maio.

“Após esta data, a alíquota padrão será de 15%”, diz o Ministério da Fazenda em nota.

“Nas situações em que o contribuinte vislumbre a necessidade de liquidez a curto prazo de seus ativos, a alíquota de 8%, torna-se uma boa opção. A opção pela atualização dos ativos poderá ser feita até 31 de maio de 2024”, afirma Graziele Pereira, advogada tributária.

Outro ponto previsto pelo documento publicado pela Receita diz respeito ao tratamento dado à variação cambial de moeda estrangeira mantida em espécie pelos investidores brasileiros.

Segundo o órgão, “os ganhos obtidos pela variação cambial de moeda estrangeira não serão tributados pelo Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) até um limite de alienação equivalente a 5 mil dólares no ano-calendário”.

Acima disso os ganhos integralmente sujeitos ao IRPF seguirão tabela progressiva de alíquotas que variam conforme o valor total do ganho de capital, que vai de 15% a 22,5%.

Opinião de especialistas

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, as alterações que passaram a valer neste ano são importantes ferramentas de transformação tributária no Brasil.

“As mudanças são significativas, pois alteram paradigmas antigos da legislação, atingindo diretamente investidores que tinham à sua disposição mecanismos para grandes diferimentos tributários. Seu caráter é fortemente arrecadatório, mas também de modernização da legislação, em um contexto global de combate a estruturas que postergam ou impedem a incidência de tributos”, afirma o advogado tributarista Arthur Barreto.

De acordo com Alan Medina, advogado tributarista e sócio no escritório Böing Gleich Advogados, mesmo que aprovadas, as mudanças abrem espaço para a possibilidade de judicialização, dado que tais alterações são controversas e poderão ser questionadas judicialmente pois promovem a tributação antecipada de situações em que não há ainda renda auferida pelo investidor.

“Nesse sentido, discordamos daqueles que alegam que a lei ataca com o ‘diferimento’ do imposto de renda, como medida de igualdade fiscal. Isso porque, como cada pessoa física ou jurídica são entidades diversas, um resultado periódico de um investimento que ainda não foi distribuído ao investidor não poderia ser considerado como renda auferida”, afirma.

Aumento da arrecadação

A medida aprovada pelo Congresso no fim do ano passado vai ao encontro dos esforços do governo Lula em aumentar a arrecadação, em meio a promessa de cumprir a meta de déficit primário zero já em 2024.

Para isso, o governo estima que precisaria obter cerca de R$ 168 bilhões em receitas extras.

Por isso, o governo optou por aumentar a base de arrecadação, estendendo impostos já existentes aos mais ricos.

As novas medidas devem ter um impacto positivo de cerca de R$ 20 bilhões neste ano.

“É uma tentativa de aumentar a arrecadação para diminuir o déficit fiscal, sem os mesmos efeitos negativos na base eleitoral e de apoio do governo, como ocorreu na tributação dos itens adquiridos de varejistas asiáticos. Além disso, a tributação gera maior controle do governo federal sobre os setores específicos e os investidores, na medida que as hipóteses beneficiadas por uma tributação otimizada ficam mais escassas”, diz Alan Medina.

Para o advogado Arthur Barreto, o governo atual optou por estender o come-cotas aos fundos exclusivos, em movimento que já vinha sendo ensaiado nas últimas gestões, como forma de equalizar o tratamento com outros fundos e garantir aumento de arrecadação.

“A maior parte dos fundos de investimento, antes da nova lei, já se submetia ao regime do come-cotas, que em termos simples é uma antecipação semestral do imposto de renda devido quando do resgate, amortização ou alienação das cotas. Os fundos de investimento exclusivos, por outro lado, permitiam ao investidor aplicar seus recursos e mantê-los investidos por prazo indefinido gerando rendimentos sem que houvesse tributação, visto que não estavam sujeitos ao come-cotas, o que favorecia o reinvestimento dos lucros, mas impedia o governo de acessar tais rendimentos por meio da tributação”, conclui.

Vinícius Pereira, repórter freelancer do JOTA

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