Recuperação do Ibovespa desde o pior da crise tem sido desigual
Nos últimos dois anos, índice subiu 85%, mas há empresas com perdas acumuladas
O pregão de ontem marcou o segundo aniversário da data em que o Ibovespa alcançou sua pontuação mais baixa após a eclosão da pandemia de covid-19. De lá para cá, a economia global e o mercado financeiro passaram por vários ciclos distintos, o que acabou por distorcer os preços de ações de diferentes segmentos na bolsa de valores brasileira.
Levantamento realizado pelo Valor Data mostra que, dois anos depois da mínima registrada pelo índice durante a crise, de 63.569 pontos, e sua forte recuperação – ontem fechou a 117.457 pontos, com alta acumulada no período de 84,7% – algumas ações ainda trazem retornos decepcionantes, com valor de mercado abaixo do registrado naquele momento crítico.
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É o caso de Magazine Luiza, que registrava ontem valor nominal de mercado R$ 8,6 bilhões abaixo do que tinha há dois anos. Ou da Eztec, que viu seu tamanho ser reduzido em R$ 2,1 bilhões no período. Outras empresas, como MRV, EcoRodovias e BR Malls, recuperaram parte das perdas recentemente, com pequenos aumentos de R$ 728 milhões, R$ 363 milhões e R$ 675 milhões, respectivamente.
Há também, já que o índice quase dobrou em pontuação, destaques amplamente positivos, em sua maioria “blue chips” (ações mais relevantes e líquidas da bolsa). Entre os bancos, o Itaú cresceu R$ 51 bilhões em valor de mercado nesses dois anos, o Bradesco avançou R$ 58,5 bilhões, o Santander ganhou R$ 44,8 bilhões e o Banco do Brasil, R$ 36,6 bilhões. Já Petrobras e Vale, que partem de uma base mais elevada dado o seu tamanho, tiveram aumento de R$ 279 bilhões e R$ 302 bilhões em valor.
Entre ganhadores e perdedores, o Ibovespa viveu esses dois anos sob muita volatilidade. A instabilidade causada pela pandemia deu origem a uma série de pequenos ciclos, fazendo com que ações de determinados segmentos aumentassem ou diminuíssem em atratividade rapidamente ao longo desse período.
Alexandre Sabanai, gestor da Perfin, diz que em março de 2020, em meio ao derretimento das bolsas, o mercado passou dias sem referencial. Foram registrados seis “circuit breakers” (pausa no pregão quando o índice recua 10%, 15% ou 20%) em apenas oito pregões na bolsa brasileira. “Agentes precificam bem riscos e retornos, mas não sabem lidar com incertezas. Não sabíamos o grau de letalidade do vírus, quanto tempo demoraria para as infecções se estabilizarem. Passado o pânico inicial, investidores avaliaram os setores que sofreriam mais”, diz.
Então, parte dos ativos começou a dar um primeiro sinal de recuperação, principalmente em setores mais essenciais como supermercados, farmácias, saneamento e energia. Outros tiveram mais dificuldades, como shopping centers, companhias aéreas, concessões rodoviárias e varejo de rua.
Foi aqui que surgiu, como recorda Phil Soares, chefe de análise de ações na Órama Investimentos, a corrida por ativos de tecnologia, enquanto se falava do “novo normal”. Lá fora, as “big techs” (grandes companhias de tecnologia) foram vencedoras naturais, enquanto, no Brasil, as beneficiadas já tinham ou aceleraram sua presença digital. Via Varejo subiu 200% entre março e setembro de 2020 e a novata Locaweb, 450%.
O mercado viveu ainda um rali mais generalizado no fim de 2020, refletindo certa esperança com o início do processo de vacinação, até que a segunda onda da covid-19, e o consequente segundo lockdown, voltaram a gerar mais alguns meses de volatilidade no início de 2021.
No entanto, com uma nova reabertura da economia em abril e os estímulos oficiais fazendo efeito, diz Fernando Bresciani, analista de investimentos do Andbank, economistas revisaram dados de atividade para cima e as empresas voltaram a entregar grandes resultados, se aproveitando da base deprimida do ano anterior, o que deu fôlego ao apetite comprador. No dia 7 de junho de 2021, o Ibovespa fechou a 130.776 pontos, chegando a marcar 131.190 durante a sessão.
A China, que estimulava sua economia após a crise, deu ainda gás às commodities metálicas, fazendo o minério de ferro alcançar o patamar de US$ 220 em junho de 2021. Mas durou pouco. Pressões inflacionárias começaram a desencadear aumentos nos juros e, adicionalmente, o país lidava com uma crise hídrica e incertezas fiscais e eleitorais – o mercado local passou a patinar praticamente sozinho no segundo semestre de 2021.
No início deste ano, em meio a uma elevação nos preços do petróleo e a recuperação nos patamares do minério, os ativos locais começaram a chamar atenção dos investidores internacionais: são R$ 81 bilhões aportados até o dia 21 de março, com foco nas blue chips.
Especialistas chegaram a falar em um transbordamento do fluxo externo para os ativos ligados à economia local, mas, depois que a guerra na Ucrânia começou a afetar a inflação, já não há um consenso sobre isso. Por enquanto, o Ibovespa se mantém em alta. Ontem, o índice completou sua sexta alta consecutiva e ganhou 0,16%, aos 117.457 pontos, com papéis locais testando o discurso de que há ainda ações descontadas por aqui.
“Ainda não dá para ver um crescimento contundente, já que há muitas incertezas envolvendo juros, inflação. Mas o cenário de volatilidade promove estes movimentos”, diz Bresciani. Ontem Grupo Soma ON subiu 7,15% e Lojas Renner ON ganhou 5,54%, enquanto Petrobras ON e PN tiveram alta de apenas 0,97% e 1,39%.