Transparência de custos em investimentos começa a ser testada

Regra da CVM trará adiante distinção do que o cliente paga nas suas aplicações

Horta, do Itaú: animado com nova regulação e com ‘mecânica de execução por trás da remuneração variável e como o mercado coloca isso na cadeia’ — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Horta, do Itaú: animado com nova regulação e com ‘mecânica de execução por trás da remuneração variável e como o mercado coloca isso na cadeia’ — Foto: Silvia Zamboni/Valor

A primeira etapa da regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que trata da transparência de custos na oferta de investimentos começa a valer a partir de 1º de junho. É um “esquenta” para uma mudança mais estrutural adiante, quando a cadeia de distribuição de bancos e corretoras terá que explicitar quanto recebe pelas aplicações sugeridas por gerentes e assessorias de investimentos.

De imediato, as regras da instrução 179, editada em fevereiro, são bem parecidas com o que a autorregulação da Anbima, que representa os mercados de capitais e de investimentos, já prevê, com uma descrição qualitativa na internet de todas as formas de remuneração recebidas, direta ou indiretamente, pelos intermediários, além de demais incentivos que configurem potenciais conflitos de interesse.

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A partir de janeiro de 2024, o investidor passa a ter à mão uma foto mais completa sobre os valores das comissões diretamente cobradas, percentuais de taxa de administração e performance em fundos, o spread (a diferença entre o custo de aquisição e de venda) de valores mobiliários, corretagem e a taxa de câmbio em conversões de moedas, entre outros. Trimestralmente, haverá um extrato com tudo aquilo que foi comercializado.

O que o regulador pretende é que, na ponta, o investidor saiba quanto paga de fato, replicando o que já ocorre em operações de empréstimo e financiamento com a discriminação do custo efetivo total do crédito. Uma linha pode ter a mesma taxa de juros entre uma instituição financeira e outra, e o preço final numa delas ser maior por causa de um seguro embutido.

Para a execução das regras da CVM ainda faltam algumas definições, mas o que alguns participantes do setor já vislumbram ao longo do tempo é uma maior abertura para a cobrança de uma taxa relativa ao patrimônio administrado, o chamado “fee based”, em lugar das comissões por produtos vendidos.

“É uma iniciativa bem-vinda porque hoje tem alguns produtos que o cliente não vê quanto está pagando, como esse dinheiro é contabilizado dentro da instituição financeira e como o assessor está recebendo”, diz Claudio Sanches, diretor de produtos de investimentos e previdência do Itaú Unibanco. “E, comportamentalmente, o que o ser humano não vê, ele acha que é mais barato.”

Na largada, o executivo espera alguma confusão, a transparência terá que vir casada com informação. Num fundo multimercado, por exemplo, o investidor pode pagar os mesmos 2% de taxa de administração em diferentes plataformas e enxergar na decomposição do custo um percentual maior em determinado distribuidor. É nessa minúcia que ele vai ter pistas se há um incentivo para a oferta daquela carteira na corretora A ou B, mas precisa saber reconhecer isso.

Para produtos que não têm taxa, mas sim um spread, a discussão é como expor esse preço que se desdobra entre emissor e distribuidor. Num certificado de operações estruturadas (COE) ou num papel de dívida, o comprador do título hoje não sabe quanto está deixando na mesa, e passará a ter essa abertura.

“Se pega um papel de renda fixa com prazo médio de cinco anos e o investidor pode ficar só um, pode haver o incentivo para vender o mais longo porque [o assessor] está trazendo para o momento atual a receita de cinco anos; depois resolve o que vai fazer, pede para o cliente eventualmente sair no secundário”, diz Sanches.

O executivo acha que o empurrão regulatório vai mitigar essa falha de mercado focada em produtos ao dar abertura para taxas e spreads. “Vai trazer uma grande mudança no mercado, não só da transparência, mas da maneira como o cliente vai olhar os produtos. Hoje, ele tem a sensação de que não está pagando nada.”

Sanches diz que esse tipo de conflito saiu de cena na rede do Itaú porque a remuneração variável de gerentes e especialistas de investimentos independe da distribuição de um produto próprio ou de terceiros.

Na plataforma de investimentos íon, na integração, o cliente toma ciência de como os serviços são remunerados, diz Fabio Horta, diretor de distribuição e assessoria de investimentos do Itaú. “Estamos animados com a nova regulação, não só no discurso, mas a mecânica de execução por trás da remuneração variável e como o mercado coloca isso na cadeia de forma disseminada”, afirma. “É uma excelente notícia, com entropia na largada, uma fase de acomodação e um futuro melhor.”

Com 129 escritórios de investimentos conectados à íon e uma carteira atribuída de R$ 530 bilhões aos assessores contratados do banco, o Itaú ainda não vai entrar no “B2B” com assessorias independentes. De acordo com Horta, a construção dessa rede, de 2 mil especialistas, foi suficiente para blindar a base atual da concorrência, enquanto o cenário macroeconômico tornou isso menos urgente.

“Esse mercado de taxas de juros altas nos possibilita uma janela mais ampla para a tomada de decisão. Apesar dos mares revoltos, o banco tem o ‘safe heaven’ de CDBs e de títulos isentos em que os clientes estão estacionados para uma movimentação futura”, diz Horta.

Essa rede já deixou o Itaú preparado para as mudanças na 179 e na 178, o marco que revisou a atividade de assessoria de investimentos como um todo, completa Sanches. A regra de transparência também pavimenta a estrada para a cobrança de uma taxa fixa sobre o patrimônio, em vez da transacional, movida por comissões atreladas a produtos.

“Dentro do private banking, que já tem serviço de consultoria, o cliente paga o ‘fee’ e mais nada. O que está acontecendo agora vai ser um incentivo para que em algum momento possa mudar, é um modelo atrativo, fica explícito o que o cliente paga.”

Luciane Effting, superintendente-executiva de investimentos do Santander, enfatiza a importância da educação financeira para acelerar a transição para uma oferta mais transparente e a compreensão de que nenhum modelo de negócio ou serviço é de graça – qualquer um pode ter seus conflitos.

“Em investimentos significa pagar indiretamente, de acordo com o produto em que investe, e no fee based remunerar o profissional que o ajuda a escolher os ativos, com eventuais comissões pela distribuição sendo devolvidas para o cliente.” Com a tecnologia, ela diz que o fee fixo vai poder escalar para o varejo.

Na regulação, há uma diferença de tratamento entre gerentes especialistas internos e os assessores independentes, com uma camada a mais de abertura, diz Effting. As plataformas terão que deixar claro na última ponta como o parceiro é remunerado. No caso dos bancos, o investidor vai enxergar a parcela que a instituição ganha na distribuição de valores mobiliários, já que a fatia variável está implícita no salário, que inclui outros serviços que o profissional presta.

A leitura dos executivos ligados aos bancos casa com a mudança que começa a aparecer em assessorias de investimentos, como a Monte Bravo, uma das maiores da rede XP, com quase R$ 34 bilhões. O escritório começou a apresentar a proposta para seus clientes e Pier Mattei, um dos sócios-fundadores, estima chegar a 30% da sua base em 12 meses e, em dois a três anos, atingir 50%, conforme contou em recente entrevista ao Valor. A casa tem mais de 20 mil clientes.

Foi a primeira iniciativa com chances de ganhar escala entre escritórios vinculados a grandes distribuidores, mas não chega a ser novidade. A Warren, desde que colocou seu negócio de pé, em 2017, se estruturou para o modelo fiduciário, em que só o cliente remunera o serviço. Com a entrada de assessorias relevantes nesse jogo, Tito Gusmão, sócio-fundador da plataforma, vê acelerar esse tipo de relação com o investidor. “Chega cliente aqui com 40% em COE, agora os distribuidores vão ter que mostrar por que o cliente está tão alocado e quanto de remuneração vai para o parceiro.”

Ele lembra que, nos Estados Unidos, o modelo de taxa fixa ganhou mais adeptos após a quebra do Lehman Brothers em 2008, pelo papel que os corretores de valores tiveram na distribuição de títulos securitizados atrelados a hipotecas de alto risco. O sistema de remuneração transacional, em que os assessores recebem comissão pelo que vendem, tem o “rebote” dos períodos de captação mais fraca como no atual, diz Gusmão. “As margens já são espremidas e o modelo de fee based traz mais previsibilidade de receitas. Cerca de 80% dos escritórios de agentes autônomos estão no vermelho.”

Foi só a partir da 179 que a Warren decidiu plugar também assessores de investimentos à sua rede. Até então, trabalhava com planejadores financeiros e consultores, que têm liberdade para colocar o seu preço na taxa de 0,4% cobrada pela plataforma – no atendimento direto, o custo vai de 0,7% a 0,9%.

“Nos últimos dois anos é impressionante a mudança que se vê no mercado em relação à busca por um modelo alinhado. Talvez porque o consumidor tenha mais acesso a informação”, diz Steven Guilbride, novo chefe de B2B da plataforma. “E parte dos agentes autônomos mais seniores têm dado preferência ao fee based, para não ficar refém do modelo comissionado de distribuição, se livra de relacionamentos leoninos e cria autonomia para o negócio dele.”

O fato de a regulação agora permitir que os assessores façam recomendação – o que a regra antiga não previa – traz mais clareza ao fato de que esse serviço tem um preço. Ao argumento de que o sistema de taxa fixa pode sair caro para alguns perfis, como o investidor que tem apenas títulos públicos do Tesouro Direto, fundos de liquidez sem taxa de administração ou que seja isento de corretagem, Gusmão diz que esse cliente normalmente se autosserve no digital.

Por Adriana Cotias, do Valor Econômico

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