Unicórnios fazem demissões para preservar caixa

“Cash is king”. Em meio ao incômodo inflacionário global, o aperto monetário – ainda em fase inicial nos Estados Unidos e avançado no Brasil – já reverbera no ecossistema de startups, acendendo a luz amarela em negócios que até pouco tempo emendavam uma rodada na outra para colocar dinheiro em caixa. No país, a lista de demissões começou a crescer. O pasto dos unicórnios está um pouco mais seco.
Na esteira dos alertas de Softbank e Tiger, que sinalizaram um pé no freio no segmento de ‘growth’, startups correram para cortar custos e ganhar tempo, preservando dinheiro em caixa – pelo menos até que o apetite voltar para um nível menos arriscado para quem depende desse funding. Nas últimas semanas, unicórnios como Quinto Andar, Facily e Loft fizeram demissões. A Creditas também ajustou parte do quadro, apurou o Pipeline, site de negócios do Valor. Em fevereiro, a LivUp havia enxugado 15% da equipe.
Startup de compras coletivas, a Facily virou unicórnio em dezembro e acaba de fazer um corte de mais de 200 pessoas (20% do quadro), meses após levantar US$ 135 milhões. Fundada em 2018, a Facily mais parecia uma máquina de captações, acumulando quatro rodadas em 2021, segundo o CrunchBase – mesmo com elevado índice de reclamações no Procon.
“Eles queimam caixa exponencialmente, mas estavam levantando dinheiro muito rápido. Vai ser difícil continuar nessa toada, ou terão fazer um ‘down round’”, disse um gestor de venture capital.
A área de tecnologia, que contava com 90 funcionários, foi a mais afetada, ficando com apenas 17, disse um executivo. A companhia afirma que “busca constante evolução e eficiência para melhorar a experiência de todos que fazem parte e interagem com a empresa” e que “mudanças, inclusive em times, são necessárias para isso”.
“Winter is coming”, diz Amure Pinho, ex-presidente da Abstartups e fundador da Investidores.vc, plataforma que reúne investidores anjo. “Os unicórnios que captaram grandes cheques, com valuations questionáveis, sabem que a próxima captação não será tão fluida e fácil. As demissões são ajustes em preparação para 2023”, emenda. No fim do dia, ninguém quer ser pego naquela situação descrita por Warren Buffett: “Você só descobre quem está nadando pelado quando a maré baixa”.
No Brasil, as grandes startups ainda parecem ter fôlego, num movimento de precaução. “Quem, no fim do ano, ainda deve ter de 12 a 18 meses de capital de giro, mas não sabe quanto tempo essa fase dura, precisa reduzir o custo ao máximo”, diz um gestor.
A Creditas, que foi avaliada em US$ 4,8 bilhões em uma rodada pré-IPO em janeiro, fez cortes recentes. Segundo fontes, houve dispensas na Creditas Auto, sob a justificativa de desempenho abaixo do esperado. Procurada, a companhia diz ter feito apenas uma pequena redução (de 40 para 29 pessoas) na equipe de “facilities”.
No Quinto Andar, uma lista de mais de 70 pessoas no LinkedIn procura recolocação. Fontes estimam a demissão total de pouco mais de 200 profissionais na última semana. O número apresentado pela empresa é de 4% – 160 demissões entre 4 mil funcionários.
O corte, segundo um chefe de área reportou à equipe, seria uma orientação dos fundos investidores. General Atlantic e Softbank estão entre os principais sócios. Uma fonte da empresa diz que se trata de uma estratégia para priorizar áreas de maior crescimento.
Já na Loft, a incorporação da CrediHome é o que teria levado ao desligamento de 159 funcionários nesta semana. Outros 52 profissionais foram realocados no grupo. A empresa diz que vai apoiar os ex-funcionários na recolocação, fornecendo três meses do serviço Premium do Linkedin e extensão do plano de saúde por dois meses.
Não é só no Brasil. Nos EUA, o site The Information estima mais de 2 mil demissões em startups nos últimos meses, após um ano de captação recorde de recursos. “É uma tendência que será sentida com mais força pelos pelos unicórnios”, avalia Pinho. “As startups em ‘early stage’ não vão sofrer tanto.”
Este texto foi originalmente publicado pelo Pipeline, o site de negócios do Valor Econômico
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