Eike Batista e a cripto $EIKE: o que é e como vai funcionar?
O empresário Eike Batista reapareceu nesta semana em um evento público convocado por ele próprio, em um restaurante chinês que fundou anos atrás na Zona Sul do Rio, para anunciar o lançamento de uma criptomoeda homônima – $EIKE, cujo “valuation” não foi explicado.
O token está vinculado ao projeto de produção da chamada “supercana”, uma cana-de-açúcar com melhoramentos genéticos, para fazer etanol e combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), e cuja viabilidade econômica ainda desperta muitas dúvidas entre os especialistas.
“Estou certo de que será revolucionário no âmbito da transição energética e na colocação do país como polo de energia limpa”, disse Eike, sem modéstias, em tom semelhante ao que costumava usar nos tempos áureos do grupo EBX, na primeira década dos anos 2000, antes de as empresas do conglomerado entrarem em recuperação judicial.
A derrocada do grupo EBX, de Eike, começou depois de a OGX, empresa de petróleo do empresário listada em bolsa, não conseguir entregar os volumes de produção que tinha prometido ao mercado. A companhia entrou em recuperação judicial, em 2013.
O insucesso da OGX derrubou o valor das ações das empresas do grupo X na B3. Houve um efeito dominó nas empresas X, uma vez que os negócios eram interligados. A empresa de estaleiros, a OSX, pediu proteção à Justiça na sequência.
O inferno astral de Eike se estendeu aos negócios de mineração, a origem do conglomerado. A MMX também não resistiu e, em 2014, teve que se refugiar na Justiça contra a corrida dos credores. Os ativos de portos, reunidos na LLX – portos Sudeste, em Itaguaí, e Açu, em São João da Barra, ambos no Rio – foram vendidos para saldar dívidas com credores, entre os quais o fundo Mubadala, de Abu Dhabi.
O fundo do poço veio em 2017, quando Eike foi preso por ordem do juiz Marcelo Bretas, do Rio. O empresário foi acusado de pagar propinas para o grupo político do ex-governador do Rio Sergio Cabral. Condenado a 30 anos de prisão e uma multa de R$ 53 milhões em 2021, fez acordo de delação premiada homologado pelo Supremo em 2020, mantido até hoje sob sigilo.
Nesta terça-feira (25), Eike disse que continua com os bens bloqueados pela Justiça e que, portanto, não tem como fazer aportes financeiros no novo projeto.
A nova iniciativa de Eike, até agora um conjunto de intenções, envolve o empresário Mário Garnero, 87 anos, dono do banco de negócios BrasilInvest.
O empreendimento está ainda em fase embrionária. O desenvolvimento do projeto depende de uma série de etapas a serem cumpridas e vai ser executado pela empresa BRXe. Essa companhia, que traz o X no nome assim como todos os antigos negócios de Eike, tem como sócios o administrador Luis Claudio Rubio e o engenheiro agrônomo Sizuo Matsuoka, com 60% do capital. Os restantes 40% estão nas mãos da BrasilInvest, de Garnero.
Eike não é sócio da BRXe, mas, segundo ele, ajudou a botar o projeto de pé e serve como um promotor da iniciativa.
O evento desta terça vinha sendo convocado desde a semana passada e envolveu chamados a veículos de comunicação. Garnero, apesar de ser um dos líderes do projeto, não compareceu por motivos de saúde (Eike disse que o banqueiro sofreu um infarto recentemente). Em mensagem por vídeo gravado em uma fazenda, Garnero disse ter captado US$ 500 milhões para o projeto com o fundo dos Emirados Árabes Abu Dhabi Investment Group (ADIG) e o fundo americano General Finance. Os recursos seriam aplicados ao longo de dez anos.
Parte do dinheiro vai ser utilizada no arrendamento de terras no norte do Estado do Rio, nas proximidades do porto do Açu, idealizado por Eike, para o plantio da “supercana” e para a construção de fábricas de etanol e de SAF. Com o bagaço da cana, os empresários pretendem produzir um plástico sustentável. Conforme os empresários, já existe acordo com a americana Honeywell, que irá fornecer a estrutura para fabricação do SAF.
Como o Eike entra nessa história?
O empresário disse não ter condições de fazer aportes na BRXe por ainda ter bens bloqueados na Justiça. Eike contou ter entrado na implementação do projeto, em 2015, e hoje disse ter direito de subscrição no capital da BRXe sujeito a performance. Significa que ganha uma fatia do negócio quando a empresa tiver lucros.
Como o token $EIKE vai funcionar?
Em uma postagem no perfil dele na rede social X, Eike divulgou a moeda digital como “o primeiro token de sustentabilidade do mundo real”, registrada na blockchain Solana, a mesma das memecoins $TRUMP, $MELANIA e $LIBRA. De acordo com o empresário, o token está lastreado no projeto de produção da “supercana”. A pré-venda do token começou nesta terça-feira (25).
A avaliação inicial da criptomoeda de Eike está em US$ 1 bilhão, que será também a oferta total fixa do token. O material de apresentação do token não explicou como foi feito o “valuation”. A fatia vendida ao mercado equivale a 10% disso, US$ 100 milhões. Os fundadores do projeto serão donos de 79% da oferta, com tokens bloqueados para venda até que o projeto se torne lucrativo.
De acordo com o “white paper” (espécie de prospecto para o lançamento de uma criptomoeda), cada token $EIKE será ligado a uma ação da BRXe. A conexão ocorreria por meio de um “contrato inteligente auditável” e a cada mês a BRXe iria entregar via airdrop tokens solana de maneira proporcional ao quanto os investidores possuem de $EIKE em carteira. Eike promete total transparência sobre dados financeiros auditados da BRXe e que os tokens $EIKE poderão ser sacados da carteira digital de seus detentores.
“O dragão acordou. O futuro das criptomoedas começa hoje”, escreveu o fundador do grupo X. O post veio acompanhado de um vídeo no qual a história de vida do empresário é contada e traz marcado o perfil oficial do bilionário Elon Musk. Contudo, isso não quer dizer que Musk esteja envolvido com o projeto de qualquer forma. No evento de lançamento da criptomoeda, Eike disse que teve amizade com o empresário no passado, mas que hoje em dia não se falam mais.
Quando Eike ainda estava na crista da onda, costumava usar uma apresentação com um vídeo muito parecido ao que postou hoje no X. É a história de um jovem que desbrava a Amazônia em busca de ouro e se torna milionário com 20 e poucos anos. Em uma dessas apresentações para um grande grupo americano em um hotel da zona Sul do Rio, o executivo da empresa comentou, após assistir ao “powerpoint” de Eike: “Se ele entregar 10% do que promete, já vai ser bom.” O resto é história.
Como surgiu a “supercana”?
A “supercana”, na qual se apoia o projeto de Eike, é mais fibrosa e densa do que a comumente encontrada nas plantações brasileiras. Ela teoricamente poderia produzir até sete vezes mais bagaço, mas especialistas questionam a viabilidade econômica da planta e dizem que são necessários mais estudos para confirmar se realmente cumpre tudo o que promete.
Segundo Luis Rubio, a “supercana” tem sido testada por ele e pelo sócio Matsuoka desde 2011. Os empresários iniciaram pesquisas sobre melhoramento genético da cana-de-açúcar como parte do grupo que criou a empresa Canavialis em 2005. A Votorantim teve uma fatia na empresa e vendeu em 2009 para a Monsanto por R$ 300 milhões, segundo publicado à época pelo Valor. Depois da venda, Rubio e Matsuoka deixaram a companhia e criaram a Vignis, também para estudos de melhoramento genético do vegetal, mas voltada para a produção de energia.
A Vignis chegou a apresentar o projeto da “supercana” para a Raízen, que não se interessou. A Vignis fechou em 2018.
Conforme Rubio, a BRXe hoje tem 53 funcionários, além de 200 hectares de plantações de mudas da “supercana” em Paraguaçu Paulista (SP) e em Araras (SP) em um laboratório. O plano é trazer as mudas para os futuros terrenos do norte fluminense nos próximos dois meses. Rubio e Matsuoka dizem já ter investido R$ 350 milhões nos estudos desde 2011.
Os empresários pretendem terminar 2025 com 50 hectares replantados no Rio. O projeto prevê o plantio de 20 mil hectares até 2029, com o início de produção de SAF em 2028.
*Com informações do Valor Econômico
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