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Para gestora, investidor deveria perguntar mais
O mercado financeiro está otimista em relação ao segundo semestre do ano. Após um período de alta intensa dos juros, a perspectiva é de que a Selic seja mantida nesta semana para, em agosto, começar o seu gradual processo de queda.
Isso deve ajudar a economia e também a renda variável. Mas o cenário ainda exige cautela do investidor. Por isso, Luciane Ribeiro, sócia da 3V Capital, recomenda que mudanças no portfólio sejam feitas de forma gradativa e amplamente questionadas.
“Recebo portfólios no escritório que considero preocupantes. O cliente precisa perguntar quanto está custando cada aplicação, comparar quanto paga em fundos, em COEs. É algo que ele tem capacidade para fazer.”
Quem é Luciane Ribeiro
Luciane Ribeiro tem 38 anos de experiência no mercado financeiro, foi diretora da gestora do Santander e montou um multifamily office, escritório que cuida do patrimônio de famílias e empresas, há um ano e meio. Veja abaixo a entrevista completa da executiva:
Os bancos estão voltando a recomendar a renda variável. Como colocar o pé na água novamente?
Temos de tomar um pouco de cuidado. A indústria evoluiu muito, a CVM tem um posicionamento ativo em relação a preocupações do próprio mercado e vem realizando alterações regulatórias que trazem mais transparência em informações que todos deveriam olhar. Mas a autarquia postergou a vigência da Resolução 175, nova norma para fundos de investimento, para outubro. Contudo, a resolução 172, que trata dos assessores de investimentos, entrou em vigor agora em junho.
O investidor precisa se conhecer melhor. Já falamos muito sobre o famoso suitability, que é um questionário importante, que o cliente responde ao investir. Tem gente que acha que tem vocação para estar na bolsa e depois que compra uma ação percebe que não. Precisa se perguntar se todo dia busca saber quanto rende o dinheiro dele ou tem mais tranquilidade sobre o que faz, pois não precisará do recurso no curto prazo. Conhecer suas necessidades é importante na hora de saber onde investir.
O processo de educação financeira vem evoluindo e é um movimento importante, mas ainda temos muito a fazer nessa área. Muitos clientes meus compram investimentos de renda fixa, mas de muito longo prazo, como Tesouro IPCA+ 2055. São 32 anos de um investimento que tem volatilidade de bolsa, para ter ideia do tamanho do risco embutido. Mas o cliente não sabe.
O investidor precisa mudar seu portfólio de forma mais gradativa, e não querer ir para a bolsa diretamente se não está acostumado a ver muita variação na carteira. Talvez não precise, neste momento, avançar no risco. Quando a taxa de juros começar a reduzir, aí talvez faça mais sentido. Como o Brasil sempre teve taxas elevadas, o investidor está muito acostumado com a renda fixa.
Ou seja, o investidor precisa perguntar mais, ter conforto sobre o que aplica. Ainda temos uma interferência grande na hora de definir ou sugerir a alocação de um portfólio ao investidor, mas é importante o cliente conhecer também. Eu sempre busco fazer esse trabalho de explicar quais tipos de aplicações sofrem interferência da Selic ou não, e o que significa um título ser indexado ao IPCA.
Os bancos têm papel importante, assim como a Anbima e a B3, neste processo. Precisam contribuir para a educação financeira.
O que terá maior impacto?
A Resolução 175 terá uma padronização de documentos, o que é muito importante. Cada banco no qual você faz seus investimentos tem uma escrita, um contrato e um regulamento com um padrão próprio. Isso dificulta o conhecimento do investidor.
Além disso, agora o pequeno investidor poderá investir em fundos que investem 100% dos recursos no exterior, algo que antes era acessado apenas pelo investidor qualificado. É uma demanda no mercado que vem em uma hora interessante.
Na Resolução 172 a transparência é o destaque. Os agentes autônomos agora serão assessores de investimentos e terão de divulgar sua remuneração. É uma evolução muito importante. Caso contrário, fica muito tendencioso, pois o cliente não sabe como buscar a informação e de que forma a remuneração é calculada.
Como pontos principais esses três tópicos me deixaram felizes, pois reforçam a diversificação de investimentos e transparência do mercado. O cliente precisa perguntar quanto está custando cada aplicação, comparar quanto paga em fundo, em COE, como é processo de remuneração do seu assessor. É algo que o pequeno tem capacidade para fazer. Em fundos ele já aprendeu que tem de olhar taxa de administração.
Vejo portfólios que chegam ao escritório e que considero muito preocupantes. Às vezes são patrimônios grandes com ativos de longo prazo, sem marcar a mercado. O cliente fica com a ilusão de que está recebendo a taxa todo mês. Nós, como agentes do mercado, temos de ajudar a educação financeira a chegar mais rápido, para melhorar rapidamente esse processo.
Qual a importância da marcação a mercado?
Os fundos de investimento são obrigados a marcar todos os ativos a mercado, mas as carteiras administradas, que são carteiras que clientes têm em bancos, assessores e multifamily offices, não precisam. Os fundos que fazem parte da carteira sim. Mas quando têm debêntures, LCI, LCA, CDB, não necessariamente está marcado. A partir de janeiro houve uma norma da Anbima exigindo que carteiras sejam marcadas também, mas alguns ativos ainda não são, como CDBs e Letras Financeiras.
Estamos evoluindo, mas cliente pode assinar carta de que não quer marcar a mercado. Contudo, eu sempre recomendo que façam. É uma situação mais confortável saber o valor dos ativos no momento zero. É importante ter consciência de que é possível perder ou ganhar mesmo em ativos de renda fixa.
Nos fundos de renda fixa eles já aprenderam isso porque há essa obrigação. Agora mesmo tivemos um problema de crédito, impulsionado por Lojas Americanas. É um movimento que faz parte. O fundo de renda fixa é diversificado, tem vários riscos lá dentro, mas pode acontecer de ter uma fatia em um ativo que tem problema. Mas se isso está marcado a mercado você sabe exatamente quanto vale o seu dinheiro naquele dia.
Logicamente nós iremos fazer a nossa recomendação neste processo. Dizer a ele que não precisa se assustar, que é natural que isso aconteça por essas razões. Iremos reforçar para que não resgate e realize o prejuízo, pois isso não faz o menor sentido. Como daqui a pouco o mercado recupera ele irá verificar que o retorno vai voltar a ser melhor. Prefiro ter esse movimento, do que deixar cliente com ilusão de que esta recebendo o mesmo valor todo mês. Se amanhã ele precisar vender, ele vai vender sem saber que poderá realizar um prejuízo.
Dessa forma, fica mais difícil o processo de convencimento do cliente. Tivemos problemas de marcação a mercado recentes em um banco digital com muitos clientes pequenos. Houve uma quantidade enorme de saques provavelmente no pior momento para o cliente. Mas sem informação adequada ele vai lá e resgata. O mercado é cíclico: você não vai perder nem ganhar o tempo todo. Por isso a diversificação é tão importante.
O que dizer agora para quem investe em fundos? Mesmo gestoras como a Verde vêm registrando baixa rentabilidade. É um ambiente que exige mais diversificação do que pânico?
Fundos multimercados têm a prerrogativa de estarem comprados e vendidos nos mercados. Mas temos histórico no Brasil de que a maioria vão bem em ciclos positivos, e não tão bem nos negativos. Com taxas de juros altas, é necessário verificar quanto eles geram de retorno adicional ao CDI.
Muitos clientes olham e resolvem ficar no CDI, não veem por que pagar taxa de 2% ao ano para receber o mesmo que produto que não tem risco. Todos buscam ganhar máximo possível acima CDI para justificar seu trabalho. É difícil: se taxa de juros estivesse em 7%, teria de gerar 1,40% a mais, e não 3%, como agora.
Esse tipo de investimento é como bolsa: não é para fazer no curto prazo e ficar olhando todo dia. Precisa ser feito por dois, três anos, pelo menos, para verificar se faz sentido realizar lucro ou não. Na 3V diminuímos bastante a parcela de renda variável do meio de 2022 para cá porque haviam incertezas e alta dos juros. Agora, nos últimos dois meses, aumentamos muito pouco, não voltamos nos níveis anteriores porque a taxa continua muito alta. Faz parte do processo.
Muitas pessoas focam em investimentos, mas esquecem que outras esferas são tão importantes quanto. O que dizer sobre isso?
O primeiro movimento é entender qual parte do patrimônio é imobilizada, é investimento e renda. Depois, é necessário fazer planejamento tributário para verificar se estão no veículo correto. Se é pessoa física, buscar comprar aplicações isentas do pagamento de IR. É um planejamento fundamental. Às vezes existem investimentos no lugar errado: estão na empresa quando poderiam estar na pessoa física.
Muitas empresas que passam da fase de investimentos continuam sem distribuir dividendos e aí os acionistas poderiam deixar de pagar impostos, mas continuam a pagar. A parte tributária e fiscal às vezes é mais importante do que olhar quanto rende o investimento todo mês, pois o ganho pode ser maior do que os 3,5% que ganharia todo ano de rendimentos.
Outro planejamento importante é o sucessório. Sabemos que todos iremos morrer, mas não gostamos de falar sobre isso. Mas pós-pandemia todos sentiram isso de forma mais próxima, pois conhecem pessoas que tiveram problemas. Como resultado, passaram a se preocupar com esse processo. Se amanhã não estiver mais lá, está no lugar certo, doou pro filho, fez testamento? Aumentou o número de investidores, não grandes, que sempre tiveram, mas menores, se mobilizando.
A Previdência o recurso investido não entra no inventário e não precisa esperar por ele. Ou podem esperar e se beneficiar da alíquota futura. Podem ser feitas doações em vida, de forma a não pagar o imposto sobre transmissão. Enfim, muitas coisas.
Há ainda o planejamento financeiro. A pessoa vai envelhecendo e quer saber se vai ter renda até morrer. A renda diminui, a previdência é valor inferior ao da força de trabalho ativa. É possível fazer projeções com o nível de despesa atual. Caso não consiga, é preciso diminuir despesas.
Como você olha o cenário de family offices? O que há de novo?
A grande mudança no mercado, especialmente no último ano, são agentes autônomos mudando modelo negócio para agregar o modelo de wealth. Com a resolução 172 eles perderam a exclusividade e podem trabalhar com mais de uma corretora. Então, isso traz mais concorrência ao mercado. Nesse cenário, entendem que seja necessário captar mais recursos: os clientes costumam deixar uma parcela pequena com o assessor e uma maior em Family office. Como resultado, tentam agregar essa oferta ao serviço que prestam. Assessores começaram a comprar wealths ou montam equipes dedicadas para a área.
Do lado dos family offices, cada vez mais eles se tornam gestoras de fato, porque podem fazer gestão de fundos próprios ou FoFs (fundos de fundos). A maioria já são gestoras, como nós. Faz sentido para o trabalho usar essas estruturas. Contudo, o número de gestoras, segundo a Anbima, cresceu muito nos últimos dois anos. Em 18 meses saímos de 700 para 919 gestoras. São 57 mil fundos. Nem nos Estados Unidos existem tantos: eram 8,6 mil mutual funds em 2021. Apenas 549 fundos têm mais de 10 anos de vida, apenas 1% da base. Os outros são recentes porque as gestoras são novas.
A indústria cresce de forma muito rápida e já vem acontecendo um processo de consolidação, que pode ser ainda mais intenso agora. Montar uma asset implica em investimentos elevados, especialmente em pessoas. Tem muita asset que cresce e depois encolhe, acaba se juntando.
Evoluímos no quesito desigualdade de gênero nas instituições financeiras?
Minha experiência é bem interessante. Venho de uma época na qual não existiam mulheres no mercado financeiro. Mas evoluímos, sem dúvida. A participação de mulheres é maior, mas onde pega ainda são cargos de liderança em assets, bancos e mercado como um todo.
Há uma série de explicações para isso: há processo cultural, maternidade. E, analisando os motivos, resolvemos fazer, na Bloomberg e Will, parceria com os bancos Deutsche e BNP, que é o Dn´ Women, onde damos curso para mulheres recém-formadas.
A mulher tem restrição a seguir carreira no mercado financeiro no momento zero. É opção de vida não ir para o mercado: elas não querem passar por determinadas situações ou discutirem em uma reunião repleta de homens. Queremos fazer o trabalho contrário, mostrar que o mercado não é isso e que a postura da mulher é diferente e mais do que necessária. Depois, buscamos alocá-las nos bancos.
As mulheres sempre têm problema de autoestima, acham que não estão preparadas para a função e isso é uma inverdade. Há, portanto, o trabalho de construir confiança. Queremos, sim, aumentar mulheres no mercado financeiro. E este é um processo que não vai terminar nunca. Há um processo cultural de que mulher não cuida de dinheiro: eu venho dessa cultura e sou prova do contrário.
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