Lula quer ‘abrasileirar’ política de preços da Petrobras; qual o impacto nas ações?
Estratégia pode diminuir preço do combustível na bomba
A Petrobras (PETR3, PETR4) é uma das queridinhas dos acionistas atualmente no Ibovespa. No segundo semestre de 2022, a companhia distribuiu R$ 87 bilhões no total em dividendos a acionistas, o que deu cerca de R$ 6,73 por ação adquirida. Durante a campanha das eleições de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu “abrasileirar” o reajuste dos combustíveis da petrolífera e alterar uma política definida em outubro de 2016: o PPI (Preço de Paridade de Importação).
Afinal, agora que Lula foi eleito presidente no segundo turno contra Jair Bolsonaro, qual o impacto de redefinir o reajuste do dólar para o real, como defende o petista?
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O presidente eleito não reiterou a proposta de fazer mudanças na Petrobras em seu primeiro discurso após ganhar as eleições contra Jair Bolsonaro. Especialistas dizem que não há barreiras legais para a mudança, mas a Lei das Estatais impede o governo de realizar alterações por meio de decretos.
Lula quer “abrasileirar” preços da Petrobras
Lula informa em seu plano de governo que a Petrobras deve ter um “plano estratégico e de investimentos orientados para a segurança energética, a autossuficiência nacional em petróleo e derivados, a garantia do abastecimento de combustíveis no país”.
O petista defendeu a autossuficiência energética da Petrobras em debates. No da Band, onde enfrentou Bolsonaro, Lula disse que a estatal deveria voltar a construir mais refinarias para aumentar ainda mais a produção de petróleo e gás natural, e que a política de preços da Petrobras deveria ser “abrasileirada”.
Atualmente, a estatal usa o dólar para guiar o PPI, sua principal diretriz para definir o custo da commodity.
“A política de preços da Petrobras visa ajustes com foco no valor do barril de petróleo em Brent”, diz Mariana Rocha, gestora de portfólio da Órama Gestão e Recursos. O PPI também considera o frete de navios de transporte, custos internos da empresa, tributos e taxas portuárias.
“Na verdade o preço não tem que ser dolarizado, porque pagamos o pessoal em real e construíamos as próprias plataformas no Brasil, coisa que não fazemos mais”, disse Lula durante o debate.
O que afeta PETR3 e PETR4?
O reajuste da política de preços da Petrobras para o real pode, em tese, desvalorizar as ações da empresa. João Abdouni, analista de commodities da casa de análise Inv, cita que uma nova intervenção do governo na estatal, como propõe o petista, pode provocar fuga de acionistas minoritários. “Até o mercado se convencer de que Lula não vai conseguir cumprir com sua promessa, os papéis da companhia na bolsa podem derreter após a eleição”, comenta Adbouni.
O ex-presidente, ao que tudo indica, poderia usar o dinheiro dos dividendos para construir mais refinarias, aumentar a capacidade de produção das instalações operantes e, com isso, as despesas.
O investidor da B3 poderia migrar de PETR3 e PETR4 para outros ativos. Tanto o acionista estrangeiro quanto o brasileiro poderiam migrar para outras bluechips, ou comprar BDRs da Exxon Mobil (EXXO34), petrolífera americana, negociados na bolsa de Nova York.
Na sexta-feira, as ações da PETR3 e PETR4 atingiram suas maiores cotações na série histórica do Valor Pro. A disparada levou a Petrobras ao maior valor de mercado de sua história, precificado em R$ 521,96 bilhões. Analistas disseram à IF que a alavancagem dos ativos está ligada à diminuição da vantagem entre Lula e Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno.
Apesar dos ânimos do mercado com Bolsonaro, Abdouni argumenta que o candidato do PL “traça medidas que beiram o populismo”, principalmente com a promessa de manter o Auxílio Brasil em R$ 600. A medida pode ter impacto sobre os dividendos da Petrobras.
Ajuste do dólar ao real pode causar defasagem
Abdouni lembra que isso já foi feito no passado pela estatal, levando a uma defasagem de preços praticados em relação ao resto do mercado internacional. “Isso não necessariamente é negativo, pois existe uma certa margem da Petrobras para trabalhar abaixo da paridade internacional, que pode sofrer ajustes”, explica Abdouni. Ele diz que essa margem é de cerca de 20% — operar com defasagem acima deste valor começa a gerar perigo à saúde financeira da empresa.
Contudo, operar abaixo da cotação internacional não seria ideal para a Petrobras. Na visão de Abdouni, Lula poderia fazer isso sem estrangular completamente as fontes de receita. Ele calcula que, hoje, a o preço da gasolina em oferta pela Petrobras está defasado em cerca de 10% quanto ao mercado internacional. O governo Bolsonaro faz pressão na estatal para manter o preço da gasolina baixo, em meio ao segundo turno das eleições.
“Sem o PPI, cria-se o risco distorções de mercado nacional. Se a Petrobras cobrar abaixo da paridade, ela vai provocar a fuga de outros importadores do Brasil, o que traria a obrigação para a companhia de suprir todo o país com combustível, gás natural e derivados. Por outro lado, se for cobrado acima da paridade, outros players tomariam a fatia [de mercado] da estatal”, afirma Mariana.
O que é a autossuficiência da Petrobras?
A companhia é autossuficiente na produção de petróleo, como diz Lula. Um relatório do Dieese (Departamento Intersindical Estatística e Estudos Econômicos) aponta que a Petrobras produz 93% do petróleo e 99% de derivados.
O problema da estatal, segundo os analistas, é que não existe autossuficiência na produção de derivados da matéria prima, como o diesel.
A capacidade de refino de petróleo é baixa em relação à produção. “A Petrobras acaba exportando petróleo bruto e importa derivados. Ela traz de fora, por exemplo, os combustíveis já refinados, como a gasolina ou o diesel. Muitas vezes o próprio óleo é misturado com um petróleo importado para criar o combustível, como o que vem da Arábia Saudita”, afirma Sydney Lima, analista da Top Gain. “Para mim, esse é o maior problema que a empresa tem”. O PPI seria uma saída para acompanhar essa carência.
Além disso, como destaca Gilvan Bueno, fundador da Financier, a receita da Petrobras é em real, mas uma fatia expressiva dos custos operacionais é em dólar. “Quando eu passo todo o custo do dólar para o Real, a parcela de diferença de câmbio teria que ser paga pela estatal dentro das despesas”, explica Bueno.
Mudança pode baixar preço dos combustíveis
Abrasileirar a política de preços, como quer Lula, poderia deixar o combustível na bomba mais barato. Mas ao custo de afetar os resultados financeiros da Petrobras.
Mudar a política de preços poderia minar a confiança do mercado na petrolífera. Para bancar a diferença nos custos operacionais do dólar para o real, a companhia teria que queimar cada vez mais caixa e, na avaliação de Bueno, amargurar mais dívidas. “A medida em que o endividamento da estatal cresce, o governo para de receber dividendos”, diz ele. Ou seja, no curto prazo haveria queda no preço da gasolina para o consumidor, mas o longo prazo da política geraria incerteza.
Por outro lado, mudar o PPI pode esbarrar na governança corporativa da empresa. Rafael Baleroni, advogado especialista óleo, gás e infraestrutura, aponta que não seria ilegal Lula fazer alterações, mas ele pode esbarrar em boas práticas de mercado que regulam o perfil da estatal. “Se a União aumenta o controle da política de preços, pode configurar abuso de poder como acionista controladora”, diz o advogado.
Já para Eduardo Ramires, sócio-fundador da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, a mudança na política de preços deve ser debatida sob a justificativa de traumas recentes no mercado internacional, com preço do petróleo elevado devido à Guerra da Ucrânia e sanções contra a Rússia.
“Entendo que a existência do monopólio do petróleo, previsto na Constituição Federal, não se justifica se a Petrobras não garantir o acesso da população aos derivados de petróleo em todo o território nacional”, pontua Ramirez. “Realmente, se o monopólio do petróleo não nos servir para evitar os choques oriundos do mercado internacional de petróleo, para que serviria?”, complementa o advogado.