Quando crimes na Times Square viram documentários
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As obras são ricas em imagens de arquivo, que de outra forma jamais serão garimpadas para o grande público
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O coração de Nova York era outro mundo, completamente diferente do polo turístico a que veio se transformar
Subgênero marginalizado, os documentários sobre crimes quase sempre fundamentam-se no sensacionalismo, no jornalismo de mau gosto, tipo pinga-sangue, sem grandes propósitos além do choque gratuito. Eles infestam a programação da TV paga e com frequência viralizam nas redes sociais, evidenciando uma imensa demanda por conteúdo mórbido.
Ainda assim, todo esse julgamento crítico é posto de lado quando nos flagramos roendo as unhas no sofá, abduzidos por um desses programas. Justiça seja feita, alguns transcendem sua natureza necrófila para oferecer um retrato de época raramente visto na TV, dada a riqueza de imagens de arquivo, que de outra forma jamais serão garimpadas para o grande público.
É o caso de produções como “Os Filhos de Sam”, Night Stalker, “Eu Terei Sumido na Escuridão” e, agora, esta nova temporada de “Cena do Crime”, uma verdadeira odisseia pela decrépita Nova York de 40, 50 anos atrás. Quem viu a série do HBO “The Deuce” já conhece bem o cenário. A Times Square da década de 1970 começo dos anos 1980 era outro mundo, completamente diferente do polo turístico a que veio se transformar.
Já era apinhada de gente e letreiros luminosos, mas de outro tipo. Da rua 42 à 47, estendia-se uma infinidade de cinemas pornôs, casas de massagem, saunas gay e teatros de sexo explícito, tudo controlado pela máfia. Traficantes e viciados batiam ponto em cada esquina, bem como toda sorte de profissionais do sexo, de prostitutas veteranas a garotas recém-chegadas do interior, ludibriadas por cafetões abusivos.
Esse antro de promiscuidade, cercado de hotéis baratos de becos escuros, era o ambiente perfeito para predadores potencialmente perigosos agirem despercebidos. David Berkowitz, o “Filho de Sam”, aterrorizou Manhattan mais ou menos na mesma época. Richard Cottingham, chamado de “Açougueiro da Times Square”, não ficou solto por tanto tempo, porém seus crimes foram duplamente mais hediondos. Pai de família aparentemente pacato, Richard ganhou as primeiras manchetes com o duplo homicídio de Deedeh Goodarzi (22 anos) e uma jovem de identidade desconhecida, ambas garotas de programa.
Elas foram encontradas carbonizadas num hotel da Travel Inn, com as mãos e as cabeças decepadas. Seis
meses depois, em maio de 1980, outra garota apareceu morta sob circunstâncias parecidas. Dessa vez, no entanto, o assassino optou por remover os seios da vítima, deixando-os sobre a TV do motel, como uma afronta à polícia. Embora o caso em si seja suficientemente intrigante, “Cena do Crime: O Assassinato da Time Square” (Netflix) fascina sobretudo como documento histórico, como instantâneo de uma era varrida pela Aids.
Docussérie de antologia, dirigida pelo indicado ao Oscar JocBerlinger (“Paradise Lost”), “Cena do Crime” antes havia investigado uma série de crimes bizarros ocorrida no Hotel Cecil, na Los Angeles dos anos 1980 (em “Mistério e Morte no Hotel Cecil*). A produção executiva é de Ron Howard.
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