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Qual o juro justo para o ‘gringo’ investir no Brasil?
Em uma semana cheia de fatores a se analisar, temos como destaques o dólar, o diferencial de juros entre EUA e Brasil e o enfraquecimento do real e outras moedas de países emergentes, além de muitos pontos que o investidor deve ter em vista.
Qual a relação entre essas variáveis e como devemos analisar os impactos globais e locais dessa conjuntura?
Diferencial de juros e dólar: decifrando os impactos globais e locais
Esta semana serei mais breve, pois no último texto abordei de forma mais extensiva o assunto que tem sido determinante e mais importante para os mercados atualmente: a questão da alta dos juros mais longos na economia americana.
E o dólar, hein…
Talvez esse tenha sido o assunto da semana para muitos investidores. O dólar chegou a atingir máxima de R$ 5,21 na sexta-feira logo depois da divulgação do relatório de mercado de trabalho (payroll), sobre o qual comento mais abaixo. Não deveria ser novidade para você, investidor, que acompanha o que escrevemos aqui semanalmente. Já vínhamos chamando a atenção para a alta do índice do dólar no mundo desde julho.
Como sempre salientamos, o Brasil não é uma ilha. Aquilo que acontece no mundo acaba ecoando também no Brasil. Se o dólar se valorizou frente a diversas moedas, por que isso não aconteceria contra o real? Pois bem, vimos isso acontecer.
Real, um ativo de risco
Mais uma vez, em um momento de elevação da aversão ao risco em nível global e de queda das bolsas (movimento observado desde agosto), vimos a moeda brasileira performar de forma semelhante a outros ativos de risco, reforçando a tese de que o real é um ativo de risco. Pense sobre isso!
Não foi só o real. Assim, vimos outras moedas de países emergentes perderem força. O dólar se valorizou contra o peso mexicano, peso colombiano, rand sul-africano e o peso chileno.
A questão do diferencial de juros
Por trás da valorização recente, existe a questão da redução do diferencial de juros entre os EUA e o Brasil, o qual se acentua com a alta dos yields americanos, especialmente os mais longos. Nesta semana, por exemplo, os títulos de dívida do governo americano com vencimento em 30 anos ultrapassaram a barreira dos 5% pela primeira vez desde 2007 – lembrando que estavam em torno de 1% até março de 2020.
Esse é um ponto muito relevante para o mercado e para o câmbio. Vou explicar o porquê. Me acompanhe.
Os juros e a taxa livre de risco…
Os juros funcionam como o preço do dinheiro. Afinal de contas, quando você toma emprestado no banco, por exemplo, paga uma taxa pelo uso dos recursos de terceiros, certo?
Pois bem, os juros americanos determinam o preço do dólar, já que o dólar é a moeda de reserva de valor global e é usada em grande parte das transações comerciais em todo o mundo.
Sendo assim, a taxa de juros americana é considerada uma referência global. Por isso, também é chamada de “taxa livre de risco”. Ela é considerada a taxa básica a partir da qual podemos derivar todas as outras taxas.
Como assim?
Se os juros americanos remuneram o investidor em 5%, por exemplo, qual retorno você, como investidor, exigiria para comprar títulos, por exemplo, da Colômbia, do Paraguai ou do México?
Me arrisco a dizer que você provavelmente exigiria um retorno maior, não é mesmo? Isso estaria em linha com uma maior percepção de risco atribuída a esses países.
Qual o juro justo para o Brasil?
Pois bem, de maneira semelhante, em contexto internacional, o Brasil representa uma economia emergente com riscos associados a ela. Ou seja, o investidor estrangeiro exige um retorno maior do que nos EUA para comprar títulos brasileiros.
Mas quanto a mais de retorno?
É difícil definir um percentual ou um valor, mas podemos chegar a uma estimativa embasada para isso fazendo uma composição. Ou seja, se a taxa americana de um título de 10 anos está em 4,8%, eu espero obter:
4,8% (taxa americana) + spread de risco país + inflação.
O spread de risco se refere a um valor a mais para correr o risco de investir em títulos brasileiros. E uma vez que estou lidando com o juro brasileiro, em reais, eu tenho que adicionar a inflação para chegar ao juro nominal brasileiro. Afinal de contas, a inflação corrói o poder de compra da moeda e, consequentemente, dos meus rendimentos ao investir em um título brasileiro, por exemplo.
Usando a inflação projetada para 2023 pelo Boletim Focus do Banco Central de 4,86% e um risco-país médio do Brasil de cerca de 200 pontos-base (2% no caso), teríamos:
4,8% + 2% + 4,86% = 11,66%.
Não leve esse número de forma literal. Ele serve apenas para termos uma ideia. Mas é interessante notar que a curva de juros de 10 anos brasileira atualmente precifica algo próximo a isso.
Ou seja, os juros americanos não apenas influenciam os juros brasileiros, mas também acabam estabelecendo um certo piso para eles. Não é por acaso que vimos notícias mencionando isso recentemente.
Entendeu por que esse assunto é tão importante?
Diferencial de juros e câmbio
Se temos um parâmetro para qual deveria ser essa taxa, quanto maior for a diferença daquilo que seria o justo, mais interessante pode ser investir neste ou naquele país.
Como assim?
Se, por exemplo, os juros americanos estivessem em 1% (como estavam até poucos anos atrás) e, mantidas as demais variáveis (risco e inflação), teríamos o seguinte:
1% + 2% + 4,86% = 7,86%
Se, por exemplo, nesse cenário hipotético, os juros brasileiros estivessem em 13% ao ano, teríamos um diferencial enorme de juros em relação ao juro americano de 1% ou mesmo em relação àquilo que consideraria justo em termos de remuneração para assumir o risco de investir no Brasil.
É assim que o “gringo” (investidor estrangeiro) analisa e opera, e por isso vimos um fluxo de recursos para o Brasil que contribuiu para a valorização do real em relação ao dólar. O diferencial de juros foi alto até pouco tempo atrás, e isso influenciou o câmbio.
“Gringo” saindo do Brasil?
Mas a questão é que essa realidade mudou. Na média dos últimos 10 anos, o diferencial de juros entre a taxa básica americana (os Fed Funds) e a taxa básica Selic (spread) foi de ~8 pp. Esse número pode parecer elevado, mas vale lembrar que estamos falando de juros nominais em ambos os países. Logo, o diferencial de retorno (8 pp), que parece ser alto, tende a ser menor devido ao custo do hedge para travar o câmbio e ao diferencial de inflação nos dois países. Ainda assim, diferenciais elevados são suficientes para incentivar a entrada de recursos, mesmo considerando todos esses fatores.
Em suma, no pós-pandemia, chegamos a ter um diferencial de juros de mais de 11 pp, o que incentivou a saída de recursos estrangeiros do país, pressionando assim a taxa de câmbio (valorizando o dólar).
Esse diferencial já diminuiu consideravelmente, atualmente em 6,5 pp. Se você usar a curva de juros de 1 ano de ambos os países (11,22% para o Brasil e 5,43% para os EUA), chegará a um número ainda menor, de 5,78 pp. Em resumo, o resultado prático é que o diferencial de juros diminuiu bastante, e com ele, a atratividade de investir no Brasil para obter juros mais elevados.
Isso continuará impactando o câmbio?
O diferencial de juros não é o único fator a impactar o câmbio, mas ajuda a entender movimentos de curto prazo. Olhando adiante, a questão dos juros mais elevados na economia americana parece ser uma realidade que veio para ficar, a ideia do “higher for longer”. Com menos diferencial, esse fator que ajudou o real a diminuir ou se esvai, e isso tende a ter impacto no câmbio. A diminuição do diferencial de juros reduz a atratividade dos juros brasileiros e, consequentemente, enfraquece o real em relação ao dólar.
Esse foi o recado desta semana.
Enquanto isso, na economia americana…
Mas fora isso, tivemos o payroll na sexta-feira com números fortes. Esperava-se que fossem criados 170 mil postos de trabalho, no entanto, a economia americana criou 336 mil postos. O mercado de trabalho americano não dá sinais de arrefecimento, com números de criação de postos de trabalho muito maiores do que o esperado e 100 mil postos a mais do que o mês anterior.
Além de números fortes para setembro, os dados dos dois meses anteriores foram revisados para cima. Em agosto, a criação de postos de trabalho foi de 227 mil, um aumento de 40 mil em relação à estimativa anterior, e o dado de julho foi revisado para 236 mil, em vez de 157 mil. Combinados, os dois meses mostraram um número de criação de postos de trabalho 119 mil acima do relatado anteriormente. Esses números mais fortes reforçaram a perspectiva do “higher for longer”, o que acaba repercutindo em yields mais elevados nos juros americanos, afetando negativamente a bolsa e positivamente o dólar. Pelo lado positivo, o crescimento dos salários segue ocorrendo a um ritmo mais moderado
Abrindo por setores, o segmento de lazer e a hotelaria criaram 96 mil novos empregos; o governo (73 mil); cuidados de saúde (41 mil); e serviços profissionais, científicos e técnicos (29 mil). As indústrias relacionadas com os serviços contribuíram com 234 mil para o crescimento total do emprego, enquanto as indústrias produtoras de bens acrescentaram apenas 29 mil.
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