- Home
- Onde investir
- Investir no Exterior
- IPCA+6% é bom, mas dólar+6% é melhor ainda?
IPCA+6% é bom, mas dólar+6% é melhor ainda?
Este título provocativo é para capturar sua atenção e conversarmos sobre algo que tem dominado a cena de investimentos no Brasil. Estou falando da ideia da excepcionalidade e oportunidade aparente em aproveitar elevadas taxas de retorno na renda fixa brasileira.
Vale mencionar que este post foi inspirado na excelente provocação e colocação do “Faria Lima Elevator”, perfil no Instagram e X, que também publica uma excelente newsletter chamada Carta do Condado, a qual vale a pena acompanhar. Pois bem, o post é o seguinte:
Nesta semana, ele voltou a tocar no assunto, citando estudo do professor Michael Viriato sobre os retornos de diferentes classes de ativos em comparação ao IPCA+6%. Vale a pena a leitura.
Em suma, a questão que se coloca é a da excepcionalidade e oportunidade de investimentos em renda fixa no Brasil em comparação ao cenário internacional.
Então, para começar, vale explicar/contextualizar.
“Dragão da inflação”
O Brasil, como sabemos, possui um histórico de relacionamento com a inflação. O “dragão da inflação” usado nas capas da Veja na década de 80 e início dos anos 90, dilacerou cinco das nossas moedas. São elas Cruzeiro Novo, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro e Cruzeiro Real.
Mesmo nos últimos 30 anos, após o que podemos chamar de benção, que foi a constituição de uma moeda forte, o Real, a inflação volta e meia reaparece, assustando e reduzindo os retornos dos investimentos prefixados. Entenda-se aqui, reduzindo o retorno real (taxa nominal menos inflação) dos investimentos em títulos prefixados.
Por isso, temos sido catequizados a investir em títulos que remuneram a inflação mais uma taxa que oscila ao sabor das expectativas dos juros e da economia. Os títulos indexados, em especial o IPCA+, ganharam notoriedade e popularidade, seja através dos representantes do Tesouro, como as NTN’s, ou ainda nas debêntures e títulos privados.
De fato, considerando o histórico brasileiro, pode fazer sentido, de acordo com o perfil do investidor, alocar uma parcela do seu capital em títulos que protegem das intempéries inflacionárias que acometem nossa economia.
NTN-B 2035
Pois bem, feita essa introdução, as taxas de retorno desses títulos oscilam. Atualmente (16/05), estas são as taxas que o investidor brasileiro encontra no Tesouro Direto. Usando como referência a NTN-B 2035, título com vencimento em 10 anos, temos uma remuneração de 6,09%.
Essa é, de fato, uma taxa elevada quando olhamos o histórico recente (pós-pandemia), e, por isso, gerou repercussão no cenário de investimentos nacional. Ampliando um pouco o horizonte de análise, vemos que, nos últimos 15 anos, a taxa mínima observada foi de 2,83% e a máxima de 7,71%; a média do período foi de 5,37% e a mediana, 5,64%. Colocando tudo isso numa distribuição normal, temos a imagem abaixo.
O gráfico abaixo mostra que, em 47,8% das observações, essa taxa se encontrou entre 5,5% e 6,5%. Em outras palavras, na maior parte do tempo, a taxa observada foi maior que 5,5% e menor que 6,5%. Atualmente, ela está em 6,09%, ou seja, dentro desse intervalo. Assim, a verdade é que atualmente, sim, você obtém um retorno levemente acima da média dos últimos 15 anos. Para ser mais exato, 0,7% ao ano a mais de retorno, o que representa um retorno adicional total de 7,5% caso o investidor mantenha esse título por 10 anos.
Retorno e risco
Convém lembrar também que essas elevações observadas na taxa de remuneração desses títulos têm uma estreita relação com o risco atribuído a investir em títulos de dívida do governo brasileiro. Vale lembrar que os momentos de maior retorno das NTN’s coincidiram com uma maior percepção de risco atribuída ao Brasil. Os motivos foram diversos: eleições, pandemia, Joesley Day, entre outros.
Atualmente, o que catalisou essa elevação das taxas, em nossa visão, foi uma conjunção de fatores externos e internos, que não se limitam aos citados a seguir, mas que ajudam a explicar bem o momento.
- Externos: manutenção de um patamar de juros mais elevado nos EUA e risco geopolítico em meio a uma série de conflitos no mundo.
- Internos: forte intervenção estatal em empresas de capital misto, como Petrobras e Vale; a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025, que revisou as metas fiscais, mostrando uma deterioração das contas nacionais para o futuro; e, mais recentemente, o impacto das tragédias que aconteceram no Rio Grande do Sul em termos de PIB, inflação e gastos do governo.
Com isso, vimos o mercado “exigir” mais prêmio para financiar o Estado brasileiro. Como qualquer agente, quando um devedor mostra pouca responsabilidade ou preocupação em controlar seus gastos e/ou com a deterioração da sua situação financeira, o credor cobra mais para financiar tal dívida.
Ainda assim, muitos investidores entendem tal risco e veem o momento atual como diferenciado para aproveitar essas taxas elevadas na cena doméstica.
E nos EUA?
A questão é que também vivemos um momento excepcional nos EUA, não visto em décadas. O histórico dos últimos 40 anos dos Fed Funds (que pode ser grosseiramente entendido como a “Selic americana”) revela que a taxa de juros americana esteve em patamares similares em poucos momentos.
Na verdade, você precisa voltar a agosto de 2007 para encontrar uma taxa tão elevada como a atual. Ou ainda ao início dos anos 2000, quando Fernando Henrique era o presidente brasileiro, a internet estava começando a ganhar espaço em nossas vidas e o Brasil não era nem pentacampeão mundial.
Faz tempo!
Se ainda não ficou claro o tamanho da excepcionalidade, o gráfico abaixo, semelhante ao que apresentamos para o título de 10 anos brasileiro, mostra o quão raro é conseguir contratar taxas de retorno como as que você obtém atualmente no mercado americano.
Nos últimos 15 anos, o yield dos títulos de 10 anos dos EUA esteve 95% do tempo abaixo de 4% ao ano. Ou seja, em 98,5% do tempo esteve abaixo de 4,5%. Isso quer dizer que, em apenas 5% das oportunidades, você teria conseguido contratar uma taxa de retorno acima de 4,5% nos últimos 15 anos, tal qual você consegue atualmente (maio/24).
A evolução do yield evidencia mais uma vez a excepcionalidade do momento que vivemos. Em 95% do tempo nos últimos 15 anos, a taxa das Treasuries de 10 anos esteve abaixo de 4%.
Então, se no Brasil temos uma taxa de remuneração de títulos de renda fixa que se mostra interessante para muitos, nos EUA vemos um cenário oportunístico ímpar, considerando o histórico de taxas.
Em geral, os yields atuais estão em patamares bem superiores aos yields médios dos últimos 10 anos para diferentes segmentos da renda fixa internacional. Isso evidencia o momento único vivido na renda fixa global. Obviamente, não há como saber o que o futuro nos reserva, ou seja, se esse cenário irá se manter ou mesmo se acentuar.
IPCA e dólar como indexadores
Ao investirmos nos EUA, estamos automaticamente dolarizados, ou seja, compramos ativos (sejam fundos, ETFs ou bonds) em dólar. Nossa remuneração nos ativos no exterior é determinada pelo dólar mais alguma taxa, assim como temos no Brasil o IPCA+.
O dólar não é um indexador de inflação, mas grande parte do nosso consumo e vida está hoje dolarizada. Basta olhar para os produtos e serviços que consumimos: roupas, eletrônicos, vinhos, combustível etc. Basta olhar em volta para perceber a influência do dólar nos preços dos produtos e serviços que consumimos.
Pois bem, em termos de performance, nos últimos 15 anos, a moeda americana se valorizou 148%, enquanto o IPCA apresentou um aumento de 133%. Assim, nos parece bastante plausível usá-lo como um indexador e buscar investimentos que ofereçam dólar+ alguma remuneração.
Comparando os retornos passados
Então, de um lado, tenho como alternativa de investimento títulos que remuneram a IPCA + 6,09%. Do outro, teria a alternativa de contratar retornos de cerca de 4,5% em dólar, investindo em um título do governo americano.
Ora, essa comparação carece de uma contextualização de risco, afinal, os títulos brasileiros carregam consigo um risco maior, conforme já comentamos neste artigo. Sendo assim, penso ser mais coerente comparar “laranja com laranja”, ou seja, comparar o título no Brasil com seu equivalente em dólar.
O governo brasileiro também emite dívida em dólar. Atualmente, um título brasileiro com vencimento semelhante, ou seja, em 2034, oferece um yield de 6,20%. Então, atualmente, você pode comprar um título no Brasil e contratar uma taxa de retorno de IPCA + 6,09% por 10 anos. Você pode também comprar um título brasileiro emitido nos EUA e contratar uma taxa de retorno de dólar + 6,20%.
A título de exemplificação, segue um recorte de um relatório que produzimos diariamente na Avenue com taxas indicativas de bonds negociados aqui nos EUA. A imagem apresenta os nomes e outros dados dos bonds de forma embaçada propositalmente por questões regulatórias.
Não sabemos como será o futuro. No entanto, olhando para o passado, podemos estimar qual teria sido o retorno de um investimento que rendeu IPCA + 6,09% versus o do dólar + 6,20% ao ano. O gráfico abaixo ilustra isso.
Sabemos que o passado não se repete, mas acredito fortemente que rima com o presente. E, olhando para o passado, vimos que um retorno de dólar + 6,21% se mostrou mais vantajoso que o IPCA + 6%.
Dólar versus CDI
Além disso, como já comentamos aqui, esse conceito de dólar+ uma remuneração foi capaz, inclusive, de relativizar a máxima do “nada bate o CDI”.
Contrariando esse ditado popular (“nada bate o CDI”), o desempenho de um investimento em dólar + 5% superou com certa folga o CDI. A taxa de 5% é a que você consegue obter investindo em um título de curto prazo, de 1 ano, por exemplo, do governo americano. Mas, mesmo usando a taxa atual de cerca de 4,5% do título americano de 10 anos, a lógica e o resultado da comparação teriam sido os mesmos.
Para concluir
O objetivo aqui não é sugerir que a atual taxa de remuneração dos títulos atrelados ao IPCA+ seja ruim, nem advogar contra uma alocação em tais títulos.
O objetivo aqui é alertar para o fato de que o cenário de investimentos em renda fixa nos EUA é ainda mais único sob um olhar histórico. Há diversas alternativas de renda fixa que proporcionam ao investidor se beneficiar do atual momento, investindo em dólar+.
O que queremos salientar aqui é que o investidor pode diversificar e se aproveitar de taxas diferenciadas em contexto histórico em ambos os mercados, alocando parte do portfólio em títulos IPCA+ para proteção contra inflação e parte em ativos dolarizados para diversificação cambial, obviamente respeitando sempre seu perfil de investidor.
Ter uma parcela do patrimônio dolarizada é fundamental para todo investidor brasileiro, como forma de proteção contra a destruição de valor que vimos nossa moeda sofrer ao longo dos seus 30 anos de existência.
Dia a dia do mercado
Indo para o dia a dia do mercado, tivemos três vetores ou eventos que mexeram com o mercado nesta semana.
Ata do FOMC
Começando pela economia, foi divulgada a minuta da última reunião do FOMC (Comitê de Política Monetária Americano), em maio, na qual o comitê decidiu manter as taxas de juros inalteradas.
Em linhas gerais, o que vimos como destaque:
- A ata revela que diferentes dirigentes do Fed (Federal Reserve) demonstraram certa disposição, inclusive, em apertar ainda mais a política monetária caso os riscos para a inflação se materializem.
- Os dirigentes do Fed discutiram a possibilidade de manter as taxas de juros elevadas no atual patamar por mais tempo, caso a inflação não dê sinais de avançar de forma sustentável para 2%.
- Autoridades do Fed também observaram vários riscos para a inflação, em especial o geopolítico.
- Os membros do comitê também expressaram preocupação com financiamentos mais arriscados por parte dos consumidores como forma de contornar as pressões inflacionistas. Eles citaram o aumento do uso de cartões de crédito, serviços “compre agora, pague depois” e o aumento das taxas de inadimplência para alguns tipos de empréstimos ao consumidor.
- A ata também traz certa preocupação com a efetividade dos aumentos e da política monetária em fazer efeito no controle e combate à inflação em comparação com o passado. Comentam ainda que as taxas de juro de equilíbrio a longo prazo podem ser mais elevadas do que se pensava anteriormente.
2) Dados de atividade
O PMI (Purchasing Managers’ Index) composto, que engloba os setores industrial e de serviços, alcançou 54,4 em maio, subindo em relação a abril, ficando bem acima do esperado pelo mercado (51,2) e atingindo o maior nível em 25 meses.
Esse aumento foi essencialmente explicado pela pujança no setor de serviços, o qual alcançou o maior patamar em 12 meses. Ou seja, um dado que reforça a visão de que a economia americana segue forte e resiliente, especialmente no setor de serviços.
Por que isso é relevante? Porque justamente no setor de serviços é onde temos observado uma maior resiliência e/ou “teimosia” da inflação. Em outras palavras, se a atividade segue robusta no setor de serviços, talvez seja mais difícil para o Fed ver a inflação desse importante segmento ceder.
Assim, para vermos a inflação ceder, seria importante ver a atividade desacelerar. Logo, se essa se mostrar a realidade de fato, teremos implicações nos juros.
Em linhas gerais, tanto a ata do FOMC quanto os dados do PMI reforçaram a postura de combate do Fed à inflação e sua preocupação com a evolução recente dos números. A inflação é tanto uma realidade quanto um problema.
Entendemos que a ata e os dados desta semana reforçaram as interpretações em uma linha mais “hawkish“, ou seja, de que o banco central americano não tem pressa para cortar os juros e demonstra preocupação com os níveis de inflação atuais.
Resultado da Nvidia
Na última semana, a Nvidia reportou seu balanço e resultados do exercício, mostrando números acima do esperado. O mercado reagiu positivamente, com suas ações subindo 9% no dia seguinte, adicionando US$ 218 bilhões em valor de mercado em apenas um dia. Esse foi o segundo maior ganho de capitalização de mercado em um único dia na história de Wall Street.
O ponto aqui é que esse resultado ajudou de certa forma a “segurar” ou contribuir positivamente para o desempenho dos índices americanos na semana, mesmo em um cenário de aumento de juros, como comentamos acima.
É verdade também que neste ano temos visto um cenário de “exceção”, ou será que isso se tornará o novo normal? Refiro-me ao seguinte: a recente descorrelação entre a bolsa e os juros. Temos observado que as altas de juros não têm influenciado o mercado de ações da mesma forma que vimos acontecer em 2023.
Leia a seguir