- Home
- Onde investir
- Renda variável
- O que explica o Brasil ter ETFs de bitcoin e os EUA não permitirem?
O que explica o Brasil ter ETFs de bitcoin e os EUA não permitirem?
-
As negativas da SEC em relação ao ETF de bitcoin à vista envolvem controle de preços e regulação das plataformas
-
Para SEC, ativo pode sofrer manipulação de preços
A cada pedido de registro de um ETF com exposição direta a bitcoin nos Estados Unidos – o maior mercado de criptoativos do mundo –, operadores e investidores são tomados por uma euforia que ativa imediatamente a valorização dos preços da maior criptomoeda em capitalização. Mas essa empolgação logo vai para o ralo com as sucessivas negativas da SEC (Securities and Exchange Commission, a CVM americana). No Brasil, que foi o terceiro país a aceitar esse tipo de investimento – atrás apenas do Canadá e Bermudas – são dois ETFs com exposição direta em bitcoin listados e negociados na B3. O que acontece que a SEC não é muito amigável a ETFs de bitcoin?
Por que a SEC proíbe os ativos de serem negociados?
Essa modalidade do produto é chamada nos Estados Unidos “spot bitcoin ETF” ou ETF de bitcoin à vista. Os ETFs de criptos aprovados e negociados no mercado norte-americano são de contratos futuros de bitcoin ou de cestas de índices ligados à indústria de criptoativos, genericamente.
Segundo especialistas e operadores de mercado, as negativas da SEC em relação ao ETF de bitcoin à vista envolvem aspectos diversos, de mecanismos de controle na formação de preços e na regulação das plataformas de negociação (exchanges) até lobby político. Mas essa postura da SEC deve mudar ainda este ano, após a publicação de uma ordem executiva do presidente Joe Biden para o andamento do processo de regulamentação do mercado de criptos em nível federal.
“Um dos principais problemas que a SEC vê é que o ativo subjacente, isto é, o bitcoin, não é regulado e pode sofrer manipulação de preços, por ser negociado em diversas corretoras do mundo, as quais não têm os controles exigidos pela regulação que visa a proteção do investidor final”, diz Marcos Viriato, presidente da Parfin. No entanto, ele aponta que essa postura é até contraditória, já que o investidor pode comprar bitcoin diretamente nas exchanges que operam nos Estados Unidos.
Ações X ETF
Por outro lado, Viriato destaca que o mercado americano é muito agressivo em ETFs. “As pessoas não compram mais ações, porque o ETF é mais barato e tem mais liquidez. Se milhões de pessoas comprarem um ETF de bitcoin, qualquer manipulação de mercado que derrube o preço vai afetar a todos.”
Outro ponto de contradição é apontado por Alexandre Ludof, diretor de investimentos da QR Asset Management. A maior gestora de criptoativos do mundo, a Grayscale, opera um ETP (Exchange Trade Products, ou trusts) de bitcoin com US$ 30 bilhões em ativos, chamado de GBTC. “Esse instrumento é pior que ETFs”, afirma. “Um trust não pode ser vendido em menos de 3 meses, por exemplo, não tem liquidez no mercado secundário como ETFs”, explica. “Então é preciso negociar com desconto, o preço do GBTC é bem abaixo do bitcoin por essa questão de liquidez.”
Campanha em prol do ETF de bitcoin à vista
A própria Grayscale está com uma campanha intensa entre investidores para que se manifestem junto à SEC para converter o QTBC em ETF. “Investidores, vocês merecem um ETF de bitcoin à vista”, é a chamada da campanha, divulgada no site da empresa e em newsletters. “Desde a sua criação em 2013, a Grayscale nunca parou de trabalhar para converter o Grayscale Bitcoin Trust (GBTC) em um ETF de bitcoin. Se você apoia a conversão, escreva para a SEC”, pede a empresa e continua: “Até o momento, a SEC permitiu apenas ETFs de futuros de bitcoin, enquanto rejeita ETFs com exposição direta. A escolha deve ser sua. Acreditamos que você não deve ser forçado a um produto baseado em futuros simplesmente porque é o único que existe.”
Aspectos políticos e agências reguladoras
Bruno Sousa, diretor de Expansão Global da Hashdex, acrescenta que, além da lacuna da regulação das exchanges, há também aspectos políticos envolvidos, no âmbito legislativo e entre as próprias agências reguladoras.
O primeiro pedido de registro de ETF de bitcoin à vista, nos EUA, aconteceu em 2013, pelos irmãos Winklevoss, fundadores da exchange Gemini Trust. Por duas vezes, a última em 2018, a listagem foi negada pela SEC, na época presidida por Jay Clayton. “Havia uma percepção de que, enquanto Clayton fosse presidente, não teria nenhuma aprovação, por ele não querer assumir o ‘fardo’ de ser a pessoa que iniciou o processo”, comenta Sousa.
No começo de 2021, com a mudança do governo nos EUA, de Trump para Biden, Gary Gensler assumiu o comando da SEC. “Houve uma grande expectativa de que um ETF de bitcoin fosse aprovado rapidamente, já que Gensler é mais amigável às criptos”, conta Sousa. “Mas ele fez declarações mais restritivas e o otimismo sumiu.”
“As gestoras passaram a estruturar ETFs de futuros de bitcoin, porque os contratos futuros são definidos como valor mobiliário”, diz Sousa. E, assim, em outubro passado, nasceu o ProShares Bitcoin Strategy ETF (BITO), o primeiro ETF de futuros de bitcoin, graças à atuação de um outro personagem da história: Chris Giancarlo, presidente da CFTC (Commodity Futures Trading Commission, a reguladora de commodities e futuros), de 2014 a 2019, conhecido como “Crypto Dad”. Foi sob sua gestão que a agência, em 2017, aprovou o primeiro derivativo futuro de bitcoin.
“Extraoficialmente, o mercado observa que há uma disputa entre a SEC e CFTC para ver qual órgão fica com o bitcoin sob sua regulação, por considerarem ser um mercado estratégico, inclusive podendo exigir mais recursos financeiros para atuar nesse segmento”, comenta Bruno.
Regulamentação dos criptoativos nos EUA
Publicada no início de março, a ordem executiva de Joe Biden que estabelece as diretrizes para a regulamentação dos criptoativos nos Estados Unidos vai definir e organizar o roteiro e o papel de cada ator nessa história, que perpassa ainda a própria estrutura federativa do país. “As exchanges que atuam nos Estados Unidos precisam de autorizações para operar em cada estado”, explica Viriato, da Parfin. E cada estado, assim como em relação a diversos outros temas, possui seu próprio entendimento e suas próprias leis em relação a operações com criptomoedas.
Nova York institui a BitLicense
No Estado de Nova York, o Departamento de Serviços Financeiros (New York State Department of Financial Services – NYSDFS) instituiu, em 2015, a chamada BitLicense, que estabelece todos os critérios e exigências para uma exchange operar. “Uma regulação federal vai simplificar essa estrutura”, aponta Viriato. Ele reforça que as iniciativas de grandes e tradicionais instituições financeiras e gestoras de ativos, como o Goldman Sachs, Bridgewater Associates e BlackRock, tiram as criptos do mercado “alternativo” definitivamente. Com isso, os reguladores “não têm escapatória”. “As diretrizes dadas pelo Biden vão acelerar o processo de aprovação dos ETFs na SEC.”
Ludof, da QR Asset, destaca ainda que a ordem executiva representou um avanço muito grande, com a prerrogativa de “preservar a ideia do espírito americano, de liberdade econômica, de inovação”. Além disso, o direcionamento põe por terra o argumento ultrapassado de que bitcoin não tem lastro. “O lastro do bitcoin é a confiança, a rede, a tecnologia e o protocolo; a regra definida em código matemático que não pode ser alterado”, afirma. “A gente já vive o mundo do intangível. Entender os conceitos de cripto exige uma quebra de paradigma mental mesmo.”
Na última quinta-feira, um novo episódio apontou uma perspectiva para o tão esperado nascimento do ETF de bitcoin à vista. A SEC aprovou o ETF de futuros de bitcoin da Teucrium, sob as normas do “Securities Act de 1933”. Segundo artigo publicado pelo CoinDesk, a lei de 1933, que rege os ETFs à vista, exige o preenchimento do formulário 19B-4, detalhando como o ativo subjacente é resistente à manipulação de preços. Já os ETFs de futuros aprovados desde outubro de 2021 foram regulados por outra lei, o “Investment Company Act de 1940”, que rege os ETFs futuros e não exige o envio do Formulário 19B-4.
Uma vez que a SEC aprovou o ETF futuro sob as normas do Act 33 (no caso, houve a aprovação do ETF de futuros da Teucrium), ela reconhece o bitcoin como um ativo, ainda que em um mercado não regulamentado. O presidente da Grayscale, Michael Sonnenshein, postou no Twitter que “se a SEC está confortável com um ETF de futuros de bitcoin, eles também devem estar confortáveis com um ETF de bitcoin à vista”. Para ele, a SEC, ao aprovar o Teucrium sob a lei de 1933, definiu o mercado subjacente aos futuros de bitcoin listados na Chicago Mercantile Exchange (CME). No entanto, os contratos futuros são influenciados pelo mercado à vista não regulamentado. “O regulador não pode mais negar ETFs à vista, afirmando que estão expostos a manipulação de preços”, provocou.
Brasil na vanguarda
“Quem já está acostumado a negociar ações, fundos imobiliários, BDRs e outros ETFs, passou a agregar ETF de cripto na sua carteira, se beneficiando com mais um instrumentos de diversificação”, aponta Luis Kondic, diretor executivo de produtos de dados da B3. Ele explica que a regulação dos ETFs de cripto no Brasil segue a mesma dinâmica dos demais produtos da categoria listados na B3. “A negociação acontece em ambiente regulado, com mecanismos de proteção de preço e a B3 é a contraparte central na liquidação das operações”, detalha. “A liquidação é em reais, ou seja, não tem entrega física do criptoativo. E a variação de preço é a referência para a valorização do ETF.” Os ETFs de cripto são estabelecidos pela circular nº 11/2018, publicada em setembro de 2018 e assinada por Daniel Maeda, um entusiasta da novas tecnologias, segundo o mercado.
Sob essa bênção, o primeiro ETF de cripto listado na B3 foi o HASH11, da Hashdex, em abril do ano passado, com exposição diversificada no mercado de criptomoedas. O primeiro ETF só de bitcoin à vista estreou em junho, o QBTC11, da QR Asset. Na sequência, veio o da Hashdex, BITH11, em agosto. As gestoras lançaram ainda ETFs com exposição direta também a ethereum, o QETH11 e o ETHE11.
“A CVM e a B3 validaram a mecânica de controle de preços adotada pelas gestoras, com uma metodologia específica para marcação do ETF em caso de oscilação fora da curva”, explica Marcos Viriato, da Parfin, acrescentando que há um nível de autorregulação que traz segurança ao mercado. “As gestoras só cotam preços dos ativos em exchanges reguladas, que têm uma certa governança”, afirma. “A CVM entendeu que esse é um dos mecanismos que protegem o investidor; a SEC, ainda não.”
“Foram dois anos e meio de discussão com a CVM e B3 para conseguir chegar na aprovação em abril do ano passado”, conta Sousa, da Hashdex. Ele destaca que CVM e bolsa entenderam a importância do produto, o apelo para o investidor brasileiro e que era possível dentro do arcabouço regulatório brasileiro. “O produto foi estruturado de uma maneira que se encaixava na regra”, reforça. “O regulador não trabalha no vácuo. Ele vai reagindo aos pedidos dos participantes, da bolsa, dos gestores, do público investidor. A partir da demanda ele percebe que precisa se posicionar.”
“A qualidade da regulação brasileira permite um dos melhores produtos de cripto e mais baratos do mundo”, ressalta Ludof, da QR Asset. “No Brasil, por incrível que pareça, a regulação evoluiu mais rápido do que a americana, muito próximo do Canadá, primeiro país desenvolvido que permitiu ETFs de criptos de forma regulada”, afirma, ressaltando que o mercado brasileiro tem se destacado na inovação em finanças em geral. “O pix é um exemplo e a adoção de fintechs no brasil foi uma das mais rápidas do mundo.”
COE referenciado em criptos
O menu da B3 já conta com derivativos de balcão e COEs (Certificados de Operações Estruturadas) referenciados a índices de preços de criptos ou referenciados a ETFs que são ligados a índices de preços de criptos. “Estamos trabalhando para viabilizar o lançamento de futuros de criptos”, afirma Kondric. “Estamos avaliando com o mercado qual seria o índice de referência ideal com vistas a lançar ainda este ano.”
Você sabe como funciona o COE? No Entrevista da Semana, Luciano Diaféria Angelo, superintendente de produtos markets no Itaú BBA, explica em detalhes o investimento. Não perca:
Leia a seguir